Passando pelas portas de
vidro do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, que ocupam o pé direito do edifício,
encontramos de imediato a sua primeira exposição: “Paula Rego e Adriana Varejão:
Entre os vossos dentes”, localizada no espaço amplo denominado de nave, que estará
exposta de 11 de abril de 2025 a 22 de setembro de 2025. Composta por 13 blocos
brancos, cada um com um respetivo título, estes juntam obras da artista
portuguesa Paula Rego e da artista brasileira Adriana Varejão, com uma
curadoria feita pela própria Adriana Varejão, juntamente com Helena Freitas e
Victor Gorgulho.
Logo à entrada, os
visitantes são avisados acerca dos fortes temas da exposição que incluem o
colonialismo e a violência contra a mulher, evidentes na maioria das obras de
ambas as artistas, não sendo uma exposição indicada a públicos infantis. A
existência de um catálogo no início ajuda a ter uma ideia de onde estão as
obras mais sensíveis, acompanhadas de descrição e algumas explicações.
Na primeira sala, “Fui
terra, fui ventre, fui vela rasgada”, onde apenas podem permanecer duas pessoas
de cada vez, com a presença de uma segurança, existem apenas três obras: duas da
Adriana Varejão e uma da Paula Rego, com foco no colonialismo e com um efeito
visual impactante devido ao papel de parede, desenhado por Adriana Varejão, de
cor vermelho sangue e com elementos que fazem lembrar intestinos.
Ao longo da exposição,
esta cumpre o que promete, incluindo obras impactantes e sensíveis a qualquer
tipo de pessoa, tendo presentes componentes como sangue e feridas abertas
presentes em diferentes obras durante o percurso. Adriana Varejão choca o público
através das suas esculturas que realisticamente imitam vísceras e carne crua,
deixando por quem lá passa um sentimento de repulsa, tal a qualidade da sua
representação. Já Paula Rego, conhecida pela sua linguagem figurativa
pessoal, tem presente obras da sua série “Aborto”, seja em pintura ou em
desenho, espalhadas por várias salas da exposição. Já na sala “Faca Amolgada”,
a obra “Esfolada” (2012), de Paula Rego, pode causar choque a quem analisa a
cena com atenção, na qual um homem arranca a pele a uma mulher de forma gráfica
e perturbante.
Perto do fim aparece uma pequena
sala intitulada “Apesar de você”, com o mesmo papel de parede da primeira, que
é dedicada aos regimes de opressão de ambos os países, contando com a presença
das suas respetivas bandeiras: Portugal no quadro “A sina de Madame Lupescu” (2002),
de Paula Rego, e Brasil na coluna “Ruína Brasilis” (2021), feita por Adriana Varejão.
Obras estas que estão acompanhadas da pintura a óleo “Salazar a Vomitar a Pátria”
(1960), também de Paula Rego, que remete o público que observa para os governos
autoritários que marcaram a história de ambos, fazendo recordar os tempos
vividos durante as respetivas ditaduras.
A última e maior sala da
exposição, “Mar, onde sou a mim mesma devolvida em sal, espuma e concha”, é um
tributo à escritora Sophia de Mello Breyner Andersen onde as duas artistas
dialogam com o artista português Rafael Bordalo Pinheiro através da cerâmica. O
mar, que é o que separa Portugal e o Brasil, é o tema principal da sala e
faz-se notar pelos tons azulados e pela presença de figuras e animais marinhos
pelas obras que constituem esta sala, seja nas pinturas, nas cerâmicas ou até
nas esculturas penduradas.
As salas têm diferentes lotações,
entre 2, 6, 13 e até 23 pessoas por sala, e os seus acessos acabam por configurar
um ambiente labiríntico o que, por vezes, deixa quem visita este espaço expositivo
confuso e irritado pela falta de facilidade e simplicidade no percurso.
Esta é daquelas
exposições que fica na memória de quem visita, não apenas pelo seu intenso
grafismo e controvérsia, mas também pelos seus temas que, apesar da sua origem mais
longínqua, continuam atuais ao longo dos anos.