terça-feira, 3 de junho de 2025

Performance- Caldas Late Night

 A performance de Iago Moura Mota esteve presente nas Caldas da Rainha, no dia 30 de Maio, no evento Caldas Late Night. 

A performance interpretada pelo heterónimo "Natureza Mota", fez com que todos os que a observavam ficassem perplexos. Esta performance é feita de uma interpretação de vários poemas da autoria própria de Iago Mota onde através da voz e da linguagem corporal projeta os sentimentos.

Percebemos uma fusão de teatro com poesia, onde alguns dos poemas que declama designa-lhes o nome de "Lúcio" e "O bispo da pata preta", interpretando com uma entoação na voz onde é nítido a mensagem e o sentimento, para além da performance que através do vestuário marcante e do corpo consegue mover o espectador. 




Ao longo do espetáculo enquanto o poeta declama os seus poemas existem diversas interpretações de cada texto que se ouve. A poesia dá aso a que o espectador também ele interprete à sua maneira. 

No entanto, o performer através da sua interpretação passa uma mensagem que também é somente dele. Ao longo da performance podemos dizer que existe uma separação clara daquilo que é o seu "eu" e do "outro" que está em cena. Outro esse que se expressa com características muito peculiares. 





É evidente através das palavras que diz, da expressão, do movimento, do corpo que fala com quem o está a ver que toda a sua arte se torna visível e original.  É com todo o corpo que declama a poesia dentro dele.

Percebemos que estão dois corpos no palco, um a olho visível e outro a tentar expressar-se, a tentar descobrir-se e a conectar-se com os outros. 




Ao entrar naquele espaço ouve-se uma voz que enche o peito, uma voz sentida, uma voz de alma que prende todos aqueles que tentam ir ver o que está a acontecer. Presos ao poeta, ao performer, ao artista tentam decifrar aquilo que necessita do olhar critico, do olhar de artista, pois para além de espectador, este deve inquietar-se um pouco mais e tentar ver o outro lado da moeda, e daquilo que está à sua volta.



A encenação, o texto, a caracterização bem como a interpretação são feitas exclusivamente pelo ator. Está patente um entusiamo, pragmatismo que se torna surpreendente sentir. 
Para além disso, em cena o intérprete pretende abrir um outro espaço para além do que já existe, ou seja, dá a possibilidade de abrir um espaço mental através do corpo.

Constata-se que todo o público sente a energia daquele espaço em modos muito diferentes, pois todos os que observam têm um olhar único e logo toda a performance poderá ser interpretada das mais diversas maneiras.










O Lago dos Cisnes de Daniel Gorjão

 Depois de ver o espetáculo, fiquei vários dias a pensar em como uma obra clássica pode ser tão revolucionária. O que Daniel Gorjão fez não foi apenas uma adaptação – foi uma reinvenção completa daquilo que entendemos como teatro e dança. E o mais incrível? Tudo parece tão óbvio quando visto no palco. Por que é que nunca tínhamos visto um Lago dos Cisnes assim antes?

A relação com o público era diferente de tudo o que já tinha experienciado. Normalmente, nos espetáculos de dança, ficamos ali sentados, maravilhados com a técnica, mas distantes. Aqui, era impossível manter essa distância. Quando Inês Cóias olhava diretamente para a plateia enquanto dizia “vocês também sabem o que é isso”, era como se estivesse a falar com cada um de nós individualmente. Não havia como fugir – estávamos todos dentro daquele lago juntos.

Decidi ir ver este espetáculo com a intenção de observar como se trabalha a recriação de um clássico. Fui com essa curiosidade, claro, mas saí com muito mais. No contexto do meu percurso no mestrado em Educação Artística, interessa-me perceber como os dispositivos cénicos podem educar, provocar, transformar. E este espetáculo é, sem dúvida, um exemplo disso. Não há aqui didatismo. Há partilha. E talvez seja essa a forma mais eficaz de ensinar: não impor uma verdade, mas abrir espaço para que cada pessoa encontre a sua, dentro da experiência coletiva.

