terça-feira, 20 de maio de 2025

A Intimidade na Subtileza


Exposição “entre dois grãos de areia” de José Luís Neto (2025), Galeria Miguel Nabinho. Fonte: Própria

 

José Luís Neto – Exposição “entre dois grãos de areia”

 

José Luís Neto é um artista nascido em 1966, natural de Satão. Atualmente vive e trabalha na área de Lisboa, onde desenvolve os seus projetos artísticos em torno da “apropriação da imagem” (José Luís Neto. [nd.] Biografia Curta). Com o seu trabalho, o artista, aborda questões em redor da própria linguagem e natureza da fotografia, bem como, a matriz fotográfica, a escala e o suporte.

 A linguagem fotográfica é extremamente rica …, portanto o digital aqui, …é a primeira vez que faço, … na ideia de ampliação de imagens. (José Luís Neto, 2025. [vídeo]. [06:40 – 06:54])

É assim, que através de diversos processos e dispositivos de registro, pretende a união do “meio” e do “fim”, transformando-os numa “metalinguagem para os processos fotográficos” (José Luís Neto. [nd.] Biografia Curta).

O seu trabalho encontra-se disponível ao público na Galeria Miguel Nabinho, entre os dias 28 de março e 24 de maio, na exposição intitulada “entre dois grãos de areia”.

Esta é uma galeria relativamente pequena onde, através da exposição, e do seu ambiente de proximidade, o artista aborda o paradoxo da representação do “íntimo” em retratos visualmente desfocados.

 

A Intimidade na Obra

 

Com a exposição “entre dois grãos de areia”, José Luís Neto, procura representar “momentos” destacáveis ou isolados, através da sua obra.

A sua obra baseia-se no conceito de isolamento, sendo o mesmo representado geralmente por um indivíduo, ou pelo isolamento de “um momento” particular de um grupo.

Para mim é um bocadinho desta ideia de… certa maneira de intervalo, que é dar importância à pessoa, às pessoas. Então esta ideia do ínfimo, do pequenino, do lado do milímetro, …, e para mim é esta ideia, dos tempos de hoje. Parece-me muito importante, … e aqui aparece um momento para mim de intervalo, de pausa, de eu estar bem e tentar unir, a estar. (José Luís Neto, 2025. [vídeo]. [09:22-09:48])

Este isolamento é acentuado pela falta de detalhes das representações, concebidas pelo “desfoque milimétrico”. O que torna relevante o sentimento de intimismo transmitido nas obras é a esta “falta de detalhe” que “obriga” o observador a tomar uma postura íntima em relação com a obra, de modo a esforçar-se para conseguir “ver” os detalhes.

A própria escolha do tema, representando pelo o artista, revela-se intimista por natureza, sendo que é neste “esforço de ver” do espectador que se revela o íntimo e o isolamento presente nas cenas do quotidiano representadas, realçando o sentimento de “confiança” e “vulnerabilidade” retirados das obras por parte do observador.

Pinto (2025) descreve o “enquadramento” como um sinónimo do isolamento, sendo a escolha da representação da imagem a separação de “uma parte do panorama”. Esta separação causa algum sentimento de contradição, “um antes e um depois”, sendo a imagem o “intervalo” resultante desta separação, que isola e capta “tudo o que consegue apanhar” formando essa composição naquele instante, “o desejado e o acidental, o indispensável e o fortuito”.

Mais especificamente a obra de José Luís Neto escolhe retratar o momento de introspeção de quem observa a praia, procurando ainda desarmar essa “lógica hierárquica” dos componentes “a que nenhuma imagem consegue escapar”, como, o ponto de vista, o ponto de fuga, o fundo, entre outros (Pinto, F., (2025). [Folha de Sala]).

Ou seja, quando eu fotografo, fotografo sempre aqueles planos muito abertos …, interessa-me sempre muito porque é uma pesquisa que já faço há muitos anos de ir buscar a ideia… do mínimo na imagem, e neste caso é a presença da pessoa que, está distante. A minha ideia é de certa maneira de aproximar de unir, portanto, e com as minhas ideias, aquelas sensações, das pessoas que procuram a ideia da praia que é “vou ver o mar”, há uma ideia de estar bem em frente do mar. (José Luís Neto, 2025. [vídeo]. [01:28 – 02:07])

 

Cenário e Instalação

 

Como mencionado anteriormente a Galeria Miguel Nabinho tem uma dimensão relativamente pequena, sendo a instalação da obra de José Luís Neto desenvolvida em apenas um salão de exposições.

Esta pequena dimensão da exposição é também um forte contributo para a ideia realçada de um ambiente de proximidade, íntimo e simples.

Igualmente a ideia do simples e minimalista é reforçada pelas paredes completamente lisas e brancas, onde as obras estavam fixadas, que forneciam um contraste com as cores e manchas das obras, destacando igualmente a falta de informação em redor das mesmas, sendo que não existiam etiquetas.

O espaço apresentava-se igualmente contraditório, apresentando o lado da exposição, minimalista, e, uma área artística de trabalho, refletora de um ambiente de proximidade, íntimo e simples, algo que poderia ser melhor aproveitado com o intuito do tema exposto pelo artista.

