segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Rodolphe Töpffer, ou rabiscos com significados


Rodolphe Topffer é o professor de literatura e caricaturista nascido em Geneva, na Suíça, mesmo no final do século XVIII que desempenhou um papel fundamental na invenção daquilo a que hoje chamamos a Banda Desenhada. Foram as suas inovações no século XIX que definiram muitas das estratégias narrativas que ainda usamos na criação de histórias que recorrem às imagens como principal vocabulário.

Tal como o seu pai, o Rodolph Topffer também começou por ter a ambição de se tornar um pintor paisagista, mas uma fraca acuidade visual afastou-o da pintura e encaminhou-o para uma carreira como romancista. Nessa mesma ocasião começou a fazer experiências com estórias contadas em imagens. Mas estas experiências fazia-as em privado, ou revelando-as apenas para entreter alguns dos seus alunos.

Foi o genial Johann Wolfgang Goethe (provavelmente o maior génio que a literatura alemã ofereceu ao mundo), que mantinha amigos em comum com Topffer, que o convenceu a publicar estas experiências. Goethe muito admirou as possibilidades narrativas das invenções de Topffer. Numa carta a um dos seus amigos comuns datada de Janeiro de 1831, Goethe escreve que Topffer “brilha de talento e espírito. Algumas das suas páginas são insuperáveis… Topffer está sózinho e é o único talento de que me lembro com esta originalidade”. Mas acrescenta ainda “se ele ao menos escolhesse um assunto menos frívolo no futuro e organizasse as suas ideias, ele criaria coisas que ultrapassam todas as nossas expectativas”.

Apesar de todas as declarações de originalidade que Goethe lhe atribui, talvez valha a pena apontar a influência que o romance pioneiro de Lawrence Sterne, The Life and Opinions of Tristram Shandy, exerceu sobre as ideias de Rodolph Topffer. A mistura do satírico e do absurdo, assim como a experimentação com a passagem do tempo na narrativa de Sterne parecem ter estado na génese de algumas das inovações de Rodolph Topffer.

E talvez seja justamente o modo inovador como Topffer traz o tempo e o movimento para os seus desenhos que o separa de toda a anterior tradição da caricatura e do cartune (se é que este termo possa já aqui ser usado).


Mas o objectivo deste texto não é traçar uma biografia e análise completas da obra de Topffer. É antes dar sequência aos textos que tenho vindo a escrever para este blogue e que focam a divisão entre os nossos rabiscos (os traços semi-conscientes que vamos deixando, sem fazer caso disso, nas margens dos nossos cadernos ou nos espaços vazios dos toalhetes de papel de um restaurante) e os objectos de arte pelos quais aceitamos responsabilidade. E o Rodolph Topffer deixa-nos muitas pistas para continuarmos o namoro com este tema (pelo menos, assim eu acho). É que Rodolph Topffer foi também o primeiro teórico da Banda Desenhada e publicou dois livros que tentavam explicar e ensinar as suas descobertas na caricatura e na arte narrativa. Em 1842, o
Essai d’Autographie, e em 1845 o Essai de Physiognomie. É neste segundo volume que Topffer vai explorar a semiologia da caricatura e debruçar-se sobre o modo como a produção mais ou menos acidental de linhas e a combinação surpreendente de traços fisionómicos (elementos de rostos e corpos) produzem o seu próprio sentido e criam valor simbólico e narrativo reconhecíveis pelo leitor.


O livro arruma nas suas páginas dezenas ou centenas de cabeças e rostos, todos eles plenos de significado e valor simbólico, embora produzidos de forma mais ou menos acidental e com muito pouco acabamento nos seus traços e detalhes. Por mais longe que estas figuras (ou linhas) estejam das intenções iniciais do seu criador (ou por mais imperfeitas que as consideremos), elas transportam uma personalidade e carácter próprios impossíveis de se separarem da imagem. Criaram significado e vida própria.


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