MAEDS – Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal
Janeiro a Maio de 2025
Curadoria: Ana Férias
Ao entrar na sala, sente-se desde logo que cada artista tem o seu lugar. Não há esforço em forçar semelhanças. O que une estas obras é talvez uma inquietação comum — com o corpo, com a memória, com o gesto de contar histórias — mais do que um tema explícito. As linguagens variam: há trabalhos digitais, aguarelas, colagens, misturas técnicas. Mas o que permanece é uma energia de partilha, de procura e, por vezes, de denúncia.
O percurso expositivo é simples e direto. Não se impõe ao visitante, o que permite um tempo de leitura mais pessoal e atento a cada proposta. A curadoria respeita o universo de cada artista, e talvez por isso mesmo se sinta, nalguns momentos, falta de um fio que ligue as obras entre si — um gesto de costura mais presente. Ainda assim, essa autonomia pode ser lida também como uma afirmação de pluralidade, da recusa de encaixar o trabalho destas mulheres num molde comum.
Algumas obras ficam na memória. Cristina Arvana cria mundos delicados onde natureza e imaginação se fundem com uma leveza muito sua. Daniela Mata traz-nos imagens que falam alto — como Free Palestina — e que não deixam dúvidas quanto ao poder político da ilustração. O duo Math Is Good trabalha com referências da cultura visual popular (como o cinema), construindo imagens densas, carregadas de memória e camadas simbólicas.
Falo aqui também na qualidade de artista participante. Foi a minha primeira exposição, e isso não me
é indiferente. Estar entre estas vozes foi uma experiência marcante — não só pelo desafio de escolher o que mostrar, mas sobretudo por ver o meu trabalho colocado em diálogo com o das outras. Esta vivência despertou em mim uma vontade mais clara de, no futuro, poder também criar espaços expositivos colaborativos, onde a curadoria se torne extensão do processo criativo, e não apenas seu reflexo.
O catálogo da exposição é cuidado e bonito, com boas imagens e um design claro. Sente-se o investimento institucional, o que é sempre importante. Talvez se note a ausência de um texto crítico mais aprofundado que ajude a pensar a exposição num contexto mais amplo — mas isso também deixa espaço para quem a visita (ou escreve sobre ela) formular as suas próprias leituras.
“IlustraMulher” deixa-nos com a sensação de que há ainda muito por dizer e mostrar — e isso, para mim, é sinal de que cumpriu o seu papel. É uma exposição que se posiciona com coragem, sem ser moralista nem superficial. E oferece uma galeria viva de vozes que, cada uma à sua maneira, desafia o que significa ilustrar, cuidar e criar neste tempo em que vivemos.