A exposição Recursos Naturais, visitável no Hangar – Centro de Investigação Artística, em Lisboa, é da autoria do artista plástico Miguel Palma. Este artista de 59 anos, com mais de 30 anos de carreira, desenvolveu o seu trabalho de um modo multi-disciplinar (escultura, desenho, vídeo, instalação e performance) demonstrando o seu interesse por tecnologias (na sua generalidade) e pela relação que a humanidade tem com a natureza, isto é, o modo como a civilização domina o natural. As peças tendem a ser, ou aparentam ser, complexas. Os elementos que as compõem são muito elaborados na sua construção, mas também podem partir de uma ideia intuitiva, como é o caso da peça AQUÁRIO de 1996, em que a ideia é direta e sem outros sentidos, para além do seu lado paradoxal (um peixe fora de água, dentro de água).
O espaço expositivo do Hangar situa-se
próximo do miradouro dos Barros, com vistas para a cidade, o Castelo e o rio
Tejo. Observamos com clareza a cidade bem adaptada ao declive das suas colinas.
Intencional ou não, o local da exposição vai de encontro ao tema: o domínio da
humanidade sobre a natureza.
Grande parte das peças é desenho composto
por escrita, linhas, manchas e colagens. A expressão é elementar e inocente. A mancha
tende a ser uniforme, maioritariamente em tons de azul, sendo utilizada para
desenhar formas variadas. Os elementos que estão recortados e colados variam entre
fotografias, desenhos, padrões, artigos de jornais ou revistas, ou
possivelmente, manuais de instruções. O globo terrestre é um elemento
recorrente, tanto nos desenhos, como no resto das peças. Os elementos ligam-se
de modos diversos: linhas, sobreposições, figurações, manchas... embora o tema
das peças seja recorrente (a forma como a civilização manipula os recursos
naturais), por vezes, o lugar – ou talvez o significado – de alguns elementos
das peças pode não ser óbvio, e em certos casos, é até rebuscado.
De modo geral, é evidente que Miguel Palma tende a complexificar as suas peças. Pode-se dizer que brinca com a complexidade e amplitude da tecnologia que a humanidade usa para os seus projetos de desenvolvimento, como se pode observar no desenho abaixo:
Este desenho, apesar de não ser
particularmente saturado em detalhes, carrega claramente a ideia de
complexidade. Remete-nos para quadros de investigação criminal (1). É como se fosse
aqui apresentado um projeto megalómano à escala global, mas ironicamente, está
apresentado de modo muito simplista e até infantil. Existem muitas referências
à exploração espacial, muitas delas são foguetões colocados na periferia do
desenho do globo terrestre, como se fossem descolar para fora do desenho. Os
diferentes elementos tecnológicos do desenho estão ligados por fios ou tubos. Algumas
partes do desenho estão assinaladas com uma circunferência. Há repetições de
formas – padrões – em cada continente (a Antártida e a Oceânia não estão
representadas). Globalmente, a obra é uma sátira ao desejo incansável de
progresso. A infantilidade do mundo utópico onde a humanidade tem o poder total
sobre a natureza.
A peça PROJECTO 2080 de 1996 é uma instalação eléctrica que tem como
materiais o ferro, o acrílico e a madeira. Em termos temáticos, as duas peças
relacionam-se. Ambas focam-se na relação entre a natureza e a humanidade.
Contudo, não é um exagero dizer que em termos estéticos estas peças são quase
opostas. Enquanto uma estabelece relações complexas e difíceis entre todas as
suas partes, a outra é mais simples. Os elementos de PROJECTO 2080 podem ser organizados em três grupos: a estrutura da
peça, a parte vegetal e as figuras (bonecos). O lugar de cada detalhe da obra é
claro e directo. Em termos técnicos, a peça envolve mais recursos. As árvores estão fixadas de modo invertido
na parte superior da estrutura, e esta está a suspender a parte inferior. Trata-se
de uma superfície luminosa, como se fosse o pavimento de uma exposição de arte
contemporânea (cubo branco). As figuras encontram-se nessa superfície. A peça é
equilibrada na sua proporção, elegante e talvez até requintada devido à sugestão
dos bonsais. Partindo da ideia de que
a obra representa uma maqueta, podemos extrapolar que a intenção do projecto
seria criar um espaço utópico, onde as pessoas pudessem usufruir de todos os benefícios
ao estarem conectadas com a natureza, mas sem estarem em contacto direto com
ela. Temos mais uma vez aqui, uma ideia paradoxal. Nesse espaço, a natureza cresce
como o humano deseja, sem interferir com o quotidiano, em total separação mas
com grande proximidade. Ao contrário da obra anterior, aqui o elemento satírico
é mais subtil.
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