quinta-feira, 19 de maio de 2022

O Milagre do Riso. Santo António por Bordalo.


O Museu de Lisboa – Santo António e o Museu Bordalo Pinheiro juntaram-se para revelar aquele que será o santo mais venerado de sempre aos olhos e traço de uma das figuras mais marcantes da cultura portuguesa da segunda metade do século XIX. “O Milagre do Riso” é uma exposição temporária que poderá ser visitada no Largo de Santo António da Sé, até ao dia 22 de maio, passando depois para o Campo Grande, onde permanecerá durante as Festas de Lisboa.

Um santo do mundo, milagreiro, militar, de devoção e tradição, aparece, assim, na obra de um dos artistas mais relevantes da cultura portuguesa. Afinal, quem foram e de que forma podemos relacionar estas personalidades?

Créditos: Museu de Lisboa

Santo António de Lisboa – ou Fernando Martins de Bulhões – nasceu a 15 de agosto de 1191, em Lisboa. Também conhecido como Santo António de Pádua (já que os seus restos mortais se encontram nesta cidade italiana, onde viria a falecer a 13 de junho de 1232), é um santo de grande devoção popular e a sua personalidade única marca a identidade da cidade de Lisboa. E não só. Para além das tradições associadas à cultura portuguesa, a devoção a este Doutor da Igreja é universal, sobretudo no mundo lusófono.


Cartaz Antonino, Rafael Bordalo Pinheiro, O António Maria. 

Litografia sobre papel · 15.06.1895 MRBP/RES 2.11 


Por outro lado, Rafael Bordalo Pinheiro é um dos grandes nomes da vida portuguesa do seu tempo. Nascido em Lisboa, a 21 de março de 1846, na Rua da Fé, em Lisboa, continua a ser uma referência até aos dias de hoje. Ceramista, desenhador, jornalista, Rafael tinha uma habilidade criativa e artística com múltiplas frentes: artes plásticas, artes gráficas, cerâmica, desenho de objetos e decoração. Desenvolveu o desenho humorístico e o cartoon como expressão artística. Consciente da força da imprensa, funda diversos periódicos, utilizando a caricatura como veículo para a defesa dos seus ideais. Com um espírito empreendedor e multifacetado, desenhou um percurso muito próprio. Tinha uma forte capacidade crítica e analítica, especialmente política e social, e foi uma das figuras mais marcantes da história da cultura portuguesa do final do século XIX. Faleceu a 23 de janeiro de 1905. 


Rafael Bordalo Pinheiro, (ora toma!). Fotografia MRBP.FOT.0855


A representação do santo na obra bordaliana, quase 700 anos mais tarde, viria, assim, a ser reflexo da importância que este teve (e tem), ao logo dos tempos, na cultura portuguesa. “O Milagre do Riso” espelha, deste modo, em forma de crítica social e política, não só a Belle Époque da sociedade portuguesa, mas também a sociedade do presente – algo que encontramos, sempre de forma divertida, na obra de Bordalo, fazendo deste um artista intemporal.


Créditos: Museu de Lisboa


Desta forma, e com um grande impacto visual, a exposição traduz o diálogo entre o Museu de Lisboa – Santo António e o Museu Bordalo Pinheiro, e contou com a participação ativa e com a curadoria de Pedro Teotónio Pereira, João Alpuim Botelho, Pedro Bebiano Braga e Mariana Teixeira.

 

Nela são apresentados três núcleos: “7º Centenário de Santo António (1895)”, “Os Santo Antónios da política” e “As Festas de Lisboa”; e é assim que o querido Santo António é representado por Rafael Bordalo Pinheiro: de aparência divertida, sempre com o humor presente, tanto na obra gráfica como na cerâmica – tal como idealizaram Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro (1867-1920) e Celso Hermínio (1871-1904) nas suas peças.


