“Tudo se transforma, nada morre”. Esta é a frase, retirada de Metamorfose, de Ovídio, que recebe o visitante ao adentrar a exposição Uma Estreita Lacuna, segundo capítulo de 331 Amoreiras em Metamorfose, projeto em exibição no museu da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa, que se estende desde novembro de 2024 a julho de 2025 e reúne obras de inúmeros artistas, portugueses e estrangeiros, que ora se mantêm, hora se substituem em cinco versões de uma mesma exposição.
Para Uma Estreita Lacuna, a curadoria de Nuno Faria traz em especial a relação entre palavra e imagem como tema central, o que remete fortemente ao vínculo que Vieira da Silva teve com a poesia ao longo de sua obra. Aborda-se também o texto e o têxtil, de modo que homenageia, delicadamente, a própria história do museu, antes Fábrica dos Tecidos de Seda.
Ao longo das cinco salas – uma das quais abriga exclusivamente as gravuras feitas por Vieira da Silva para ilustrar o livro L’Inclémence lointaine, de seu amigo René Char–, o espectador é confrontado por obras da artista e de Arpad Szenes intercaladas às de trinta e quatro outros artistas, nomes como Alberto Volpi, Amadeo de Souza-Cardoso, Helena Almeida e Wassily Kandinsky. Nesse conjunto, trabalhos como as aguarelas de 1925 de Sonia Delaunay se misturam a obras recentes, como o políptico de Jorge Feijão, de 2024. Essa associação permite-nos revisar os trabalhos mais antigos, lançando a eles uma interpretação contemporânea.
Dentre os objetos expostos, um deles se destaca por não ser apresentado como obra de arte: a veste bordada a seda, oferecida por Vieira da Silva a Lourdes de Castro. Ela, contudo, dialoga naturalmente com as outras peças presentes na sala, evocando em conjunto a tradição feminina da tecelagem e o senso de comunidade e de transmissão de histórias que acompanhavam a prática.
Além
da curadoria, o design da exposição é também muito respeitoso ao espaço, ao
aproveitar as particularidades do museu, como as vigas do teto e a iluminação
natural das salas, que se mesclam perfeitamente à estrutura montada para
receber as telas de Bruno Pacheco. Ademais, a disposição das obras cria também
uma linha narrativa acolhedora, ao muitas vezes escolher por aninhar as
molduras de diferentes artistas umas às outras, quase a fundir os trabalhos
entre si. O resultado é uma leitura das obras em conjunto, metamorfoseadas em
uma coisa só.
A escolha dos textos nas paredes intensifica esta sensação narrativa. À exceção da sala das gravuras de Vieira da Silva, na qual é necessário algo mais informativo para que se saiba o contexto do que está a ser exibido, o restante da exposição conta com citações que, de modo poético, induzem o pensamento do visitante, em vez de oferecer-lhe respostas prontas ou explicações acerca dos trabalhos.
Para além do que está exposto, o projeto conta ainda com publicações, performances e leituras públicas, entre outras atividades que compõem uma programação paralela, a qual permite um engajamento maior do público e permite novos momentos de reflexão acerca dos temas da mostra.
Uma Estreita Lacuna e o projeto no qual se situa parecem ser, sobretudo, uma carta de amor ao próprio museu e ao trabalho de Vieira da Silva e Arpad Szenes, ao preservar memórias através de novas reflexões.