Para outro projecto estou a ler sobre o tédio. O que é o tédio, as várias teorias sobre o tédio. O tédio como falta de actividades e distrações, o tédio como passar do tempo. O aborrecimento, o fastio, o enfado. O dia-a-dia, em que “nada” acontece.
Tédio, aborrecimento, fastio, enfado, falta de entusiasmo.
vs
Distração, diversão, entretenimento, motivação, prazer.
Quando eu era pequena dizia muitas vezes que “não tinha nada para fazer”. “Mãe, o que é que eu faço? Não tenho nada para fazer.” Lembro-me bem porque a minha mãe ficava exasperada ao propor-me coisas que eu recusava. “Faz um desenho” “Lê um livro” “brinca com as bonecas” e eu respondia “não me apetece”. Tudo me parecia chato e estava aborrecida com tudo. Mas era nestes momentos que eu me forçava a fazer alguma coisa em que a minha criatividade vinha ao de cima. Pegava em objectos e juntava-os, criando novos objectos, escrevia histórias ou lia, ou simplesmente ficava a pensar enquanto olhava pela janela. Lembro-me com nostalgia dos momentos em que olhava pela janela para os prédios em frente, muitas vezes com atenção às pessoas que entravam e saíam de casa.
Estes momentos já não existem na minha vida nem na da maior parte das pessoas. Os momentos de tédio foram substituídos por momentos nas redes sociais, momentos em busca de informação no Google, ou simplesmente a ver vídeos parvos.
No séc. XX, no meio filosófico, o tédio surge associado com um tipo de possibilidade.
Heidegger defende que devemos compreender o tédio existencialmente — um tipo muito particular de tédio, a que ele chamava “tédio profundo” — como um sentimento de possibilidade nele mesmo. Para Heidegger há três tipos de tédio, em que o primeiro está ligado à passagem do tempo: estar um período de tempo sem “nada para fazer”, um tempo que se arrasta em que a pessoa se sente entediada; um segundo tipo em que a pessoa está ocupada com uma actividade ou acontecimento e só mais tarde se apercebe que afinal passou esse tempo aborrecida, e o terceiro, o tal tédio profundo em que tudo é entediante. A passagem do tempo e a própria existência são a base do tédio.
Kierkegaard considera muito curioso que o tédio, que por si só tem uma natureza tão calma e serena, possa ter tanta capacidade de iniciar movimento. O efeito que o tédio provoca é absolutamente mágico.
Walter Benjamin chama ao tédio o pássaro de sonho que choca o ovo da experiência e Marx considera-o o desejo por conteúdo.
Duchamp diz Os happenings introduziram um novo elemento à arte, que ninguém lá tinha posto: o tédio. Fazer algo de maneira a entediar alguém é algo que eu nunca tinha imaginado! O que é uma pena, pois é uma bela ideia.
Surge então o tédio como arte, a provocação de aborrecimento no espectador/leitor. Dick Higgins, do movimento Fluxus chama a isto o “super-tédio” (super-boredom no original).
Uma das primeiras obras que deliberadamente procurou provocar tédio foi Vexations de Erik Satie, escrita ainda no final do séc. XIX. Foi recuperada nos anos 40 e em 1964, John Cage realizou a primeira performance pública, respeitando as instruções do compositor de tocar a peça 840 vezes, repetidamente. Esta primeira performance durou 18 horas. A própria melodia é aborrecida – ou antes, criou em mim um sentimento estranho de ansiedade: ouvi durante 15 minutos e parei.
Outro exemplo é I Will Not Make Any More Boring Art de John Baldessari, para uma exposição na qual ele não conseguiu estar presente e por isso pediu que escrevessem na parede esta frase, recriando o castigo (tornado mais popular talvez pelo Bart Simpson) na parede. Para sua surpresa cobriram todas as paredes com a frase, que é em si mesma a aceitação de que a arte pode ser aborrecida.
Anywhere or not at all, Peter Osborne, Verso, 2013, London
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