Para perceber o quão ousado é este Lago dos Cisnes, talvez seja útil recuar até à versão original, estreada em 1877 no Teatro Bolshoi, com música de Piotr Ilitch Tchaikovsky. O bailado clássico conta a história da princesa Odette, transformada em cisne por um feitiço, e do príncipe Siegfried, que se apaixona por ela. É uma narrativa de amor, tragédia e redenção, marcada por uma coreografia exigente e pela música intensa de Tchaikovsky, que se tornou um marco na história do ballet. Ao longo do tempo, O Lago dos Cisnes tornou-se símbolo de virtuosismo técnico e idealização estética – tudo o que, de certa forma, este espetáculo de Gorjão põe em causa.

Aqui, não há tutus nem linhas perfeitas. Há corpos reais, com marcas, hesitações e um desejo visceral de comunicar. Em vez da cisne perfeita, vemos uma multiplicidade de identidades e formas de estar no mundo, sem amarras a um enredo pré-definido. Esta nova versão desmonta o mito da perfeição e devolve-nos uma pergunta muito mais inquietante: o que é que fazemos com as nossas próprias fragilidades? Conseguimos aceitá-las? Mostrar-nos aos outros com as nossas falhas à vista?

Acho que o que mais me marcou foi perceber como o espetáculo falava sobre solidão numa sala cheia de gente. As cenas em que os intérpretes tentavam se conectar, mas sempre havia algo no meio – um movimento que não sincronizava, um olhar que não se encontrava, um abraço que não se completava. Quantas vezes não nos sentimos assim no dia a dia? Cheios de gente à nossa volta, mas ainda assim tão sozinhos?

Essa dimensão política do espetáculo – embora subtil – é inegável. Ao dar espaço a corpos diversos, a movimentos que falham, a vozes que tremem, a peça afirma que a cena contemporânea deve ser um reflexo plural do mundo, e não uma vitrine polida daquilo que é considerado “excelente” segundo cânones ultrapassados. Essa abertura estética e emocional aproxima-se muito da ideia de arte como espaço de escuta e de empatia – mais do que como forma de entretenimento.

E depois havia aqueles momentos de pura alegria. Quando Zé Couteiro começou a dançar sozinho, completamente fora do ritmo, mas com um sorriso tão genuíno que era impossível não sorrir com ele. Era como se, por alguns instantes, todos os padrões tivessem sido esquecidos e só restasse o puro prazer de se mover. Porque no fundo, não é disso que se trata a dança?

O trabalho de som merece outro destaque. As vezes em que ouvíamos os próprios intérpretes a respirar pesado, os pés a arrastar no chão, até os sons dos seus estômagos a roncar. Tudo isso nos lembrava que aqueles eram corpos reais, não máquinas de performance perfeita. E quando, no final, ouvimos as gravações das primeiras tentativas deles durante os ensaios – os erros, as gargalhadas, as frustrações – era como se nos mostrassem todo o processo, não apenas o produto final.

Acho que o que este espetáculo me ensinou foi que a arte não precisa ser perfeita para ser poderosa. Na verdade, é muitas vezes nas imperfeições que encontramos a verdade mais profunda. Quando Batata tentava fazer um movimento e não conseguia, mas tentava outra vez, e outra vez, aquilo era mais bonito do que qualquer pirueta perfeita. Porque era real. Era humano.

E no final das contas, não é isso que todos procuramos? Algo que nos fale da nossa humanidade compartilhada? Algo que nos lembre que, por mais que nos sintamos diferentes, estranhos, fora do padrão, não estamos sozinhos nisso?

Daniel Gorjão e a sua equipa criaram mais do que um espetáculo. Criaram um espaço onde todos os corpos – e todas as histórias que esses corpos carregam – são bem-vindos. E talvez seja isso que o teatro deva ser: não um templo da perfeição, mas um lugar onde podemos nos ver refletidos, em todas as nossas versões, e dizer “sim, eu também sou assim”.

Porque, no fundo, O Lago dos Cisnes de Daniel Gorjão não é sobre cisnes. É sobre nós. E sobre o imenso lago que cada um carrega cá dentro. Depois de ver esta peça, nunca mais vou olhar para um lago – ou para um espelho – da mesma maneira. E se isso não é o poder da arte, não sei o que é.

