Pier Paolo Pasolini
Pasolini impôs-se como um herege face à ideologia do progresso, defendendo que, nos nossos dias, a revolução deve ser procurada escavando uma passagem que nos leve de volta ao passado, às antigas tradições da “cultura pobre”. Diogo Vaz Pinto no Jornal I: https://ionline.sapo.pt/artigo/751949/pier-paolo-pasolini-a-guerra-de-um-contra-todos-
Uma figura pública polémica, abertamente homessexual e comunista, Pasolini (1922-1975) foi um poeta, escritor, analista político e cineasta, que experimentou quase todos os meios para criticar e compreender o tempo em que vivia. Incriminado mais de trinta vezes pelo que escrevia e pelos filmes que realizava, Pasolini foi alvo de censura severa por parte de vários setores culturais. Foi misteriosamente assassinado em novembro de 1975, em Roma, meses antes do lançamento tardio do seu filme Salò, em janeiro de 1976.
Pasolini, marxista dedicado a temas proletários, incorporou muitas das contradições centrais da sua época. A sua sinceridade alienou muitos dos seus aliados ideológicos e escandalizou a sociedade convencional. Como cineasta, a obra de Pasolini relacionou-se inexoravelmente com a sua visão política, mas também detém influências de fontes divergentes como o drama grego clássico, a literatura medieval, contos árabes e questões políticas e sociais contemporâneas.
Nascido em Bolonha em 1922, Pasolini começou a escrever poesia aos sete anos e publicou aos dezanove, enquanto estudava na Universidade de Bolonha. Em 1947, tornou-se secretário do Partido Comunista em Casara, a sua cidade natal. Em 1949 foi acusado de corrupção de menores e, assim, expulso do Partido e despedido do seu trabalho como professor na Escola de Casara. Mudou-se para Roma com a sua mãe e lecionou numa escola nos subúrbios da cidade.
Foi nos seus quarenta que começou a carreira como cineasta. Até lá, Pasolini havia já sido poeta, romancista, jornalista, pintor, dramaturgo, ator e uma das vozes públicas mais dissidentes da política e da cultura italiana. Vivia-se um momento importante na História italiana. O ‘milagre económico’ das décadas de 50 e 60 vinha a substituir uma economia rural pelo capitalismo de consumo e representava o que Pasolini via como corrupção moral disfarçada de liberdade.
Filmou quatro dos seus filmes no Etna, um vulcão ativo situado na Sicília, no final da década de 60 e início da década de 70. Segundo o crítico Sebastiano Gesù, Pasolini escolheu o Etna devido aos seus dualismos: “a união dos opostos: morte e fertilidade, sagrado e profano, ... céu e inferno.” É possível que tenha escolhido filmar no vulcão por causa das centenas de crateras e áreas em redor cobertas de lapilli.
Teorema (1968)
No filme, um estranho invade uma casa burguesa em Milão e seduz — ou é seduzido por — cada membro da família. Tais relações foram analisadas por críticos de cinema e outros pensadores, de forma a perceber como Pasolini apresenta e rompe as noções de desejo libidinal nas sociedades industrializadas. O pai, doente, deixa-se conquistar pelo magnata. Após penetrá-lo, livra-se de tudo o que possui e despe-se na estação de comboio, seguindo depois para o deserto. A cena final demonstra o homem, agora sem posses, gritando para a câmara nas colinas do Etna. Embora pareça desesperado, ou em algum tipo de pânico furioso, os seus gritos podem também ser interpretados como a fuga da moralidade burguesa e da modernidade industrial. Pasolini transporta o personagem da sua propriedade milanesa para uma terra pré ou pós-capitalista, desprovido de pessoas, dinheiro ou poder.
O vulcão, aparentemente sem vida, mas na verdade tão fértil, serve de metáfora para um espaço fora do tempo capitalista. Esta cena traduz o pensamento anti-capitalista da esquerda italiana a partir dos anos 50. O cineasta critica o capitalismo industrial ao fazê-lo desaparecer com a figura do magnata nu. Deste modo, é possível relacioná-lo com o argumento de Asor Rosa, na segunda edição da Quaderni Rossi (revista política italiana, fundada em 1961; uma das principais fontes do autonomismo), seis anos antes: “A única forma de compreender o sistema é concebendo a sua destruição.” Os filmes de Pasolini compreendem este período de re-receção ao Marxismo.
No entanto, o filme que mais aponta o desdém de Pasolini para com a cultura e economia de consumo em massa, representado através de um totalitarismo homicida que requeria novos tipos de resistência, é Salò — estreado pouco depois da sua morte e alvo de muita censura, devido à sua extrema violência e representação ousada da anarquia do poder.
STILL DO FILME SALÒ, OR THE 120 DAYS OF SODOM (1975), DE PASOLINI. |
O autor refletiu frequentemente sobre a capacidade do cinema em tornar um certo tipo de concretitude visível, provando que um filme poderia ser menos suscetível à ideologia do que qualquer outro media.
Ainda hoje, os filmes de Pasolini escandalizam as audiências e a sua influência é sentida na cultura e na política, tendo-se afirmado como símbolo da resistência ao neoliberalismo e à globalização.
E-Flux (2021). Under Etna’s Shadow: Pier Paolo Pasolini and the Volcano. Retirado em outubro 29, 2021 de https://www.e-flux.com/journal/121/424221/under-etna-s-shadow-pier-paolo-pasolini-and-the-volcano/
Art Forum (2013). A Cinema of Poetry: The films of Pier Paolo Pasolini. Retirado em novembro 9, 2021 de https://www.artforum.com/print/201301/a-cinema-of-poetry-the-films-of-pier-paolo-pasolini-38216
Jornal I (2021). Pier Paolo Pasolini. A guerra de um contra todos. Retirado em novembro 9, 2021 de https://ionline.sapo.pt/artigo/751949/pier-paolo-pasolini-a-guerra-de-um-contra-todos-
The New Yorker (2011). Pasolini’s Theorem. Retirado em novembro 9, 2021 de https://www.newyorker.com/culture/richard-brody/pasolinis-theorem
The Guardian (2014). Who really killed Pier Paolo Pasoli?. Retirado em novembro 9, 2021 de https://www.theguardian.com/world/2014/aug/24/who-really-killed-pier-paolo-pasolini-venice-film-festival-biennale-abel-ferrara
Comunidade Cultura e Arte (2020). As sete vidas e o mito que perdura: o retrato de Pasolini. Retirado em novembro 9, 2021 de https://comunidadeculturaearte.com/as-sete-vidas-e-o-mito-que-perdura-o-retrato-de-pier-paolo-pasolini/
BFI (2017). An introduction to Pier Paolo Pasolini. Retirado em novembro 9, 2021 de https://www2.bfi.org.uk/news-opinion/news-bfi/features/introduction-pier-paolo-pasolini
Poetry Foundation (s.d). Pier Paolo Pasolini. Retirado em novembro 9, 2021 de https://www.poetryfoundation.org/poets/pier-paolo-pasolini
Wikipedia (s.d). Pier Paolo Pasolini. Retirado em novembro 9, 2021 de https://pt.wikipedia.org/wiki/Pier_Paolo_Pasolini
Wikipedia (s.d). Mount Etna. Retirado em novembro 9, 2021 de https://en.wikipedia.org/wiki/1669_eruption_of_Mount_Etna
Youtube (2014). P. P. Pasolini — Le Ragioni di un Sogno (de Laura Betti). Retirado em novembro 9, 2021 de https://www.youtube.com/watch?v=Xbe8de2Kt1o
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