quarta-feira, 10 de novembro de 2021

A edição de imagem como concretização do imaginário

A imagem está viva, mais viva do que nunca!
Seja uma fotografia para eternizar um momento de família, com fim mais artístico ou uma ilustração com objetivo mais comercial, a imagem é uma maneira poderosa de comunicação nos tempos que correm.
A fotografia, nomeadamente, é uma forma fidedigna de captar visualmente a realidade, e com o crescimento de redes sociais baseadas na fotografia ou na imagem artística, como o Pinterest ou o Instagram.
Nós, enquanto humanos, espécie dotada de criatividade e de busca pela perfeição, rapidamente percebemos que tínhamos a capacidade de "modelar" a imagem criada a partir do real. Começando por alterar a aparência da fotografia na revelação de negativos, passando pelo vandalismo em cartazes na via pública, até à deformação de imagem no Photoshop, a alteração da imagem é a alteração da comunicação da mesma, é a alteração da mensagem a passar.
Por exemplo, a diferença entre a fotografia a cores e a fotografia a preto e branco, e para isso passo a citar parte de um artigo:
“o círculo cromático está, portanto, vinculado à realidade concreta, visível, ao passo que a escala linear de cinzas só surge a partir de uma abstração – da subtração da primeira camada do real. Assim, enquanto as fotos coloridas tendem a mostrar o ser – a realidade tal como se mostra aos nossos olhos –, as fotos em preto e branco permitem a expressão de um dever-ser.
Um exemplo tirado da nossa vida cotidiana talvez ilumine essa questão. Sabemos que as pessoas gostam de cores vivas: os levantamentos internacionais sempre apontam o azul, o vermelho, o verde. Contudo, quando compram seus automóveis, elas optam, em sua grande maioria, pela escala P&B: preferem carros brancos, prateados, cinzentos, pretos.
Como explicar esse paradoxo? Segundo Pastoureau em seu Dicionário das cores do nosso tempo, ele resulta do fato de que a escolha da cor ocorre por exclusão. O vendedor exibe um extenso mostruário, mas as possibilidades à mão são restritas: uma cor só estará disponível em três meses, outra exige um pagamento extra, outra não existe para o modelo desejado. A escolha se faz por exclusão a partir das três ou quatro cores disponíveis: “O cliente elimina aquilo que o repugna e escolhe, não a cor de que gosta, mas a que lhe desagrada menos”.
Se é assim, por que as massas preferem comprar automóveis na escala preto e branco, se elas no fundo preferem o círculo cromático? Porque as pessoas sabem que serão julgadas publicamente por suas escolhas. Como diz Pastoureau, “todos somos julgados, classificados, hierarquizados, postos em números e em discursos, quer queiramos ou não, segundo a cor do nosso carro”. Assim, quando escolhem um veículo em preto e branco, as pessoas ostentam não o que elas são, mas sim o que elas deveriam ser – mais sóbrias, elegantes, respeitáveis.
O dever-ser é a fachada social de cada proprietário. Cada indivíduo busca aparecer socialmente como algo que ele gostaria de ser, mas não é. O uso da escala em preto e branco para emitir juízos morais sobre o mundo se baseia nessa predisposição inconsciente das massas. Tal atitude é tão comum que não se reflete só na fotografia. Quando Picasso pintou Guernica, deixou o quadro praticamente sem cores. A série Retirantes, de Portinari, deve sua força aos contrastes de luz e sombra, e o negro domina a capela de Rothko em Houston. A mesma opção é frequentemente adotada no cinema: quantos diretores não preferiram filmar suas obras em preto e branco, mesmo tendo à mão a possibilidade de usar as cores?”
A alteração da fotografia pretende chegar a uma sensação ou um sentimento específico que na maioria das vezes existe já na foto inicial, mas que é acentuada ou reformulada pelas nossas escolhas. Queremos torná-la mais singular, e a melhor maneira de o fazer é fugindo do campo que nos abrange a todos: a realidade.

https://revistazum.com.br/radar/cor-ou-pb/

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