Centro de Arte Moderna na Gulbenkian

 Como recensão sobre um espaço cultural decidi escolher o Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian. O espaço foi reaberto no ano passado e o projeto foi liderado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma. Ele introduziu no seu trabalho o conceito japonês “Engawa”, criando uma zona de transição entre o interior e o exterior. Essa zona serve para estabelecer uma ligação fluida com a natureza que está à volta do edifício. O projeto também teve a colaboração do arquiteto paisagista Vladimir Djurovic para realçar ainda mais a junção entre arquitetura e natureza. O espaço foi desenhado de maneira naturalista, ao integrar a vegetação existente e adicionar outras plantações de vegetações, ao mesmo tempo que incorpora caminhos que atravessam esta “mata urbana”. A obra tem um telhado curvado que oticamente liga o prédio com a parte exterior do parque. Assim foi conseguido um caminho protegido por parte do telhado, que não é totalmente interior ou exterior e que se encontra frequentemente nas casas tradicionais japonesas. O edifício possui paredes de vidro que permitem a entrada de luz natural, o que mais uma vez liga o arredor e a natureza com a estrutura. A luminosidade do espaço demonstra que o CAM é suposto ser um espaço aberto e acessível, onde todas as pessoas podem conviver. O conceito “Engawa” é presente no sentido em haver vários pontos de acesso. A programação do espaço é multidisciplinar e pretende chegar a públicos diversificados e convida a uma experiência participativa. Com a inauguração deste espaço surgiu uma conexão maior com as zonas urbanas circundantes e com as comunidades que lá vivem ou trabalham. Eu falo de experiência própria porque resido perto do CAM e senti essa diferença depois da inauguração. Desde a reabertura sinto que fui muitas vezes à Gulbenkian para ver exposições lá e gosto simplesmente de passar pelo jardim à frente do CAM. Como existe um pequeno lago e cadeiras à volta da zona exterior do CAM, também já cheguei várias vezes a sentar-me lá para apanhar sol, beber café ou ouvir música. A meu ver esta parte exterior está muito bem conseguida e convida mesmo a ser usufruída. A parte exterior tem uma biodiversidade rica, que proporciona um ambiente para as pessoas se sentirem mais próximas da natureza no meio do caos da cidade. Além disso, existe um restaurante dentro do CAM que vai ao encontro com o resto do projeto. O menu recorre a alimentos de produtores locais que privilegiam a sustentabilidade e a sazonalidade. No restaurante existe uma grande mesa comunal desenhada também por Kengo Kuma que incentiva ao convívio e à partilha. O renovado CAM tem muito em foco a sustentabilidade, integrando a Gallery Climate Coalition, que é a principal rede internacional de organizações artísticas comprometidas com a criação de um setor sustentável através de uma ação climática eficaz. As várias exposições temporárias apresentam novos projetos de artistas contemporâneos com nomes nacionais e internacionais da produção artística. A programação do CAM fundamenta-se em temas contemporâneos e sociais. As exposições recentes abordam questões como a diversidade no mundo, a crise climática e a desigualdade de gênero.

Em suma, o CAM renasce como um espaço inovador e acolhedor, ao mesmo tempo que se abre a novas narrativas e desafios contemporâneos com as exposições que tem. Eu diria que é uma visita essencial para quem deseja sentir a evolução da arte moderna em Portugal e gosta de espaços que unem o ser humano e a natureza. A obra parece-me a mim tão simples mas tão

elaborada ao mesmo tempo pela sua expressão naturalista e minimalista. A renovação do CAM também procurou melhorar a sua integração com a cidade. A parte exterior do CAM torna o espaço mais acessível e convidativo e fomenta a interação cidadã.




Webografia:
https://gulbenkian.pt/cam/
https://gulbenkian.pt/cam/novo-edificio/
https://gulbenkian.pt/informacoes-uteis/restaurantes-cafetarias/a-mesa-do-cam/
https://www.visitlisboa.com/pt-pt/locais/cam-centro-de-arte-moderna-gulbenkian
Bibliografia:
1. Fundação Calouste Gulbenkian. (n.d.). Gulbenkian Arte: Coleção de Arte Moderna do CAM. Fundação Calouste Gulbenkian.
2. Fundação Calouste Gulbenkian. (n.d.). Um olhar sobre as reservas: A coleção Calouste Gulbenkian. Fundação Calouste Gulbenkian.




