Bruno Munari - Cartas de Harvard (1 a 4)
Em 1967, durante quatro meses, Bruno Munari deu lições sobre Comunicação Visual, no Carpenter Center for the Visual Arts de Cambridge, no Massachusetts, a convite da Harvard University.
Com o curso, experimentou um novo método de ensino, em que em vez de se reger pelos conceitos de “belo” e “feio”, optou pelos de “correto” e “errado”, em que se substitui a beleza pela coerência formal. Este método tornou-se mais viável uma vez que tinha alunos de variadas nacionalidades.
As cartas de Harvard são a correspondência trocada entre Bruno Munari e o Jornal de Milão II Giorno durante o curso. Ao longo das publicações irei analisar/interpretar as cartas trocadas entre ambos.
Carta 1 - NOVOS PROBLEMAS NOVOS INSTRUMENTOS
A primeira carta começa com uma pequena ironia, em que afirma que os professores que ensinam arte sabem tudo sobre a mesma, e que sempre souberam, daí continuarem a ensinar a arte do passado, sem perder tempo, agarrando-se assim a uma “tradição cómoda”.
Apesar do que são forçados a aprender, os alunos apercebem-se que a realidade com que se vêem confrontados fora da escola é um mundo completamente diferente . Segundo Munari, estes tornam-se autodidatas para aprender sobre novos meios de comunicação visual, nomeadamente a arte cinética. A arte cinética é uma corrente das artes plásticas que explora efeitos visuais por meio de movimentos físicos, ilusão de óptica ou truques de posicionamento de peças.
Com isto, de que serve uma escola que tem uma educação baseada no passado, ignorando o facto de que num futuro próximo os alunos terão que operar? O passado deveria servir meramente como informação cultural.
Após analisar os relatórios relativamente ao que cada aluno pretendia com o curso, Munari conclui que todos procuram algo relacionado com o futuro trabalho, não com o passado, que é aquilo que é ensinado tradicionalmente. Este coloca também destaque na Universidade de Harvard, uma vez que é conhecida por a técnica ser considerada mais importante que a arte.
Gostaria de salientar uma citação desta carta :
“(...) os jovens (...). Não pensam frequentar uma escola de arte para melhor poderem praticar o seu hobby da pintura ou da escultura. Aquelas que antes eram os únicos meios de comunicação visual surgem hoje, (...)como inadequados, estáticos, lentos. Depois da invenção do compasso, já ninguém faz circunferências à mão, a não ser por aposta ou para demonstrar capacidade.”
Através desta carta é possível compreender que o autor pretende criar uma distância entre o ensino tradicional e aquele que pratica, pensando mais no futuro e utilizando o passado meramente como cultura e elemento de consulta.
Carta 2 - ADAPTAR O PROGRAMA AOS INDIVÍDUOS E NÃO VICE-VERSA
Segundo Bruno, existem dois modos de preparação de um programa: um modo estático e um modo dinâmico. O modo estático consiste em forçar o aprendiz a adaptar-se a um esquema fixo, enquanto que, no modo dinâmico, o programa é formado gradualmente, estando constantemente em processo de evolução.
Com isto, ensino estático proporciona um desinteresse maior, um “sentimento de mau-estar” e “rebelião”, chegando mesmo ao ponto de, por vezes, levar ao abandono escolar. Por outro lado, o programa dinâmico implica a utilização de uma estrutura base mais abrangente, sendo possível a sua alteração e adaptação com maior facilidade. Os elementos principais desse programa são os objetivos principais do curso, no entanto, este método implica uma maior “elasticidade e rapidez” por parte do professor, visto que é necessário preparar as lições em função das necessidades e problemas dos alunos.
A comunicação visual, tema dos cursos lecionado por Munari, é muito vasto, só que segundo o próprio existe algo em comum a todos os tópicos do tema, a objetividade. Começou a primeira lição por criar como tarefa uma colagem livre, com elementos retirados de revistas. Finda a aula, constatou que havia muito em comum entre os estudantes, tornando-os assim um grupo heterogéneo. Apesar de diferentes categorias e de diferentes tipos, todos tinham problemas, quer sociais, quer raciais, entre outros.
Após analisar os trabalhos percebeu que estes apresentavam formas de várias naturezas e composições. Com isto, utilizou a lição seguinte para que cada um apresentasse e explicasse o trabalho que desenvolveu, a sua imagem. Munari chega mesmo a afirmar que ao mostrarem o seu trabalho, os alunos estão a mostrar uma das muitas imagens que têm no seu “armazém de imagens”, que foi sendo formado ao longo da vida, e que estão ligadas a emoções.
