quarta-feira, 8 de maio de 2024

FORMS um novo olhar na dança

 

   Após ver um cartaz na Faculdade de Belas Artes que anunciava uma conferência intitulada de “Inteligência Artificial e a Arte”, promovida pela APDSI (Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação) decidi deslocar-me no dia 22 de novembro de 2023 para o Pavilhão do Conhecimento para a assistir. Motivada pela minha procura por conhecimento sobre o papel, cada vez mais relevante, da Inteligência Artificial na esfera artística atualmente e as suas implicações futuras e com o intuito de enriquecer o meu conhecimento sobre esse tema, cheio de controvérsias, que é tão crucial para a minha futura dissertação de mestrado e futuros trabalhos.

Foi uma conferência bastante diversificada e enriquecedora que abordou uma variedade de diferentes perspetivas em volta do tema da inteligência artificial. No entanto o que me chamou mais à atenção foi o quadro “Projetos de Intervenção Artística com Recurso a Inteligência Artificial”, exibido pela professora, investigadora (no Departamento de Arte Digital da Universidade Metropolitana de Manchester) e bailarina, Maria Rita Nogueira. A bailarina apresentou uma demonstração prática, através de uma pequena performance, em como a inteligência artificial pode ser incorporada de forma inovadora na arte e na dança.

Há dois anos, em época de pandemia, que confinou grande parte da população mundial às suas casas, incluído bailarinos e artistas performativos que não podiam exercer o seu trabalho, Maria criou o projeto “FORMS”. O FORMS representa uma mistura de arte digital, dança e machine learning, que resultam em imagens visuais inovadoras para enriquecer a dança em tempo real. Na conferência, que tive o prazer e o privilégio de assistir, a bailarina realizou uma demonstração do seu trabalho.  Enquanto esta dançava no palco, uma câmara captava os seus movimentos, traduzindo-os e transmitindo-os em formas abstrata numa tela atrás dela. Estas formas inicialmente apresentavam-se através de um grande polígono com pequenos polígonos no seu interior e ao longo da sua performance foram adquirindo variadas formas, ou mais orgânicas ou mais retas e simples.


   De todas as figuras que se seguiram, esta foi a mais interessante, complexa e intrigante na minha opinião. É uma estrutura relativamente básica de linhas retas que representam os contornos do corpo de Maria e os seus movimentos. No entanto, essa estrutura está preenchida com linhas retas que dão um certo volume e profundidade à forma principal. O resultado da figura com os movimentos que Maria fazia ao dançar davam resultado a uma representação hipnotizante, que desafiava a sua perceção, criando composições intrigantes e complexas de desvendar. Apesar de ser predominantemente bidimensional, em momentos específicos, a forma parecia adotar uma tridimensionalidade devido às interseções e composições das linhas.

De seguida a figura que dançava na tela passou por uma metamorfose visual. A figura complexa que dançava inicialmente assumiu uma forma mais simplificada e básica, composta de polígonos e triângulos preenchidos com um tom de azul, que se harmonizava com as roupas de Maria, adicionando coerência visual à performance. Conforme a dança prosseguia, a figura passou por mais duas metamorfoses, sendo a primeira uma forma semelhante à primeira, mas com adições sutis de linhas curvas que conferiam um aspeto mais orgânico e ainda mais complexo que a primeira forma.


   Por último a figura abandonou a maior parte das linhas retas, abraçando uma estética mais suave e arredondada. Enquanto na primeira e na terceira figura percebia-se que era um corpo de maneira muito abstrata, nesta e na segunda figura era ligeiramente menos percetível, mas tanto Maria como a forma dançavam e mexiam-se graciosamente e com emoção.

A performance de Maria foi algo inovador que não tinha visto até então. No entanto, como é um projeto relativamente novo, ainda há espaço para algumas melhorias técnicas. Durante movimentos rápidos ou quando a bailarina se encontrava no chão, a câmara muitas vezes não captava de maneira correta o seu corpo, resultando em breves intervalos onde a tela ficava branca, sem qualquer figura. Embora seja uma limitação técnica, é também um motivo para uma aprimoramento e expansão de aprendizagem, onde, com o tempo, este tipo de performance irá atingir novos patamares.

Vale realçar que esta apresentação foi acompanhada de um pequeno texto narrado introdutório em inglês, dando depois espaço para uma música agradável e harmoniosa. O testo era o seguinte:

“Escuridão. A ausência de luz. Vasta. Pesada. Porque tu experienciaste escuridão, tu entendes luz, tu sabes que existe. O que tu vez ou não vez depende do que tu estás à procura, porque nós não vemos as coisas como elas são, mas sim como as queremos ver. Tu podes escolher em focar-te na escuridão ou podes escolher em focar-te na luz. Se tu queres que as coisas mudem, muda a tua perspetiva.”

Na minha opinião este texto é de interpretação aberta e livre, cada pessoa interpreta de maneira diferente de acordo com as suas vivências. No meu caso, levei a sua interpretação para a minha preocupação face à utilização da inteligência artificial na arte. Ou seja, a escuridão é descrita como algo pesado e negativo, uma ausência de luz que pode levar a momentos de preocupação e desespero; liguei a escuridão ao facto da IA estar a “ameaçar” o artista e os seus trabalhos, juntamente com os seus usos incorretos neste mesmo âmbito. No entanto, a escuridão permite-nos apreciar e a compreender melhor a luz (os bons usos da IA na arte). Na frase “nós não vemos as coisas como elas são, mas sim como as queremos ver”, vejo a minha visão negativa relativamente ao uso da IA na arte, como artista digital, só via pessoas a usá-la de maneira incorreta e não abria chances para os seus usos mais diversificados (como a Maria usou na sua arte, por exemplo). Portanto, a escolha de continuar a repudiar a IA na arte (a escuridão) ou de a abraçar e procurar maneiras conscientes e corretas de a usar (a luz) é uma decisão minha.

    “Se quiseres que as coisas mudem, muda a tua perspetiva” esta frase foi uma abertura de portas para mim, ao ver esta performance e em como a inteligência artificial foi usada, a minha perspetiva mudou e comecei a aceitar mais a utilização desta tecnologia em certos casos. Enquanto muitas vezes me deparo com exemplos errados da incorporação da IA na arte, esta performance revela uma utilização da mesma de maneira consciente e pensada, é o exemplo perfeito em como a inteligência artificial pode ser usada a favor da arte, demonstrando como a fusão entre a criatividade humana e as novas tecnologias podem gerar resultados surpreendentes.

A Maria e o seu eu tecnológico dançavam harmoniosamente, exalando fluidez em cada movimento ao som de uma música suave.

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