Caricatura Museum Frankfurt: onde a Banda Desenhada Se Levanta e Diz: Eu Também Sou Arte

   Durante uma viagem a Frankfurt, entre cafés, cadernos e mapas improvisados, tropecei quase por acaso num dos lugares mais surpreendentes que já visitei: o Caricatura Museum, dedicado à banda desenhada, à caricatura e ao desenho humorístico. O que esperava ser apenas uma pausa leve na programação revelou-se uma das experiências artísticas mais marcantes da minha vida — um verdadeiro abanão nas ideias que ainda carregava sobre o que “conta” como arte séria. Esta recensão nasce desse momento de encantamento e desprogramação.




    O Caricatura Museum Frankfurt, ou Museum für Komische Kunst, revelou-se para mim uma experiência absolutamente inesperada e revigorante. Entrar neste espaço dedicado à caricatura, à banda desenhada e ao desenho humorístico foi como atravessar um portal sensorial e estético que abalou conceções antigas sobre o estatuto da banda desenhada nas artes visuais.





    Apesar de o nome poder sugerir algo leve ou menor, este museu mostrou-se um verdadeiro “baú cheio de truques”, como se lê na sua apresentação oficial. A coleção permanente reúne os cinco pilares da chamada “Nova Escola de Frankfurt”: F. W. Bernstein, Robert Gernhardt, Chlodwig Poth, Hans Traxler e F. K. Waechter. A sua obra conjunta, que oscila entre o absurdo, o político e o existencial, é apresentada com grande dignidade museográfica, desafiando a ideia de que o humor gráfico é menos sério do que outras formas de arte.

    Mais do que uma galeria de banda desenhada, o espaço surpreende pelo diálogo que propõe entre diferentes meios artísticos. As exposições que vi não se limitavam ao papel: encontrei pinturas de grandes dimensões, esculturas e até instalações que incorporavam elementos narrativos e satíricos. Esta diversidade causou-me um verdadeiro “momento aha”, pois confrontou diretamente o preconceito ainda enraizado em mim de que o artista de banda desenhada estaria confinado ao suporte bidimensional e a um estatuto “menor” dentro das belas-artes.



    O ambiente do museu favorece uma fruição descontraída mas intelectualmente estimulante. A montagem é clara, acessível, mas cuidadosamente curada para criar narrativas visuais envolventes. As exposições temporárias, que incluem nomes contemporâneos do desenho cómico, ampliam ainda mais a perceção de que este género está em constante mutação, enraizado na atualidade.

A minha visita foi marcada por um sentimento profundo de identificação: como artista visual com uma prática que atravessa a ilustração, a escrita e a narrativa, senti que ali cabiam múltiplas versões de mim. Senti também que este museu legitima o humor como forma de pensamento e resistência – e que o desenho cómico é, afinal, uma arte política, íntima e altamente sofisticada.

O reconhecimento que o museu recebeu em 2020 com o Prémio Cultural do Estado de Hesse confirma a importância do seu contributo singular para a valorização da banda desenhada e da caricatura como formas plenas de expressão artística.


segunda-feira, 2 de junho de 2025

Exposição- "Voltar a gostar de rosa"

 "Voltar a gostar de rosa" é uma exposição que esteve presente, nas Caldas da Rainha num evento que celebra a cultura, a arte e a liberdade, "Caldas Late Night". 

Entre os dias 28 e 31 de Maio todos aqueles que se encontravam no evento onde procuravam algo que lhes abrisse mentes e despertasse o coração encontraram nesta exposição uma reflexão e até um certo silêncio. "Voltar a gostar de rosa" fala sobre o corpo e os seus traumas, remetendo a violência sexual. Através de cordas vermelhas e rosas ligadas às várias partes do corpo estão os traumas que esse corpo pode ter passado. As cores vermelhas fazem representar o sangue e a violência em contraste com as cores rosas que representa aquilo que é feminino. 

