terça-feira, 17 de maio de 2022

Menez

Uma exposição antológica na Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, revisita quatro décadas da obra de Menez.

Sendo residente em Cascais visito com alguma frequência a Casa das Histórias Paula Rego. Atualmente está patente neste espaço, entre 10 de março e 2 de outubro de 2022, a exposição temporária “Menez”, com curadoria de Catarina Alfaro. 

Menez (1926-1995) foi bolseira da Fundação Gulbenkian em Londres, por duas vezes durante os anos 60, onde conheceu Paula Rego e ficaram amigas. Esta exposição pretende celebrar a relação de amizade entre as duas artistas, que perdurou por várias décadas.

Menez, Maria Inês Ribeiro da Fonseca, nasceu em Lisboa, em 1926. Neta, por parte materna, do Marechal Óscar Carmona, tinha dois anos quando saiu de Portugal, passou a infância e adolescência em vários países/cidades (Buenos Aires, Estocolmo, Paris, Roma, entre outras) seguindo as escalas do segundo marido da mãe, diplomata. Só regressou a Portugal depois dos vinte anos, casou e teve três filhos. Apesar de ter começado a pintar aos treze anos, sem qualquer treino académico, só faz da pintura uma ocupação regular vinte e seis anos. Tardiamente, aos sessenta anos, é que se tornou conhecida do grande público, em 1990, quando apresentou em simultâneo cinco exposições individuais, sendo a principal uma retrospetiva na Fundação Gulbenkian, em Lisboa. No mesmo ano a artista é distinguida com o Prémio Pessoa.

A exposição “Menez” composta por 29 obras da artista, criadas entre os anos 60 e 90, que provêm de coleções institucionais e particulares, está organizada cronologicamente, da esquerda para a direita, iniciando nos anos 60, com obras de Menez de um expressionismo abstrato e terminando nos anos 90, com obras da artista de caráter figurativo. Trata-se de uma retrospetiva da obra de Menez, permitindo uma compreensão abrangente das suas diferentes fases e práticas, pintura, desenho, gravura, azulejo e tapeçaria. Por ser a minha expressão artística de eleição, irei abordar aqui a pintura e, nela, a temática do atelier, que me seduz pela forma original como a artista representa a arte, sobretudo, a pintura da pintura no feminino.


Na parede central da sala Zero podemos observar pinturas de Menez, criadas nos anos 80, numa clara transição do abstrato para o figurativo. Após a morte prematura dos filhos, a pintura da artista abre-se para um caminho de figuração, que revela sentimentos e imagens profundas. Através da pintura do seu espaço de atelier, com os seus habituais elementos como tintas, pincéis, recipientes, tela branca, a artista revela uma certa intimidade.


Na parede lateral direita da sala Zero estão expostas pinturas da fase final da vida da artista, anos 80 e 90. Estes quadros parecem ser auto retratos, é a pintora, a artista. Em algumas destas obras a própria pintora parece representar-se como modelo, mas as protagonistas destes quadros fazem parte de uma composição cenográfica e, por isso, são irreais. Este modo de se auto retratar, sem estar representada, permite uma teatralidade dos cenários pintados.

Os ateliers da fase final da vida da artista são cenas de interior que comunicam com o exterior, uma janela para o rio, uma porta para o jardim, mas onde nunca há uma proximidade entre estes dois espaços. Entre o interior e o exterior existem salas fragmentadas e espaços sobrepostos. Estas pinturas poderão ser extensões do seu modo de "habitar" o espaço dentro e fora da pintura.

Menez não dava título aos seus quadros, acreditava que a pintura tem de falar por si sem recorrer à palavra. Aceitar a absoluta imobilidade das suas figuras femininas, a descontinuidade do tempo e do espaço, a fragmentação, os silêncios das suas pinturas, é talvez a melhor forma de nos relacionarmos com a artista.


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