segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Gulîstan, Land of Roses - empoderamento feminino e luta


  

  


     É uma manhã ensolarada de domingo. Encontro-me atrasada (e despreparada) para o choque que irei tomar. A tarefa: perceber, através do mais recente filme da realizadora Zaynê Akyol, os motivos que levaram muitos jovens curdos na diáspora a aliarem-se, na década de 1990, ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, em português).

    O filme é Gulîstan, Land of Roses, um documentário exibido na edição deste ano do Doclisboa, que decorreu de 20 a 30 de outubro, na Culturgest. Trata-se de um breve e intenso recorte acerca do cruzamento de duas linhas narrativas vivenciadas pela realizadora em uma viagem ao seu passado e ao conflito ainda presente na região que compreende Irão, Iraque, Turquia e Síria. 

    A jornada tem início no Canadá, país para o qual Akyol imigrou quando pequena, e vai rumo às montanhas de sua regiao de origem, o Curdistão. Complexo e com uma forte carga dramática, o filme segue os passos antes dados por Gulîstan, amiga de infância da realizadora, que se tornou membro do PKK, grupo curdo de resistência majoritariamente feminino e um dos principais combatentes do ISIS.

     Em Montreal, ambas moravam no mesmo prédio. Gulîstan, aos 18 anos, cuidava da pequena Akyol, com então 5 anos de idade. Na Turquia, viviam na mesma vila. “Ela costumava falar de coisas que eu não necessariamente percebia. Falava sobre os curdos e também sobre comunismo. Eu a considerava como minha irmã mais velha,” afirmou a realizadora. 

    Em 2000, aos 25 anos, a jovem combatente é morta em confrontos entre o PKK e as forças armadas do Curdistão no Iraque, na fronteira turca-iraquiana. O forte elo entre as duas e o episódio traumático fizeram Akyol alimentar a ideia de realizar um documentário para entender a escolha de sua “irmã” e, ao mesmo tempo, para uma possível reconexão à sua terra natal. É então que a realizadora retorna aos acampamentos, ganha a confiança do grupo e conhece sua personagem principal, Sodzar, que irá mostrar-lhe tudo o que aprendeu desde que tinha nove anos e vivia em meio às combatentes até a posição atual de líder de um dos acampamentos. 




     












                                  A relação de dualidade permeia o filme constantemente. Sodzar representa o espírito e, em parte, a própria Gulîstan ao desenvolver uma intensa relação de amizade com a realizadora. Akyol, por ser a pessoa por trás da câmera e por estar no front de batalha, literalmente e metaforicamente, de outra forma representa o duplo, pois é também personagem de seu próprio filme. O que é o regresso também pode ser lido como afastamento. Akyol volta a uma vida que pouco viveu e busca preencher a ausência de Gulîstan. Já as combatentes abrem mão de suas individualidades pela luta por liberdade. Pertencimento, presença, força. Reconexão, distanciamento e luta. Há um eterno fluir que reside na tentativa, no devir, que faz com que essas forças, por vezes paradoxais, se combinem nesse ato fundamental de resistência. 

    No documentário, a realizadora consegue explorar um universo único e, até então, muito distante daquele retratado pela mídia. A luta do PKK envolve conflitos simultâneos em diversos países, sendo o grupo muito solidário com as causas daqueles que também sofrem ataques do ISIS. Mas não é a ideologia que fundamenta o filme, e sim uma troca amorosa de palavras e olhares. As mulheres curdas compartem seu bem mais precioso em nome da humanidade, ensinando que na linha tênue da vida, em meio a um campo de batalha, há grandes lições de empatia e empoderamento.




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