Esta exposição serve como um ponto de denúncia para a violência no namoro, para o corpo e a mente que ficam traumatizados num silêncio de medo e vergonha. Encontramos espalhadas pequenas partes do corpo, acessórios, mensagens que tentam espelhar o sentimento presente. 

Podemos dizer que quando o ser humano não quer falar, o corpo fala por ele de várias maneiras, através de expressões, marcas, onde existe uma espécie de linguagem silenciosa que comunica com os mais atentos. 



Todas as exposições presentes neste evento são feitas principalmente pelos alunos de artes da ESAD, bem como por outros artistas. Esta exposição foi feita por uma aluna da ESAD que falou um pouco sobre quais foram os seus motivos ao realizar esta exposição onde abordou temas como já referidos anteriormente, como, o corpo e a mente, o subconsciente, os traumas, a violência física, sexual e emocional, as cordas e os seus significados e as ligações com os elementos presentes.

Observa-se um ambiente calmo, observador, curioso e pensante. Onde todos aqueles que param para observar a exposição não imaginam a história por trás do que aparece à primeira vista, mas com um olhar atento e curioso faz perceber a muitos a mensagem que todos aqueles elementos representam.


















Pelo corredor, onde vão percorrendo as várias pessoas ouvem-se diálogos, questionamentos e até admiração. Por outro lado, enquanto uns ficam alguns minutos a tentar admirar a obra, outros passam  olhando apenas uma vez para ela saindo como se de nada se tratasse, onde não dão espaço para a reflexão ou indignação. 

Uma exposição que "falou" muito para alguns e nada para outros. 


 Museu de Lisboa

A história da cidade de Lisboa está toda neste palácio lisboeta 

Campo Grande, 245, 1700-091 Lisboa

Horário: Terça a domingo, das 10h às 18h (última entrada às 17h30); encerrado às segundas-feiras e nos feriados de 1 de janeiro, 1 de maio e 25 de dezembro

Bilhetes: Entrada geral a €3; gratuita aos domingos de manhã para residentes em Portugal




O Museu de Lisboa não é um único edifício, mas um conjunto de vozes dispersas pela cidade, cada uma ecoando fragmentos da sua longa memória. São cinco lugares — Palácio Pimenta, Teatro Romano, Santo António, Casa dos Bicos e Torreão Poente — que, como capítulos de um mesmo livro, narram a história de Lisboa com ritmos e tons distintos. Unidos por uma missão comum, desvendam os segredos de uma cidade antiga, onde o passado se entranha nas pedras e ressoa nos passos de quem a percorre.
O Palácio Pimenta tem, indiscutivelmente, um papel de destaque na preservação e divulgação da história da capital portuguesa. A sua localização privilegiada, no Campo Grande, aliada à beleza do edifício setecentista e à serenidade dos jardins, oferece um contexto ideal para um museu que pretende contar a história de Lisboa. No entanto, apesar dos seus muitos méritos, a experiência do visitante não está isenta de limitações.
Construído entre 1734 e 1746, o Palácio Pimenta surgiu como residência de verão de Diogo de Sousa Mexia, figura importante durante os reinados de D. Pedro II e D. João V. Ao longo do tempo, o edifício passou por diversas mãos, tendo pertencido, entre outros, a Manuel Joaquim Pimenta de Carvalho, cujo nome acabaria por perdurar. Em 1962, o palácio foi adquirido pela Câmara Municipal de Lisboa, que viria a transformá-lo, em 1979, no então designado Museu da Cidade, hoje Museu de Lisboa. A exposição permanente conduz os visitantes por uma viagem no tempo, desde o Paleolítico até ao século XX, revelando as múltiplas faces da capital. Um dos pontos altos do museu é a impressionante maquete de Lisboa antes do terramoto de 1755, composta por cerca de dez mil miniaturas, num conjunto que ocupa mais de dez metros de comprimento e quatro de largura. O acervo é vasto e diversificado, incluindo cerâmicas, mapas, gravuras, mobiliário de época e documentos originais que ajudam a contar a história multifacetada da cidade.



