quinta-feira, 19 de maio de 2022

Olhar o passado, manufaturando o futuro: “Um Cento de Cestos”

    “Um Cento de Cestos” é uma exposição patente ao público no Museu de Arte popular, em Lisboa, que apresenta uma investigação sobre a arte da cestaria em Portugal. Conta com 246 exemplares de cestos adquiridos para o Museu de Arte Popular nas décadas de 1940/1950 e para o Museu Nacional Etnologia de 1960/1970.

    Com a curadoria das arquitetas Astrid Suzano e Fatima Durkee, fundadoras da associação Passa ao Futuro, este projeto expositivo, sublinha a importância da documentação das coleções etnográficas.

    A exposição é composta por três salas onde podemos encontrar mais sobre as técnicas usadas, a origem dos materiais, observar objetos e mobiliário diversos, fotografias, vídeos e conhecer artesãos cesteiros no ativo, cujo principal objetivo é de transmitir saber às novas gerações. Esta regeneração do conhecimento, faz-nos questionar a maneira como vivemos e origina questões sobre o saber-fazer e o saber-estar da nossa cultura.

   A primeira sala revela uma matriz, como proposta de uniformização das terminologias encontradas na cestaria, e procura ser um auxílio para perceber a organização dos cestos na própria exposição. Relativamente às técnicas, estas são classificadas em quatro grandes grupos: o cruzado, encanastrado, espiral cosida (a mais antiga, segundo se tem conhecimento) e entrançado. Estas subdividem-se e são acompanhadas de ilustrações.

   Os materiais, o processo de plantação e a localização geográfica são expostos numa estrutura, verticalmente. Aí são apresentadas amostras das matérias-primas como se estivessem a secar ao natural, onde podemos apreciar as suas cores, as texturas, e as características de cada material, em geral. São apresentadas as seguintes tipologias: Austrália, Carvalho, Carvalho de madeira rachada, Castanheiro, Sanguineiro, Vime, Vime descascado, Vime cozido e tingido, Salgueiro, Giesta branco, Giesta, Palma, Palma enxograda, Bracejo/Junco, Esparto, Bunho, Junco, Silva e Milho.


Figura nº 1, Entrada da exposição. 

    Descobrimos uma grande variedade de ferramentas utilizadas na manufatura de cestos, relação direta com a grande variedade de matérias-primas e técnicas de confeção. A cestaria da madeira rachada, constitui a técnica de cestaria que recorre a um maior número de utensílios, seguido do vime, da cana, do baracejo e da junça, da palha de centeio e da palma. A cestaria da madeira rachada utiliza a foice, cunhas de metal e madeira, o martelo e o cavalete. É neste cavalete, que o artesão prende as talas de madeira com uma cunha e as lavra até com o quitelo ou cutelo. Uma peça única, digna de analisar e imaginar arte por detrás deste ofício. 


Figura nº 2, Cavalete e mobiliário. 

    Neste ambiente, observamos vários cestos de cestaria grossa em vime (com casca). Trata-se de uma confeção rápida, característica da zona Centro e Norte, muitas vezes feitos pelos próprios agricultores. Estes cestos apresentam-se com finalidades agrícolas, piscatórias, de caça e têxteis (barrela do linho). Reconheço alguns cestos da minha infância, característicos do ambiente rural onde cresci e do convívio com os meus avós, nas suas atividades domésticas e agrícolas.


Figura nº 3, Cestaria grossa e vista lateral da primeira sala. 


    Nas paredes pintadas a verde pastel, estão pendurados os desenhos etnográficos, impressos em tecido de algodão, de Fernando Galhano (Porto, 1904/1995), um traço e um olhar descrito, num livro de homenagem e que transcrevo, como um “verismo realista muito simples e muito límpido, feito de humildade amor e conhecimento, na integra pureza das intenções, finalidades e meios, e em que transparece um entranhado amor pela Natureza”, enaltece assim um povo, a nossa cultura.


Figura nº 4, Desenhos impressos em tecido de algodão de 

Fernando Galhano, Arquivo Museu Nacional Etnologia. 


    Ao aproximarmo-nos de uma parede branca com pedras de granito à vista, chegamos à segunda sala, esta dedicada à cestaria fina. Apresentam-se, aqui, matérias-primas como o vime sem casca ou cozido, vergas de salgueiros, de giesta e piorno, associado ao uso doméstico, como por exemplo, em cesto da costura, do pão, da fruta, piqueniques, mas também decorativos, como tapetes e de indumentária, traje de pastores das Beiras e Trás-os-Montes, chapéus e leques.

    A iluminação de destaque dos objetos é ideal, no entanto, reparo nas cores dos plintos, branco cinza, bege, amarelo e um ocre. Na minha opinião, este tom ocre, aproxima-se à cor dos cestos e do próprio chão que existe na primeira e segunda salas, impedindo assim, o ideal contraste e destaque da peça. Idealmente, penso que a melhor solução seria manter as outras opções de cor que combinam na perfeição.

    Nesta sala, algumas peças são expostas em vitrines de vidro, que esteticamente me parecem um pouco descontextualizadas, não correspondendo aos expositores apresentados até aqui.

    Aqui recordo também a minha infância, num cesto de asas de vime tingido cujo som do abrir e fechar ainda recordo, quando de lá retirava a merenda.


Figura nº 5, Foto do cesto que recordo da minha infância. 


Figura nº 6, Cestaria Fina. 


Figura nº 7, Vista geral da segunda sala. 


    A terceira sala é um espaço para o futuro, combina o trabalho dos artesãos e dos jovens estudantes. São apresentados os protótipos, realizados num workshop, em 2019, no Museu de Arte Popular e também trabalhos de uma residência colaborativa. Pretende ser um espaço de diálogo entre gerações que aproxima o conhecimento. Por um lado, o artesão com o olhar e a técnica maturada e do outro lado o designer, estudante com vontade de aprender. De mãos dadas manufaturam o futuro, com mão-de-obra útil e de mente sã, gerando objetos contemporâneos, tendo como base o conhecimento das técnicas tradicionais portuguesas. 

    As paredes são percorridas a texto e esquemas com letras minúsculas, que no meu ponto de vista, não permite à maioria dos espectadores a sua leitura. Durante as duas visitas que fiz, muitos acabam por dar mais atenção e foco aos vídeos e às fotografias que são apresentadas nos monitores. De um lado da sala, visualizamos o mapa de Portugal, ao centro e os nomes dos 35 cesteiros. Do outro lado, olhamos para os esquemas e explicações do Design Regenerativo, que reconhece a humanidade como uma parte do “mundo natural” e o seu o papel positivo que pode desempenhar na natureza, atingindo um estado de sustentabilidade ecológica.


Figura nº 8, Vista de uma das laterais da terceira sala. 


Figura nº 9, Vista da lateral terceira sala. 


    Considero esta exposição muito envolvente. Ali revivi memórias de infância e nasceu o mote para escrever sobre ela. É inovadora, pois embora procure preservar os saberes tradicionais e o nosso património imaterial, faz uma releitura de um novo design regenerativo, propondo uma tecnologia sustentável para o século XXI.

Recomendo a visita guiada pela descrição pormenorizada de detalhes e nos permite lembrar o provérbio popular “Cesteiro que faz um cesto faz um cento, deem- lhe verga e tempo”. 


Sem comentários:

Enviar um comentário