As imagens nesta exposição são retratos fotográficos, com desfoque milimétrico, a tinta de arquivo pigmentada sobre papel de algodão. Estas são, segundo Pinto (2025), o resultado de um “resgate do insignificante” e “ínfimo”, sendo, principalmente a ideia de realçar os “elementos que emergem à superfície como protagonistas que nunca foram”. É assim através deste conceito, dependente de uma “visão periférica” e “estendida”, que o espetador, tal como o artista, aborda um olhar mais desafiante, não se submetendo ao que está “mais perto, nítido e óbvio”.

 …A utilização dos grandes formatos e o desfoque milimétrico. Levar a pessoa, ao limite do reconhecimento.” (José Luís Neto, 2025. [vídeo]. [07:40 – 07:50])

Segundo Pinto (2025), José Luís Neto, com a sua obra incorpora o “ínfimo e o quase nada” sem alterar a sua “forma própria”. É através da “distância” que o artista limita os pormenores das suas composições, reduzindo as formas ao “indispensável”, resultado na “escassez de informação quase até à irreconhecibilidade”.

As formas acabam por tender para a silhueta e para o silêncio, para a mancha e para o anonimato, ou seja, para o sem nome - uma forma irreconhecível expõe apenas a sua forma, sem significados que a escondam; é, por isso mesmo, mais clara, mais objetiva, menos enganadora, resulta, por fim, numa imagem mais verdadeira - quase um oxímoro.  (Pinto, F., (2025). [Folha de Sala])

 

 

José Luís Neto, "entre dois grãos de areia #3 e #11" (2025), 150 x 84 cm. Tinta de arquivo pigmentada s/ Papel de algodão. Fonte: Própria

 

Segundo o meu entendimento, é nas contradições que a obra “entre dois grãos de areia” se destaca. Contradições como a cor, sendo simultaneamente composta de manchas uniformes, mas continuamente contrastantes, existindo, contudo, uma certa coerência nas paletas de cor presentes na obra, bem como, um movimento representado em algumas manchas mais apelativas que sobressaíam das restantes paletas de cor neutra, que contrastavam com ambiente neutro da Galeria.

…Sempre tive essa intenção, que é aproximar a fotografia muito à ideia do desenho, à ideia de pintura. Se eu fosse pintor provavelmente era assim que pintava. (José Luís Neto, 2025. [vídeo]. [05:44 – 05:55])

As imagens situam-se na fronteira do visível e do irreconhecível, dependendo da posição do observador e da distância a que este se encontra em relação à obra.

As figuras humanas destacam-se do fundo parecendo flutuar, contudo evidenciando uma ancoragem profunda.

Ainda se lhes reconhece as figuras, mas estas são quase fundo; ainda se destacam do fundo, mas são quase mancha, como um sinal na pele, uma nódoa no fato, uma mancha na parede; ainda há uma profundidade, ainda persiste uma certa distância entre a suposta figura e o fundo que se pressupõe, mas parecem tender para ele, para uma diluição. (Pinto, F., (2025). [Folha de Sala])

 

O Íntimo e o Subtil

 

De modo a concluir, através da exposição “entre dois grãos de areia”, o observador é convocado a procurar os “momentos” destacados e isolados, em cada uma das obras apresentadas.

Esta exposição materializa-se, de certo modo, num apelo à ideia de “pausa”, bem como, à importância de recordar o “ínfimo”, e o “pequenino”. O milímetro torna-se neste momento de intervalo, “para estar bem” e apenas presenciar.

É nestes “momentos” que, como observadores, conseguimos experienciar a intimidade que existe na subtileza. A falta de detalhes nos retratos, obrigam à adoção de uma postura mais íntima perante os mesmos, assim como, um certo esforço na observação, de modo a conseguir “ver” os detalhes e assim fazer uma apreciação do que é representado com cada obra.

…. Tenho as pessoas lá ao fundo, que estão a receber luz, que estão a contemplar, provavelmente o mar, a pensar nas suas coisas e isso eu acho que é extremamente bonito. …passa a ser, pessoas do lado mínimo. …É aquela ideia de trabalhar ao milímetro, como se fosse a ideia quase de um grão fotográfico, aqui, quase a ideia do grão de Areia. É um bocadinho assim, …tem a ver muito com essa ideia de paixão. (José Luís Neto, 2025. [vídeo]. [13:12 – 13:48])

Na minha perspetiva, é aqui que encontro o grande impacto desta obra, no paradoxo, da presença do detalhe e a falta dele, representados simultaneamente, bem como, no realce do momento íntimo e individual representado por cada uma das obras.

 

Referências:

Galeria Miguel Nabinho. (2025, Março 28). JOSÉ LUÍS NETO – entre dois grãos de areia. English subtitles [Video]. YouTube. Disponível em: https://youtu.be/biTyTP3XfL4 [16/05/2025]

Galeria Miguel Nabinho. (2025, março 28). Entre dois grãos de areia. Disponível em:  https://www.miguelnabinho.com/pt/entre-dois-graos-de-areia [16/05/2025]

Galeria Miguel Nabinho. (2025, março 28). José Luís Neto. Disponível em: https://www.miguelnabinho.com/pt/jose-luis-neto [16/05/2025]

José Luís Neto. (nd.) Biografia Curta. Disponível em: https://joseluisneto.pt/en/02-01-00.html  [16/05/2025]

Pinto, F. [Folha de Sala]. (2025).  Galeria Miguel Nabinho, Lisboa, Portugal. [16/05/2025]