domingo, 9 de novembro de 2025

Planeta Tangerina

Recordo-me com nitidez dos tempos de escola primária, quando aprendíamos o abecedário e líamos pequenos livros, muitas vezes apresentados pelos próprios autores que, em visitas às escolas, procuravam partilhar as suas histórias. Enquanto criança, estes pequenos encontros pareciam apenas momentos de aprendizagem, como uma aula casual, não imaginando a importância que essas figuras tinham no panorama literário português. Hoje, com um olhar já amadurecido, percebi o valor e influência que carregavam. Esta reflexão surgiu quando me debrucei sobre o universo da ilustração já na faculdade, onde tive a oportunidade de relembrar e estudar a editora que constantemente se promovia na minha escola: O Planeta Tangerina, reconhecida como uma das mais inovadoras e premiadas editorar da Europa na área dos livros infantis.






Fundada em 2004, por Isabel Minhós Martins, Bernardo Carvalho, Inês Meireles e Francisco Fernandes, o Planeta Tangerina transformou significativamente o desenvolvimento dos livros infantis em Portugal. Desde os seus primórdios, o projeto estabeleceu-se pela sua liberdade criativa, recusando modelos convencionais de edição, onde o texto e a imagem ocupavam papeis rígidos, hierarquizados e previsíveis. Cada publicação é pensada para um formato de álbum narrativo, onde o texto e a ilustração coexistem num diálogo constante, convidado o leitor a “ler” além das palavras, mas também as imagens, os espaços em branco, as pausas e os silêncios que preenchem cada página. As publicações evidenciam uma clara atenção minuciosa ao detalhe sobre o público, tema, formato, materiais, textura do papel e tipografia, conferindo a cada livro uma identidade única, ou seja, a atenção dada à história equivale precisamente à atenção atribuída ao restante, transformando assim o editorial num suporte de criação artística autónoma.




Ao contrário do que muitas vezes se espera do género, os livros da Planeta Tangerina não se refugiam em contos de fadas ou universos idealizados. Falam de temas reais, por vezes complexos como o medo, o tempo, a morte, a passagem das estações, a perceção da realidade, sempre com delicadeza e humor. Este posicionamento revela uma clara consciência ética e social: o livro, mais do que um produto de entretenimento, é um espaço de encontro, de descoberta e de pensamento. Ultrapassa as fronteiras da leitura infantil, influenciando também professores, pais e designers que veem no seu catálogo uma forma de repensar o papel do livro no desenvolvimento humano.

“Somos uma editora independente de livros infantis e juvenis (e não só), 
incluindo obras de ficção, informativas e novelas gráficas do Plano Nacional de Leitura.”

Ao longo das últimas décadas, a editora conquistou reconhecimento nacional e internacional, participando em diversas feiras e festivais, destacando-se com prémios de prestígio, entre os quais o Bologna Ragazzi Award, considerando por muitos o mais prestigiado prémio na área dos livros infantis. Hoje, os livros encontram-se traduzidos em mais de vinte idiomas e publicados em países como França, Coreia do Sul ou estados Unidos, demonstrando a universalidade de sua linguagem visual e narrativa.


Assim, falar da Planeta Tangerina é também falar de uma ética do design e da edição: uma prática que respeita a inteligência e sensibilidade do leitor, que entende o livro como experiência sensorial e cognitiva, e que reconhece na colaboração entre autores, ilustradores e designers uma via para renovar a linguagem visual e literária contemporânea. A editora, nascida de um grupo de amigos com um ideal comum, tornou-se um símbolo de como o design pode ser também uma forma de pensamento, uma ferramenta de resistência cultural e uma expressão de liberdade criativa.

 


Primeiro livro da minha pequena coleção:
O rapaz que gostava de aves  (e de muitas outras coisas)- de Isabel Minhós Martins Bernardo P. Carvalho


Um livro é um lugar. Com dentro e fora,

esquerda e direita, perto e longe, princípio e fim.

 Entramos por um portão: a capa.

Atravessamos montes e vales: as páginas.

Espreitamos o lado de lá: a página seguinte.

Avançamos até à saída: a contracapa.

Nesta nova coleção, fazemos do “objeto livro” um lugar verdadeiro,

onde os leitores participam na construção de cada aventura, jogando,

brincando, produzindo sons e movimentos.

Livros em papel interativos e digitais?

Nem mais.