domingo, 27 de abril de 2025

Jeff Wall Time Stands Still – Fotografias, 1980-2023

MAAT – Museu Arte, Arquitetura e Tecnologia, Lisboa 

Exposição de fotografia de 23/04/2025 – 01/09/2025  

 

Esta é a primeira exposição individual do artista em Portugal e a maior realizada nos últimos vinte anos. São 63 fotografias apresentadas, produzidas entre 1980 e 2023. A exposição ocupa todo o espaço do MAAT.

São, sobretudo, fotografias encenadas, com uma forte narrativa e apresentadas em grande formato, dentro de caixas de luz.

Apesar de o texto introdutório da exposição, logo no átrio, referir a forte relação do trabalho de Wall com a pintura, literatura, teatro e cinema, essa ligação não é explicada nas legendas das obras, o que deixa uma sensação de falta de mediação com o público. Embora seja intuitivo que os seus trabalhos são pensados e executados com grande planificação, ao contrário da fotografia de reportagem, essa informação adicional faria diferença na apreciação da exposição.


 
Entre os primeiros trabalhos expostos, destaca-se a impressionante fotografia After 'Invisible Man' by Ralph Ellison, the Prologue (1999–2000). A obra revela a ligação do artista à literatura, ao partir do romance Invisible Man (1952) de Ralph Ellison, especificamente do prólogo, onde o protagonista descreve viver escondido num porão em Nova Iorque, iluminado por 1.369 lâmpadas ligadas clandestinamente à rede elétrica da cidade. Jeff Wall cria uma fotografia que permite ao público experimentar visualmente o ambiente descrito no romance, mesmo sem o ter lido.
 
After 'Invisible Man' by Ralph Ellison, the Prologue 
1999–2000
Transparência em caixa de luz
 
Outro exemplo desta relação com a literatura é Informant: An occurrence not described in chapter 6, part 3 of Últimas tardes con Teresa by Juan Marsé (2023), onde Wall encena de forma meticulosa uma cena inspirada no romance Últimas tardes com Teresa de Juan Marsé. Ao contrário desta última fotografia, que é acompanhada de uma legenda que contextualiza a ligação literária, no caso de After 'Invisible Man', é necessário um conhecimento prévio, ou uma investigalão posterior sobre este trabalho para compreender essa relação com a este romance em particular.
 

 Informant: An occurrence not described in chapter 6, part 3 of Últimas tardes con Teresa by Juan Marsé
2023
Impressão a jacto de tinta

No piso inferior é projetado um documentário sobre a exposição, com duração de 46 minutos, onde o artista é entrevistado. Nesse vídeo, Wall explica o seu método de trabalho e introduz o conceito de "cinematografia" como potenciador da fotografia, aproximando suas imagens do conceito francês de tableau — uma fotografia encenada, complexa e que convida o espectador a ler a imagem como uma narrativa rica em significados. Ver a montagem da exposição intercalada com a entrevista também é extremamente revelador da logística necessária para lidar com obras de tamanha escala.

A diversidade de temas presentes, com fotografias que percorrem diferentes classes sociais, desde A Woman with a Necklace (2021), que mostra uma mulher elegante com um colar de pérolas num ambiente de classe alta, até Approach (2014), que retrata uma mulher em situação de sem-abrigo, reforça a sensação de que esta mostra é um retrato contemporâneo dos temas que marcam a sociedade ocidental.

 

 A woman with a necklace
2021
Impressão em gelatina e prata

 
 Approach
2014
Impressão em gelatina e prata

 

Ao ver Insomnia (1994) pela primeira vez, sentimos um forte desconforto: um homem está deitado no chão de uma cozinha desarrumada, debaixo de uma mesa, como se estivesse perdido ou sem forças. A imagem transmite uma ideia de insónia como algo mais profundo, não apenas a falta de sono, mas um estado de angústia e desorientação. Mesmo sem conhecer a história completa, sentimos que há algo perturbador, e somos levados a imaginar o que terá conduzido aquele homem àquela situação.

 

Insomnia
1994
Transparência em caixa de luz

 

Em Staircase and Two Rooms (2014), Jeff Wall cria uma atmosfera de tensão e mistério num ambiente de uma pensão modesta. O tríptico, em tons dominantes de roxo e azul, apresenta dois homens em posições desconexas: um escuta junto à porta como se esperasse passos, enquanto o outro, deitado na cama, parece relaxado e provocativo. A relação entre eles é ambígua — seriam inimigos, desconhecidos, ou haveria alguma tensão oculta? As diagonais que cortam a composição bloqueiam a visão completa da cena, reforçando a ideia de que estamos a ver apenas um fragmento de uma história maior e inacessível. Wall joga, mais uma vez, com a dúvida entre o encenado e o espontâneo, entre o literário e o visual.

 

 Staircase and two rooms
2014
Impressão LightJet


Entre a pintura e a fotografia situa-se Recovery (2017–2018). À primeira vista, sentimos desconforto: parece uma pintura viva, mas há algo que não se encaixa , uma figura humana que parece real e, ao mesmo tempo, fundida na superfície pintada. Não é claro se estamos diante de uma fotografia, uma pintura ou uma combinação das duas. A presença humana introduz mistério, como se estivesse presa entre dois mundos: o da arte e o da realidade. 

 

Recovery
2017 - 2018
Impressão a jato de tinta

 

Também encontramos algumas fotografias não encenadas, como The Jewish Cemetery (1980) e Daybreak on an Olive Farm, Negev Desert, Israel (2011), que revelam outro lado do trabalho de Wall. Nestes exemplos, o artista abandona a construção teatral para capturar cenas reais, cheias de silêncio e contemplação, mas ainda assim carregadas de história e ressonâncias contemporâneas.

 The Jewish Cemetery
1980
Transparência em caixa de luz
 
 
Daybrake
on an olive farm
Negev Desert
Israel
2011
Impressão LightJet
 
 

A exposição de Jeff Wall no MAAT não apresenta uma linha temática ou narrativa rígida. Como o próprio artista explica no documentário, cada fotografia é um acontecimento independente, e as possíveis ligações entre obras surgem apenas mais tarde, de forma intuitiva. Embora seja possível identificar afinidades e temas recorrentes, a ausência de uma linha curatorial explícita pode deixar alguns visitantes com a sensação de falta de orientação. Ainda assim, esta escolha sublinha o caráter singular, aberto e desafiador da prática artística de Wall.

 

Embora no final da exposição as dúvidas sejam mais numerosas do que no início, recomendo vivamente a visita. A folha de sala disponível à entrada enquadra teoricamente o trabalho do artista e revela que o suspense e as perguntas levantadas pelas obras são um objetivo assumido da curadoria. No entanto, enquanto espectadora não especializada em fotografia, saí com a sensação de falta de um enquadramento mais direto para os trabalhos individuais, o que levanta dúvidas sobre se essa escolha é vantajosa para a apreciação plena da exposição. Ainda assim, considero que a mostra de Jeff Wall é uma oportunidade única para entrar em contacto com um trabalho profundamente reflexivo sobre a nossa contemporaneidade. A complexidade das imagens, a tensão entre o real e o encenado e a liberdade interpretativa que a exposição proporciona tornam esta experiência desafiante, mas extremamente significativa para quem se interessa por arte contemporânea e pela forma como representamos a realidade hoje