No dia 31 de outubro de 2025, um grupo de arquitetos vinculados à Universidade de Columbia, em Nova Iorque, percorreu a zona de Belém em uma procissão pública performática como parte do projeto “TA-CHIM: Weighing a City's Colonial Legacies”, integrante da 7ª Trienal de Arquitectura de Lisboa.
Com o objetivo de documentar os vestígios da colonização de Macau na cidade, a performance teve início no Padrão dos Descobrimentos, com a identificação, no centro do mosaico da Rosa dos Ventos, das rotas, datas e sítios da expansão imperial portuguesa. Em seguida, a procissão dirigiu-se ao Jardim da Praça do Império, onde estão representados brasões de províncias e antigas colônias ultramarinas. No Jardim Botânico Tropical, destacou-se o Arco de Macau, construído para a Seção Colonial da Exposição do Mundo Português de 1940, evento em que foram erguidas réplicas de edificações típicas de cada colônia portuguesa e “nativos” dessas regiões foram trazidos a Lisboa para serem exibidos ao público durante os meses da exposição. A etapa seguinte ocorreu na praça situada em frente ao Museu e ao Planetário da Marinha: símbolos da ciência colonial que possibilitou o aprimoramento das navegações e, concomitantemente, a expansão do projeto imperial português. A performance foi encerrada no MAC/CCB, onde há uma exposição do projeto “TA-CHIM”, com a recriação de uma tradicional placa festiva cantonesa que narra os legados marítimos entre Lisboa e Macau.
Além de documentar esses sítios e propor uma visão crítica sobre sua presença na cidade, explorando o peso figurado do passado colonial, o grupo também propôs a criação de novas epistemologias espaciais, tanto ao mobilizar uma cartografia de vestígios coloniais em Belém, quanto ao realizar medições com sensores biométricos.
A inquietação expressa por este projeto reflete um movimento global de questionamento e rejeição de narrativas ultrapassadas contadas por monumentos públicos. Em junho de 2020, em Bristol, manifestantes antirracistas derrubaram a estátua de Edward Colston, traficante de escravos britânico, e a lançaram em um rio, em apoio ao movimento Black Lives Matter, que sucedeu o assassinato brutal de George Floyd em maio do mesmo ano. Em julho de 2021, em São Paulo, manifestantes pelo direito a melhores condições de vida para moradores das periferias urbanas incendiaram a estátua de Manoel de Borba Gato, que homenageava os bandeirantes paulistas, grupo responsável por ações de escravização, extermínio de populações indígenas e destruição de quilombos entre os séculos XVI ao XVIII.
Tanto esses quanto outros protestos de mesma natureza tiveram ampla repercussão na época, incitando debates intensos e polarizados entre a defesa da preservação do patrimônio material e o imperativo de desarticular discursos ofensivos e protestar contra o preconceito por meio da supressão de imagens racistas e colonialistas. Apesar das divergências, tornou-se indiscutível a necessidade de repensar e refletir sobre a memória coletiva fabricada por monumentos públicos.
Afinal, a cultura visual parte do pressuposto de que há uma camada de significados e interpretações socialmente construídas e aceitas atribuídos aos elementos visuais. Nesse sentido, a exposição de imagens racistas e colonialistas nas cidades, sem que haja um processo coletivo de ressignificação, implica a perpetuação dessas narrativas, sobretudo quando, para além da manutenção dos monumentos, ações e discursos violentos e extremistas de cunho racista e xenofóbico ganham espaço nas redes sociais, na política e nas ruas. Assim, resta o questionamento: como é possível descolonizar espaços que carregam símbolos que reverenciam fatos e personalidades hediondas? Como ressignificar cidades colonialistas?