domingo, 27 de outubro de 2019

A Tipografia como catalisador de reflexão · parte I


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A tipografia é um campo que, por sua própria natureza, atiça a curiosidade intelectual daqueles de que dela se ocupam. Seu funcionamento enquanto tecnologia é notável, mas sua relação com a linguagem é ainda mais fascinante.

Quando iniciamos nossa formação como designers, aprendemos que a tipografia é a manifestação visual da linguagem. Esta definição é uma síntese surgida de uma longa tradição da tipografia para texto imersivo, do tipo encontrada em livros, mas não é suficiente.


Como muitas vezes é difícil definir precisamente os campos de atuação dos designers e artistas, não demora-se muito a buscar definições e parte-se logo para a projetação. Mas, é útil investigar um pouco mais qual é a natureza daquilo que fazemos, tanto para contribuirmos na produção de conhecimento, quanto para enriquecermos nosso campo de trabalho.


Se partimos da definição de tipografia como o método de reprodução sistematizado e mecanizado da escrita, e sendo a escrita o registro visual da linguagem, por fim, sendo a linguagem um sistema de signos. Notamos que temos a sobreposição de sistemas de representação que lidam em última instância com o signo.

Tomemos Saussure como um primeiro exemplo de como refletir sobre a tipografia pode nos levar a outras questões. Em Saussure o conceito de signo é tudo aquilo que pode representar ou apontar para outra coisa. Alguns signos são naturais, por exemplo, fumaça e fogo. Se vejo fumaça sei que há, em algum lugar, fogo, não preciso entrar em contato com o fogo em si para sabe-lo.

Mas, nós nos utilizamos muito mais de signos que não são naturais, utilizamo-nos de signos linguísticos, que são arbitrários. Se conto uma história e pronuncio a palavra “casa”, não há lei natural que me obrigue a fazê-lo, existem os sinônimos para isto, e o conceito de “casa” é dito de diversas maneiras em diversas línguas.

Notamos que a língua é um fenômeno natural, mas a escrita não o é, e a tipografia muito menos. Não se tem notícia de sociedade humana sem linguagem. Já a escrita, ao que se sabe, surgiu em três momentos independentes da História humana: na antiga Mesopotâmia, na antiga China e na antiga América Central, daí se espalhando para outras sociedades. Até hoje há incontáveis línguas ágrafas. A tipografia, por sua vez, é uma invenção muito mais recente, surgiu na China do século XI d.C. e posteriormente na Alemanha do século XV d.C.

Contudo, os signos mais antigos dos sistemas de escrita eram em realidade pictogramas, representações gráficas simplificadas de objetos do mundo material. Somente muito posteriormente passaram a significar fonemas, sílabas e/ou conceitos e terem formas mais abstratas.

A primeira relação que se revela é uma carta complementaridade inicial, em que a língua é natural e seus signos são convencionais, mas a escrita é convencional e seus signos naturais. Talvez por isto a escrita não havia ganhado nestas sociedades antigas o valor praticamente hegemônico que ela viria a ter.

Podemos nos questionar se este não é um processo evolutivo análogo ao que ocorreu com a própria linguagem, em que inicialmente os grupos humanos comunicavam-se com gestos, grunhidos e proto-fonemas, indicando desejos como comida, proteção, aviso, socorro etc. de modo mais direto.

Esta última divagação é apenas um apontamento da direção que a reflexão sobre a natureza da tipografia pode nos levar, pois apesar de ser uma invenção notável, a tipografia e a escrita existem em função de outras realidades, em última instância, a tipografia raramente é um fim em si mesmo, ela existe em função da comunicação.

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Referências

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SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. 26 ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
BRINGHURST, R. Voices, language, and scripts around the globe in
Language culture type: international type design in the age of Unicode. ed. 
Berry, John D. New York, N.Y.: ATypI, 2002.
COULMAS, F. Writing Systems: An Introduction to Their Linguistic Analysis (Cambridge Textbooks in Linguistics). Cambridge: Cambridge University Press, 2002.



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