Créditos: Museu de Lisboa



Créditos: Museu de Lisboa


Créditos: Museu de Lisboa


Rafael Bordalo Pinheiro foi também o criador da famosa personagem “Zé Povinho” – figura que mais marcou, e ainda marca, o imaginário português – que apareceu pela primeira vez no desenho intitulado “P’rá cêra de Sant’Antó...”, publicado no jornal A Lanterna Mágica, em 1875. É precisamente na véspera das Festas de Santo António de Lisboa (a 12 de junho) que decide criar esta personagem, que nem sequer existia na tradição oral, digamos assim. Bordalo não imaginava que estaria a conceber uma personagem que, passados 150 anos, continuaria perfeitamente atual e reconhecida por todos os portugueses. O “Zé Povinho” é, em toda a obra, aquele mais marcante, diria eu, e aquele que se destacou no imaginário português. 


Estudo para Santo António de Lisboa:
- P’rá cêra de Sant’Antó... Publicado em A Lanterna Mágica, 12.06.1875. Rafael Bordalo Pinheiro. 
Tinta-da-china sobre papel 20 x 29,6 cm · s.d. MRBP.DES.1125 


Com a aproximação das Festas de Lisboa, não poderia haver melhor motivo para relembrar as tradições da cidade. Apele-se à memória dos tronos do santo!

 

Juntam-se as crianças para pedir um “tostãozinho p’ró Santo”, Santo António, que está no seu altar, num altar de rua, aqui como um trono. Calculamos que as crianças não deixem o tostãozinho ao santo – o mais provável é gastar o tostão com um “chocolate da época”.  Mas não é essa situação que é satirizada por Rafael.

Aqui, vemos que a criança que está a pedir um tostãozinho não é, evidentemente, uma criança: é sim o Ministro da Fazenda (ou Finanças), Serpa Pimentel. E o Santo António, não é Santo António: é sim o Primeiro Ministro, Fontes Pereira de Melo – e não é o menino Jesus que ele tem ao colo. É o Rei D. Luís. De lado, temos o chefe da polícia, o Barão de Rio Zêzere, que aguarda sentado pela necessidade de intervenção. É então, neste contexto, que nasce o “Zé Povinho”, a personagem que resta, a quem o Ministro da Fazenda está a pedir dinheiro. Aqui, e em muitos desenhos, é representado como uma figura rural, mas ele é criado no âmbito lisboeta e é neste ambiente da capital que ele se vai movimentar. Aqui conseguimos saber o nome desta personagem, que tem escrito “Seu Zé Povinho”, nas calças.

Bordalo conta-nos, assim, uma cena que se vai repetir ao longo dos tempos. Há sempre esta situação: o Estado a tirar dinheiro ao “Zé Povinho”, que não está a perceber nada do que se está a passar.


Para além deste estudo, há muitos outros imperdíveis, que vão contando a história de uma sociedade vista aos olhos de Bordalo, sempre com a presença do santo a quem se reza para casar ou encontrar objetos perdidos. 


De forma acessível e explícita, esta exposição remete, assim, para um diálogo (im)provável.


O Arraial de Santo Antonio, Rafael Bordalo Pinheiro, A Paródia. 

Litografia sobre papel · 13.06.1900 · MRBP.1900.06.13 



“O Milagre do Riso. Santo António por Bordalo” inaugurou no dia 23 de fevereiro de 2022 e poderá ser visitada no Museu de Lisboa – Santo António até ao dia 22 de maio, entre as 10h e as 18h. Posteriormente seguirá para o Museu Bordalo Pinheiro, onde permanecerá durante as Festas de Lisboa. O custo de entrada é de 3€ (com condições especiais para diferentes tipos de público), sendo a entrada gratuita para os residentes de Lisboa, aos domingos e feriados, entre as 10h e as 14h.


Fica, assim, o convite para visitar esta exposição que é, na minha opinião, uma das mais divertidas da cidade. Assim como assim, “mais vale rir do que chorar!”.


Para mais informações, consultar:

Museu de Lisboa - Santo António: https://www.museudelisboa.pt/pt/nucleos/santo-antonio

Museu Bordalo Pinheiro: https://museubordalopinheiro.pt/





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