Depois da apresentação das suas imagens, passa a ser possível encontrar mais pontos em comum entre os alunos, sendo esse o novo foco para criar as restantes lições. Esse detalhe é importante para tomar decisões no que toca à escolha de cores, formas e outros elementos a utilizar na comunicação com os estudantes.
A frase que saliento da carta número dois é: “...não existe aqui o artista que diz: eu concebo assim e os outros que se arranjem”.
Com esta carta é possível compreender que é necessário conhecer um pouco dos alunos e levá-los a mostrar parte da sua personalidade para que as aulas possam ser adaptadas às necessidades de cada grupo. O programa terá que estar em constante adaptação e corre o risco de ter que ser ajustado ou alterado a qualquer momento.
Carta 3 - CADA UM VÊ AQUILO QUE SABE
A carta número três começa com uma comparação entre um bom impressor e um leitor que nada sabe sobre imprensa. Enquanto que o especialista analisa e observa todos os detalhes de um livro novo, um leitor vulgar lê o título, vê o preço, compra o livro e depois lê. No entanto, se forem colocadas questões técnicas ao leitor vulgar, este não saberá responder. De acordo com Munari, para o leitor “no seu mundo privado de imagens não existem pontos de contacto com estas coisas que não conhece”.
Quanto maior o número de imagens que conhecemos, maior é o contacto com a realidade. Bruno utiliza como exemplo as texturas, considerando mais interessante uma folha que apresenta rugosidades, do que uma que seja lisa. “Cada coisa que o olho vê tem uma estrutura de superfície própria e cada tipo de sinal, de granulosidade, de filamento, tem um significado bem claro”. Para o ser humano, uma textura que não corresponda ao objeto base, é algo considerado estranho. Muitas vezes na indústria têxtil são criadas texturas diferentes, como é o caso das peles sintéticas, mas a essas já estamos habituados. Estranho seria ver, como o exemplo presente na carta, um copo com uma superfície de pele de crocodilo.
Para abordar o tema das texturas, Munari sugeriu um exercício aos seus alunos que consistia em transformar uma folha de papel normal branca e inexpressiva, modificando só a superfície. Nas suas cartas, faz uma comparação entre a frustração que os alunos sentem por não serem capazes de responder imediatamente ao exercício das texturas (contrariamente ao das colagens) e o processo de treino que é preciso para ser bom em qualquer área.
No entanto, com o passar do tempo os alunos acabam por arranjar soluções muito diversificadas e por corresponder aos objetivos da aula.
Com a carta número três é possível perceber que à medida que as aulas vão avançando, o grau de dificuldade dos exercícios aumenta, exigindo assim mais por parte dos alunos. É também notório que a maioria dos alunos preferia ter sucesso sem esforço, mas é fundamental e inevitável para o processo. Outro dos tópicos importantes desta carta é a diferença entre um especialista em determinada área e alguém que não tem conhecimento nenhum na mesma.
Carta 4 - TEXTURA
Através de uma textura uniformemente criada, é possível fazer variações que levam à criação de formas. Por exemplo, numa textura composta por pontos, uma alteração de densidades cria um novo efeito visual, que utilizado harmoniosamente pode formar uma figura reconhecível. Bruno refere também figuras que são visíveis a uma determinada distância, pois quando vistas de perto não apresentam qualquer imagem, apenas manchas informais numa superfície.
Na segunda parte da carta, Munari refere a questão de existir uma evolução no ensino, levando a que pessoas mais antigas em empresas estejam mais desatualizadas. Este chega mesmo a referir em relação aos patrões que “são pessoas importantes, não se lhes pode ensinar nada”.
Esta carta toca em dois pontos muito distintos, a questão da criação de imagens e formas através de texturas e a questão da evolução do ensino e de ser necessário inovar para se ser uma empresa atualizada. Considero que este segundo tópico está diretamente relacionado com a mentalidade presente no ensino referido na segunda carta, em que se cria um programa estático, na qual não são feitas adaptações consoante as necessidades.
Assim concluo a análise das primeiras quatro cartas de Bruno Munari. Em todas tentei explicar o que abordavam, salientar os aspetos mais importantes e fazer um pequeno comentário sobre as mesmas, chegando mesmo a citar para se perceber a intensidade das palavras de Munari.
Nicole Alves
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