segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Edgar Martins – Silóquios e Solilóquios sobre a morte, a vida e outros interlúdios, (2016)





Esta exposição teve uma primeira apresentação no MAAT – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia / Fundação EDP, em 2016, e depois uma segunda na Galeria Cristina Guerra, também em 2016.
Edgar Martins tem uma obra vasta enquanto fotógrafo, são diversos os seus trabalhos com merecido reconhecimento, como The Poetic Impossibility to Manage the Infinite, (2014), The Time Machine, (2011), The Accidental Theorist, (2007), entre outros.

Edgar explora sobretudo o território, o lugar habitado ou desabitado, e não muito quem o habita. Até aqui, recorria sobretudo ao grande formato, com fotografias de grandes dimensões sobretudo desmantelando lugares e paisagens, questão recorrente dos artistas visuais contemporâneos. O equipamento de grande formato exige que cada registo seja alvo de maior preparação e trabalho prévio e consequentemente de maior reflexão, onde a espontaneidade não é de forma alguma uma prioridade.

Neste projecto estas premissas não são tão visíveis segundo o mesmo paradigma, para Silóquios e Solilóquios o artista recorreu a outros suportes e formatos para além do habitual. Após uma pesquisa de três anos no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, em Lisboa e em Coimbra, Edgar Martins reuniu um sem número de documentos distintos sobre a morte. O corpo morto está presente mas sem se ver, todo o conjunto de imagens que nos são apresentadas apontam mais para o instante e para a circunstância da morte do que propriamente sobre o cadáver. O sujeito, somos nós que o imaginamos.



As obras apresentadas nesta exposição variam no tamanho na forma e no formato, imagens individualizadas ou em pequenos conjuntos. Imagens do autor intercaladas com imagens de apropriação, uma projecção de diapositivos, recortes e pequenos objectos. Um atlas incluindo fotografias de presumíveis assassinos, testemunhas e diversos objectos enquanto provas de crime, recortes de jornais e pequenos textos. Temos também imagens que o artista fez de objectos comuns que ganham estatuto por terem sido conservados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses como é o exemplo de uma corda ensanguentada prova de um enforcamento, ou um ecrã de telemóvel com uma mensagem de despedida de desespero suicidário.

Uma imagem que me despertou curiosidade neste trabalho, pela aparente descontextualização, foi esta pedra de grandes dimensões onde podemos ver salientes veios vermelhos. Ao que parece será também ela prova de um crime, e embora a não referência a qualquer óbito, a escuridão envolvente e sua dimensão, talvez porque lhe falte uma parte, pela natureza do tema da exposição, pressupõe a perda e associamos os veios a um sangramento e rapidamente a integramos no conjunto.


Edgar Martins, inclui igualmente imagens do seu arquivo pessoal que pelo seu conteúdo se tornam pertinentes neste contexto. Destaco esta como exemplo, um homem à beira mar.



Um homem à beira mar, em Macau, parece ter sido apanhado desprevenido, olha-nos de frente. A sua pele sobre-exposta perde os contornos de identificação, percebemos que é asiático, apenas isso. Esta assumida sobre-exposição exponencia sobretudo o contraste com a escuridão celeste que se mistura com o negrume do mar que por ser noite, apenas lhe vemos as linhas brancas da ténue rebentação, típica da ondulação do Oceano Pacifico. O homem encontra-se exatamente na linha que nos separa da escuridão do desconhecido, não sabemos se acabou de sair da água ou se se prepara para entrar. Pergunto-me se se despede, entendo sim, que a escuridão que o envolve o remete para um limbo entre a minha presença, desvendada por uma flashada, exagerada, e o vazio. Entre a vida e morte.

O Avião de papel terá sido a primeira obra que cativou o meu olhar, a simetria de uma folha de papel branco dobrado em forma de avião, em fundo negro absoluto. Uma imagem com mais de um metro de altura dum pequeno avião de papel, representativo de uma carta de despedida que um preso enviou da sua cela, antes de se suicidar.



Por fim, a obra com que mais me identifiquei e que me despertou maior interesse foram exatamente estas seis imagens, Cartas de Despedida. Igualmente de pessoas que se suicidaram. Edgar mostra as cartas sem mostrar o que têm escrito, em algumas conseguimos ler algumas letras, não é relevante. A iluminação de recorte mostra o limite da folha, cria uma frágil linha de luz, mais uma vez num fundo completamente negro, como é ténue a linha da vida, de um universo material e visual que emerge da representação ambígua da morte.




Quando nos deparamos com este título/tema pressupomos a possibilidade de ver pessoas mortas, receamos entrar num ambiente mórbido, obviamente fica o pesar da imaginação e da representação obscura da morte. Porém, no decorrer da visita, talvez pelo claro universo de interrogações, sentimo-nos quase como detectives em busca das relações que as provas e artefactos ali reunidos nos sugerem. Refletimos sobre a intermitência da vida e sobre os interlúdios que cada imagem incorpora. Uma investigação sobre um ou vários crimes na qual nos é permitido participar, como investigadores, claro.

Sem comentários:

Enviar um comentário