sábado, 20 de janeiro de 2024

Livro de cabeceira nº3: O existencialismo é um humanismo

Livros de cabeceira: notas sobre a forma do livro


Livros de cabeceira é uma série de pequenos textos escritos sobre o design de livros da minha biblioteca pessoal, desde os livros mais sofisticados da minha coleção até aos mais ingênuos, focando-se nos seus aspetos formais, a sua materialidade, a capa, a encadernação, a tipografia, etc. Com o objetivo de compreender o papel da sua forma física nos contextos culturais sob os quais foram criados. Este formato é inspirado no livro Notes on Book Design de Formal Settings editado pela Onomatopee em 2023.



Livro de cabeceira nº3: O existencialismo é um humanismo 

 (Coleção “Divulgação e Ensaio”, 2)

 

 


 

Autor : Jean-Paul Sartre

Tradução e notas: Vergílio Ferreira

Capa de : A. Alves Martins

Composição e impressão: Tipografia Rios & Irmão, Lda., Santa Maria de Lamas

Editora: Editorial Presença

Dimensões: 128x192x20mm

Encadernação: Capa mole


Composto em tipo Century da fundição American Type Founders



Este livro requisitei-o da biblioteca municipal de Chaves, é uma segunda edição sem data, mas a folha de rosto vem assinada com uma dedicatória, “A Mota Laço” na vertical e no canto superior esquerdo, “Porto, Outubro 66”, o que me permite situar a sua publicação/reimpressão no início dos anos 60. As folhas revelam o amarelecimento do tempo e alguns picos de acidez, fora isso este livro ainda se encontra em relativo bom estado.


É impossível não localizar este objecto à época modernista, o uso do cinzento, preto, branco e vermelho, um desenho geométrico de caixas e caixotes feito por A. Alves Martins definem o alinhamento das informações na capa, que são justificadas ao centro da grelha criada pelas formas. Na contracapa é possível ver a assinatura do artista, comum em Portugal ver artistas plásticos a fazer o trabalho de designers muito antes desta ser uma profissão consolidada.

Este livro tem a particularidade de ter sido encadernado com a dobra francesa, o que faz com que o seu corte superior tenha uma aparência táctil, tendo sido feito o corte manualmente é possível ver as imperfeições do rasgar do papel, enquanto que o seu corte dianteiro e inferior mantém o aspecto industrial com um corte feito a guilhotina.

Com cadernos de 4 fólios (mais especificamente, sendo dobra francesa, 2 cadernos bifólios), é no miolo deste livro que nos deparamos com as suas particularidades, a construção de página segue aproximadamente o modelo proposto por Tschicholds baseado na regra de ouro, uma página com um rácio de 2:3 e proporções de margem de 2:3:4:6 da interior para a superior seguindo a direção dos ponteiros do relógio,

o primeiro e maior ensaio, da autoria de Vergílio Ferreira está composto na sua totalidade em Century Itálico ao detrimento da legibilidade, com a exceção das notas de rodapé, em regular, que seguem a formatação de página clássica, ao fundo do texto, em corpo de texto menor, separados por um pequeno filete, justificado a ocupar a totalidade da largura de coluna como é comum no editorial português. A partir da página 231, contudo, inicia-se o texto de Sartre, divide-se agora a mancha de texto em 4 colunas, 3 levam a mancha de texto principal e a outra pequenas anotações a este em maiúsculas, as colunas são dispostas simetricamente no plano. O tamanho do corpo de texto também aumenta, vê-se uma composição ingénua, um texto justificado à largura da coluna repleto de dentes em cavalo, uma má contagem de palavras por linha e pouca leiturabilidade. 

A coleção “Divulgação e Ensaio”, à qual este livro pertence, apresenta-se com uma aparência robusta, mas carece de sensibilidade e mostra uma incapacidade de resistir ao passar do tempo. No entanto, ela marca uma era específica, é um advento do modernismo tardio e do conservadorismo portugês, que ainda se fazia sentir nas casas editoriais.

Nota: o tipo de letra utilizado para compor este livro não é mencionado em nenhum documento oficial, pelo que foi feito uma pesquisa pela autora para o encontrar. Apesar da sua verossimilhança, existe uma pequena diferença entre a patilha do “Q” maiúsculo do tipo de letra Century e o “Q” do tipo de letra utilizado neste livro, pelo que eu acredito que se trate de uma versão de Century com pequenas variações, propriedade da Tipografia Rios & Irmão, Lda.

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