segunda-feira, 30 de maio de 2022

O Corvo e a Raposa

 

 

A exposição “A outra vida dos animais” patente na Galeria Millennium do Museu Nacional de Arte Contemporânea foi visitada a 13/05/2022. Estão expostos trabalhos de vários autores desde Henrique Pousão a Júlio Pomar, com os seus estilos tão característicos e diversificados. Algumas destas obras foram criadas propositadamente para esta exposição, onde encontramos desenho, pintura, fotografia, escultura, instalação, vídeo e media art.

A perda da biodiversidade e os consequentes desequilíbrios ambientais são o tema central desta exposição desenhada para um público infantil, que raramente é contemplado em exposições e que aqui tem, à sua dimensão, forma de refletir neste tema. Pensando bem nem parece que esta exposição seja “apenas “direcionada para as crianças, mas pensada para que pareça que são as crianças que a organizaram para os adultos. De certa maneira as crianças estão a dar um grito de alerta para o que se está a passar, o desequilíbrio ambiental em que a humanidade tem total responsabilidade.

O ambiente da exposição é muito vibrante, pois o som de animais na floresta vindo de um trabalho de media art, envolve todo o espaço conferindo-lhe unidade. Também o som de um vídeo (última peça exposta) em que a voz de um grupo de crianças está em evidência, deixa todo o espaço contagiado com a sua energia. A diversidade de obras representas faz um paralelo com a imensa variedade de animais nas florestas de todo o mundo que o modo de vida atual está a comprometer seriamente. Essa multiplicidade de peças expostas é uma mais-valia pois dá sentido ao tema desta exposição, pois vemos pelos olhos de outros como consideram e valorizam (ou não) os animais. Desde sempre que a humanidade acredita ser a espécie escolhida para protagonizar um papel de relevância no mundo e ao mesmo tempo superior ao dos outros animais. Daí vermos exemplos disso em variados contextos que os retratam como trofeus, conquistas.                    

                     
Figura 1 e 2 -  The Lisbon wireman aka David Oliveira  - Raposa, 2017 – arame  e tule; fotografias da  autora.

Duas destas peças (esculturas) são marcantes pelo lugar que ocupam na sala, mesmo à frente de uma janela que embora tenha um estore corrido ainda emana luz suficiente, deixando perceber em contraluz as suas sombras, conferindo-lhes por isso uma certa aura de mistério. Trata-se de uma raposa e de um corvo que está no ar (a voar). Estas duas personagens aparecem juntas para nos contar uma história, ao género da fábula de Esopo “O Corvo e a Raposa”. Ao contrário da fábula, em que a raposa surge como matreira, pois faz o corvo perder o queijo para o comer ela. Aqui apresenta-se vulnerável e fragilizada. Está a pedir ajuda. O corvo está em seu auxílio, profetizando algo de muito grave, avisando que corremos perigo.

                                            
Figura 3 - The Lisbon wireman aka David Oliveira  - Raposa, 2017 –arame e tule; fotografia da autora.

A raposa é feita de arame e tule a cobrir em várias cores, está representada apenas com metade do corpo, ou seja, com o seu esqueleto à vista. Uma direta alusão à destruição da sua espécie e do seu habitat e à desvalorização do seu papel entre nós. No meu imaginário povoado pelas histórias que ouvia na infância, a raposa não era bem-vinda nas aldeias, pois assaltava as capoeiras. Em contraponto a este comportamento o meu avô falava-nos da sua astúcia para conseguir alimentar os filhos, fintando as investidas dos homens que queriam proteger as suas propriedades, o que era muito interessante.  

Simbolicamente a raposa surge como independente, ativa e inventiva, mas também destruidora, medrosa e inquieta. Aparece-nos em diversas culturas desde o folclore francês, índios americanos, Sibéria, Bretanha e Escócia. No japão é símbolo de fertilidade e uma força vital. Ora é nestes dois aspetos que me quero focar. Estamos a comprometer a fertilidade, o que permite a continuação das espécies. E esta raposa metade destruída representa o que está em curso, a morte. Estamos conscientes do que estamos a fazer e das suas consequências? Não creio. Então o que precisamos mais que nos mostrem? Têm de ser as crianças a mostrarem que este não é o caminho certo…

O corvo, em movimento (no ar) está muito perto da raposa é feito de arame e tule também, todo negro. Esta ave tem vários simbolismos, mas genericamente é considerado um mensageiro dos Deuses na Grécia e pelo povo maia. Os celtas consideravam que tinha um papel profético. Mas é em áfrica (nos likubas e likualas do Congo) que encontro a sua simbologia mais relevante. Consideram o corvo como uma ave que previne os homens dos perigos que os ameaçam. Neste caso o perigo somos nós mesmos e a nossa infinita sede de controlar. O nosso egoísmo leva-nos ao desastre.


                    Figura 4 - The Lisbon wireman aka David Oliveira  - Corvo, 2022 –                              arame  e tule; fotografia da autora.

O corvo é um mensageiro e um profeta de uma mensagem que é representada pela raposa, a destruição da fertilidade, o futuro e a vida e da evolução. Na exposição estão dois corvos junto desta raposa, um voa, o outro está pousado. O que voa chama mais à atenção para o perigo que está em baixo, aliás reparamos logo nele assim que entramos no espaço, pois está à frente da janela.

                                       
                            Figura 5 - The Lisbon wireman aka David Oliveira  - Corvo, 2022 – arame  e tule; fotografia da autora.

Na realidade já tivemos muitos sinais, vamos tendo aliás. Agora a obrigação de agir para poder alterar o curso das coisas. O que nos falta para tomarmos uma atitude?

 

 

 

Mais informações em : MNAC: A OUTRA VIDA DOS ANIMAIS (museuartecontemporanea.gov.pt)
2020 | The Lisbon Wire Man (davidoliveira.org)

Bibliografia:

Esopo, (2013) Fábulas de Esopo, Carlos Pinheiro (tradução e adaptação)             
Chevalier, J., GHEERBRANT, A. (1982) Dicionário dos símbolos.

 

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