A exposição permanente cumpre bem o seu propósito educativo, apresentando uma narrativa cronológica clara desde a pré-história até ao século XX. A maquete da Lisboa anterior ao terramoto de 1755 é, sem dúvida, um ponto alto: impressionante tanto pela escala como pelo detalhe. Ainda assim, há momentos em que a museografia parece algo datada, com certos núcleos expositivos a dependerem excessivamente de painéis informativos extensos e pouco interativos, o que pode tornar a visita mais expositiva do que experiencial. 

Existem 11 salas no primeiro andar da exposição de longa duração que reabriu ao público, depois de três anos encerrado para remodelações. Desde 2015 que o núcleo-sede do Museu de Lisboa, no Campo Grande, estava em obras.


A sala onde estão expostos os seis planos da reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755



Além disso, embora o acervo seja vasto e relevante, há uma certa fragmentação na forma como é apresentado. Em alguns espaços, o discurso expositivo carece de uma maior ligação emocional ou temática entre os objetos e a cidade contemporânea. Falta, por vezes, uma abordagem mais ousada ou reflexiva sobre os desafios históricos de Lisboa, como a ditadura, a revolução ou as transformações urbanas recentes, que poderiam ser abordados de forma mais direta, reforçando a pertinência do museu no debate atual sobre a cidade.

Entre esses espaços, destaca-se o imperdível Jardim Bordallo Pinheiro, inaugurado em 2010. A sua criação partiu de uma ideia da então jornalista Catarina Portas e ganhou forma pelas mãos da artista Joana Vasconcelos, que lhe deu vida com a sua visão singular.  É um verdadeiro tesouro visual e sensorial que merece ser descoberto, onde se exibem impressionantes peças cerâmicas inspiradas nos moldes originais do célebre artista, dando vida a figuras de animais, insetos e elementos vegetais. Complementando este ambiente sereno, os Pavilhões Branco e Preto recebem regularmente exposições temporárias dedicadas a Lisboa e às expressões artísticas portuguesas. 



Uma experiência imersiva e inesquecível.

Explorar a história de Lisboa no Palácio Pimenta é realmente uma jornada fascinante, que se torna ainda mais completa quando, ao sair para os jardins, despertamos os sentidos de forma plena. A vista encantadora, o canto dos pássaros e os aromas delicados das flores criam um ambiente único que transforma a visita numa experiência memorável e sensorial.

Sem dúvida, depois desta imersão, olha-se para Lisboa de uma forma renovada, sentindo uma ligação mais profunda com a riqueza cultural e a herança que moldou esta cidade ao longo dos séculos.



Ici te lá - Pequeno laboratório de objetos, imagens e sons da companhia pEtites perceptiOns. Fábrica das Artes - CCB. De 27 de maio a 1 de junho de 2025

Apresentado na Fábrica das Artes - CCB, entre os dias 27 de maio e 1 junho, o espetáculo Ici te lá (“aqui e ali”), da companhia pEtites perceptiOns, dá continuidade ao trabalho da artista Katerini Antonakaki, ao propor uma imersão num universo sensorial que se desenrola em torno de três grandes eixos: a casa, a natureza e o tempo, através das estações do ano. Concebido como um “pequeno laboratório de objetos, imagens e sons”, este trabalho articula elementos cenográficos, visuais e sonoros para compor um espaço em permanente transformação, onde o quotidiano se reconfigura em gesto, cor e som.

 

 

A cenografia móvel, criada por Katerini Antonakaki e Olivier Guillemain, estabelece uma paisagem plástica mutável, que evoca uma casa porosa, feita de fragmentos, memória e imaginação. Trata-se de uma “casa leve”, desmaterializada, que dança suavemente no espaço, acompanhando o ritmo das estações do ano. Primavera, Verão, Outono e Inverno surgem como pano de fundo e como entidades ativas, que reorganizam o ambiente. Cores, sons, texturas e objetos, alteram-se em função da passagem do tempo, revelando a sensibilidade cíclica da natureza e do corpo. A personagem central, de presença curiosa e tranquila, conduz o público por este percurso sensível, onde cada ação se torna contemplativa. 



Atravessamos estações, escutamos os silêncios, reparamos nos pequenos gestos e nas matérias esquecidas. A música de Ilias Sauloup e a interpretação sonora de Christine Moreau expandem a experiência para além do visível, criando uma paisagem acústica que respira com o cenário e com o espectador.

