MAAT – Museu Arte, Arquitetura e Tecnologia, Lisboa
Exposição de fotografia de 23/04/2025 – 01/09/2025
Esta é a primeira exposição individual do artista em Portugal e a maior realizada nos últimos vinte anos. São 63 fotografias apresentadas, produzidas entre 1980 e 2023. A exposição ocupa todo o espaço do MAAT.
São, sobretudo, fotografias encenadas, com uma forte narrativa e apresentadas em grande formato, dentro de caixas de luz.
Apesar de o texto introdutório da exposição, logo no átrio, referir a forte relação do trabalho de Wall com a pintura, literatura, teatro e cinema, essa ligação não é explicada nas legendas das obras, o que deixa uma sensação de falta de mediação com o público. Embora seja intuitivo que os seus trabalhos são pensados e executados com grande planificação, ao contrário da fotografia de reportagem, essa informação adicional faria diferença na apreciação da exposição.

No piso inferior é projetado um documentário sobre a exposição, com duração de 46 minutos, onde o artista é entrevistado. Nesse vídeo, Wall explica o seu método de trabalho e introduz o conceito de "cinematografia" como potenciador da fotografia, aproximando suas imagens do conceito francês de tableau — uma fotografia encenada, complexa e que convida o espectador a ler a imagem como uma narrativa rica em significados. Ver a montagem da exposição intercalada com a entrevista também é extremamente revelador da logística necessária para lidar com obras de tamanha escala.
A diversidade de temas presentes, com fotografias que percorrem diferentes classes sociais, desde A Woman with a Necklace (2021), que mostra uma mulher elegante com um colar de pérolas num ambiente de classe alta, até Approach (2014), que retrata uma mulher em situação de sem-abrigo, reforça a sensação de que esta mostra é um retrato contemporâneo dos temas que marcam a sociedade ocidental.
Ao ver Insomnia (1994) pela primeira vez, sentimos um forte desconforto: um homem está deitado no chão de uma cozinha desarrumada, debaixo de uma mesa, como se estivesse perdido ou sem forças. A imagem transmite uma ideia de insónia como algo mais profundo, não apenas a falta de sono, mas um estado de angústia e desorientação. Mesmo sem conhecer a história completa, sentimos que há algo perturbador, e somos levados a imaginar o que terá conduzido aquele homem àquela situação.
Em Staircase and Two Rooms (2014), Jeff Wall cria uma atmosfera de tensão e mistério num ambiente de uma pensão modesta. O tríptico, em tons dominantes de roxo e azul, apresenta dois homens em posições desconexas: um escuta junto à porta como se esperasse passos, enquanto o outro, deitado na cama, parece relaxado e provocativo. A relação entre eles é ambígua — seriam inimigos, desconhecidos, ou haveria alguma tensão oculta? As diagonais que cortam a composição bloqueiam a visão completa da cena, reforçando a ideia de que estamos a ver apenas um fragmento de uma história maior e inacessível. Wall joga, mais uma vez, com a dúvida entre o encenado e o espontâneo, entre o literário e o visual.
Entre a pintura e a fotografia situa-se Recovery (2017–2018). À primeira vista, sentimos desconforto: parece uma pintura viva, mas há algo que não se encaixa , uma figura humana que parece real e, ao mesmo tempo, fundida na superfície pintada. Não é claro se estamos diante de uma fotografia, uma pintura ou uma combinação das duas. A presença humana introduz mistério, como se estivesse presa entre dois mundos: o da arte e o da realidade.
Também encontramos algumas fotografias não encenadas, como The Jewish Cemetery (1980) e Daybreak on an Olive Farm, Negev Desert, Israel (2011), que revelam outro lado do trabalho de Wall. Nestes exemplos, o artista abandona a construção teatral para capturar cenas reais, cheias de silêncio e contemplação, mas ainda assim carregadas de história e ressonâncias contemporâneas.
A exposição de Jeff Wall no MAAT não apresenta uma linha temática ou narrativa rígida. Como o próprio artista explica no documentário, cada fotografia é um acontecimento independente, e as possíveis ligações entre obras surgem apenas mais tarde, de forma intuitiva. Embora seja possível identificar afinidades e temas recorrentes, a ausência de uma linha curatorial explícita pode deixar alguns visitantes com a sensação de falta de orientação. Ainda assim, esta escolha sublinha o caráter singular, aberto e desafiador da prática artística de Wall.
Embora no final da exposição as dúvidas sejam mais numerosas do que no início, recomendo vivamente a visita. A folha de sala disponível à entrada enquadra teoricamente o trabalho do artista e revela que o suspense e as perguntas levantadas pelas obras são um objetivo assumido da curadoria. No entanto, enquanto espectadora não especializada em fotografia, saí com a sensação de falta de um enquadramento mais direto para os trabalhos individuais, o que levanta dúvidas sobre se essa escolha é vantajosa para a apreciação plena da exposição. Ainda assim, considero que a mostra de Jeff Wall é uma oportunidade única para entrar em contacto com um trabalho profundamente reflexivo sobre a nossa contemporaneidade. A complexidade das imagens, a tensão entre o real e o encenado e a liberdade interpretativa que a exposição proporciona tornam esta experiência desafiante, mas extremamente significativa para quem se interessa por arte contemporânea e pela forma como representamos a realidade hoje