quinta-feira, 29 de outubro de 2020

VER NÃO É FALAR

 Para o estruturalismo, a linguística desenvolvida por Saussure, com o seu conceito de signo linguístico, tornou-se o modelo de análise aplicada a muitos campos das ciências humanas, da antroplogia à psicanálise, da crítica literária à análise das imagens. Entendia-se assim que as imagens pictóricas e fotográficas eram estruturadas como a linguagem verbal e por conseguinte passíveis de apresentar processos retóricos, de engendrar metáforas e metonímias, como acontece no trabalho do sonho, tal como ele foi descrito e analisado por Freud. Daí que muita da pintura surrealista tenha procurado uma analogia com os sonhos, seguindo uma lógica que consiste em tentar traduzir ou codificar em imagens um determinado conteúdo discursivo, isto é, verbal. Alguma pintura surrealista, com muito sucesso público porque corresponde a certos lugares-comuns quanto ao modo de olhar para um quadro, usou e abusou destas elaborações pictóricas que satisfaziam plenamente  exigências de “descodificação” de tipo linguístico: as imagens funcionavam como signos, como uma linguagem que o espectador devia ler e decifrar, de maneira a apreender o seu “conteúdo” ou significação. 

 Para este método de análise da pintura (e das imagens em geral) baseado no modelo linguístico do signo, desenvolvido pela metodologia estruturalista, é como se as imagens fossem redutíveis às palavras e ver fosse como falar (o que implicava reversibilidade: falar era como ver). Os limites e insuficiências deste modelo analítico foram evidenciados por autores que mostraram que o visível não é legível, isto é, o ver não se submete às regras do discurso. O filósofo Jean-François Lyotard, num livro intitulado Discours, Figure (1972), mostra que a lógica das imagens não é do mesmo tipo que a lógica das palavras, o que o leva a formular esta afirmação: ver não é falar. Ao que é próprio da imagem, chama Lyotard “figural”. E, segundo ele, o figural escapa à ordem lógica do discurso, da palavra, tal como a elaboração do sonho não é, pura e simplesmente redutível à linearidade narrativa e à sucessão temporal que lhe é própria. 


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