Umas aulas atrás falámos sobre uma estória bastante conhecida: a estória de Adão e Eva. Isso fez-me pensar no livro que a contém, a Bíblia.
Não querendo entrar em religiosidades, comecei a refletir como as pessoas podem ver este livro, sendo apenas um conjunto de mitos e crenças antigas, ou se há nela factos com fundamento histórico.
Esta curiosidade levou-me a questionar: o que a arqueologia e os documentos realmente dizem sobre a sua veracidade? Sendo sincera, creio que devemos questionar tudo o que nos rodeia, por isso fiz algumas pesquisas.
Ao longo dos anos, várias descobertas arqueológicas têm lançado luz sobre partes da narrativa bíblica. Vou apresentar algumas.
Em Tel Dan, no norte de Israel, foi encontrada uma estela de basalto com a inscrição “Casa de David”, que muitos arqueólogos consideram a primeira referência extrabíblica ao rei David.
Em Cesareia Marítima, a chamada “Pedra de Pilatos” (descoberta em 1961) trouxe à luz o nome “Pôncio Pilatos, Governador da Judeia”. É uma prova física de que esta figura, mencionada no Novo Testamento, existiu realmente.
Já as alegadas “rodas de carros egípcios” encontradas no fundo do Golfo de Ácaba, que alguns ligam à passagem do Mar Vermelho descrita no Êxodo, continuam envoltas em polémica, sem consenso científico sobre a sua autenticidade.
Estas descobertas não “provam” a Bíblia no sentido religioso, mas levantam uma questão importante: há traços materiais que apontam para realidades históricas por detrás dos textos. Parte da narrativa parece ganhar corpo no mundo físico, e isso convida à reflexão.
Mas há outro ponto fascinante: o número de documentos e testemunhos que sustentam a existência de certas figuras históricas.
Por exemplo, Júlio César. A sua obra mais famosa, Comentário sobre a Guerra das Gálias, sobrevive em cerca de dez manuscritos significativos, sendo o mais antigo copiado quase mil anos depois dos acontecimentos. Apesar disso, ninguém duvida de que César existiu.
Aristóteles, por sua vez, escreveu centenas de tratados, dos quais apenas cerca de 30 sobreviveram, e os manuscritos mais antigos são de mais de 1.400 anos após a sua morte.
William Shakespeare, que viveu há pouco mais de quatro séculos, também nos chega com lacunas intrigantes: não temos manuscritos originais das suas peças, apenas cópias e compilações publicadas anos depois da sua morte. Contudo, ninguém duvida que Shakespeare existiu ou que foi autor das suas obras.
Agora vejamos Jesus de Nazaré. Para além dos Evangelhos, há fontes não cristãs que o mencionam, como o historiador romano Tácito, o judeu Flávio Josefo e o sírio Mara Bar-Serapião. E quando se trata de manuscritos, existem mais de 5.800 manuscritos gregos do Novo Testamento, 10.000 em latim e cerca de 9.000 em outras línguas antigas. O mais antigo fragmento conhecido, o Papiro Rylands P52, data de cerca de 125 d.C., menos de um século após os eventos relatados.
Se aceitamos com naturalidade que Júlio César, Aristóteles ou Shakespeare existiram, com muito menos testemunhos e intervalos temporais bem maiores, por que é que tantos se mostram relutantes em admitir a existência histórica de Jesus?
Não é preciso ser religioso para reconhecer que, historicamente, Jesus é uma das figuras mais bem documentadas da Antiguidade. O problema é que Ele não se limitou a ser “mais um homem”, afirmou ser algo maior. E isso, talvez, explique o desconforto. Se Ele foi apenas um sábio ou líder moral, não há conflito. Mas se Ele foi quem disse ser, então a questão deixa de ser apenas histórica.
E aqui está o ponto central deste texto: a diferença entre acreditar na história e enfrentar o seu significado. É fácil aceitar César, Aristóteles ou Shakespeare porque as suas existências não desafiam o nosso modo de vida. Mas admitir que Jesus existiu — e considerar a hipótese de que Ele fosse quem afirmou ser, é um convite ao questionamento pessoal.
A questão, portanto, não é “a Bíblia é verdadeira ou não?”, mas: porque aplicamos critérios diferentes quando a história toca o transcendental?
Webgrafia:
https://www.biblicalarchaeology.org/daily/biblical-artifacts/the-tel-dan-inscription-the-first-historical-evidence-of-the-king-david-bible-story/
https://en.wikipedia.org/wiki/Pilate_stone
https://www.arkdiscovery.com/red_sea_crossing.htm
https://www.thegospelcoalition.org/article/sources-for-caesar-and-jesus-compared/
https://iep.utm.edu/aristotle/
https://www.shakespeare.org.uk/explore-shakespeare/collections/
https://bible.org/article/ancient-evidence-jesus-non-christian-sources