Mais do que representar, este espetáculo, convida à escuta das pequenas coisas, dos ritmos naturais, dos gestos mínimos onde habita o tempo vivido. A dramaturgia desenha-se como um caderno de viagem em três dimensões, no qual cada imagem ou som sugere uma sensação, uma memória, uma descoberta. O espetáculo equilibra delicadeza e intenção, sem recorrer a discursos explicativos, mas permitindo que o público construa a sua própria travessia.

No contexto da criação contemporânea para públicos diversos, incluindo o público infantil, esta apresentação destaca-se pela sua abordagem estética e sensorial, pela atenção ao detalhe e pela capacidade de convocar um tempo diferente, um tempo de pausa, de observação e de encantamento. Um tempo que nos leva para a magia das estações, devolvendo-nos a simplicidade dos ciclos naturais e o prazer de simplesmente estar.




 


 


Um Lago dos Cisnes diferente

 

Entre os dias 28 e 30 de maio, esteve em exibição no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém a peça O Lago dos Cisnes, produzida pelo Teatro do Vão. Através da direção artística de Daniel Gorjão e do texto de André Tecedeiro, ela transpunha o bailado de Tchaikovsky para o formato teatral.

Do original, porém, não foram preservados muitos detalhes, ainda que fossem visíveis referências aos passos de bailado nos movimentos dos intérpretes. Isso porque a peça não pretendia somente uma adaptação de linguagens, mas sim aproveitar-se do clássico como ponto de partida para discutir questões contemporâneas, em especial a participação de diferentes corpos, tradicionalmente excluídos dos padrões das companhias de dança. A narrativa, por sua vez, gira em torno da aceitação e da necessidade de controle. O resultado foi um espetáculo que, de forma leve, proporcionava importantes reflexões ao espectador.

Foto: José Carlos Carvalho | CCB.

 

Nesta nova versão, havia uma brincadeira com os géneros das personagens. Ali, o feiticeiro Rothbart tornou-se a Senhora Rothbart, à qual o público acompanhava em uma espécie de viagem ao passado, durante a qual ela revisitava e ponderava sobre as atitudes controladoras que a levaram à ruína na relação com os filhos, Sigfrieda e Odille —cujos géneros foram igualmente trocados. Além do drama da matriarca, assistiu-se ao desenrolar do romance proibido dos rapazes Odile e Odette, cujo final não se torna tão trágico quanto o das personagens de Tchaikovsky: nesta peça, em vez da morte, o lago encantado trazia a libertação. 

Para além do texto, a atuação dos intérpretes, Batata, Duarte Melo, Inês Cóias, Rita Carolina Silva e Zé Couteiro, também contribuiu para que essas personagens reformuladas fossem facilmente acolhidas pelo público, com destaque para a Sigfrieda de Batata, que cativou a todos com sua personalidade irreverente e suas poucas, mas bem-colocadas referências à cultura pop e ao universo queer. É preciso ressaltar, contudo, que a curta duração da peça, de apenas uma hora, dificultou um melhor desenvolvimento da narrativa e das personagens. Ficou confuso, por exemplo, o desentendimento entre Rothbart e Siegfrieda e inúmeras vezes foi mencionada uma personagem a qual não aparecia na peça e cuja relevância para a história não foi bem esclarecida.

Intérprete Batata no papel de Siegfrieda. Foto: José Carlos Carvalho | CCB.

 

Tudo isto narrou-se em um cenário extremamente simples e eficiente, composto apenas por alguns degraus revestidos de material espelhado, que faziam as vezes de lago e de palácio. A maior parte da imersão do espectador na peça se dava pela iluminação, responsável não apenas pela tónica das cenas, mas também por criar divisões de tempo e espaço através de variações de cores.

Por fim, a peça encerrou-se com um número de dança, com todas as personagens juntas e um globo espelhado a iluminar todo o auditório.

O Lago dos Cisnes de Daniel Gorjão não foi uma simples adaptação do bailado para o teatro, foi muito mais. Ao dialogar com questões de identidade, controle e liberdade, a peça propôs ao público uma experiência estética e política, que provocou reflexão sem abrir mão da leveza e do humor.