quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A distopia do zoológico humano criado por Dominique Gonzalez-Foerster


A obra Pynchon Park, da artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster, foi lançada pelo diretor do MAAT, Pedro Gadanho, com um convite à artista, especificamente para a inauguração do novo edifício do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia em outubro de 2016.  A ideia da artista seria conceber uma intervenção que falasse por si mesma, e que pudesse ser experienciada pelo visitante num espaço calmo e de partilha.

Na galeria oval do novo edifício do museu somos primeiramente confrontados com a vastidão do espaço e por jogos de luzes, ora através de focos projectados de cores distintas, ora pela alternância da luminosidade da totalidade do espaço – passamos da escuridão para a luz e vice-versa ao longo de períodos de tempo específicos.

A partir deste dispositivo a sensação é de estarmos dentro de um cenário ou de um recinto no qual qualquer coisa se irá passar, mas do qual temos pouca informação. A ênfase colocada no movimento da luz, quer nas paredes da galeria, quer no próprio espaço/recinto mais em baixo, desafia a nossa noção de observadores – estamos a assistir a algo mas, e ao mesmo tempo, somos parte integrante do jogo. 



Este aparato na utilização da luz, um elemento essencial também ao filme e à experiência do cinema, reside literalmente no próprio imaginário que temos de cenários do tipo ficção científica de série B ou mesmo de últimas produções de Hollywood, sendo que Dominique arrasta estas nossas memórias para uma situação nova, num espaço público como o museu, tornando estas luzes (e também a sua ausência) numa tipo de “película” ou “camada” do trabalho que antecede a sua própria visualização.

Num olhar mais atento, descendo a rampa de acesso ao piso inferior, vamos percebendo outros detalhes: existe uma série de objectos exteriormente reconhecíveis (bolas e tapetes) e também a presença de outros corpos além dos nossos que observam, outras “figuras”. Esta empatia através de um palco aqui criado reintroduz a presença projectiva do observador-participante, não apenas documentando uma situação mas criando uma situação/espaço, que de forma explícita nos coloca mentalmente no centro das atenções.


Este foco de atenção não se deseja voyeurístico, como refere a própria artista, mas antes relacional no sentido interior e exterior, espaço público e espaço privado, numa troca de olhares e de posturas que se prende com a nossa própria condição de visitantes. É neste preciso momento que a noção de participação é estilhaçada pela proposta, distinguindo temporalidades e colapsando, ou desconstruindo, a noção limite que temos da obra de arte contemporânea.

Como diversas vezes Dominique afirmou, Pynchon Park reabre a questão sobre o conceito de lugar: Este aspeto crítico é de capital interesse para a artista e parece estar também na agenda do mundo de hoje, nas definições de fronteira, na criação de barreiras e muros, no fluxo de gentes anónimas obrigadas a deslocar-se entre geografias, ou mesmo a geopolítica do terrorismo. É nesta estranheza e neste limite entre o material utilizado para a construção de uma situação e o assunto em si mesmo que Pynchon Park produz o seu maior efeito.

Quando nos aproximamos de um dos portões somos confrontados com uma escolha: entrar ou permanecer a olhar de fora para dentro. Uma vez dentro do recinto, temos “obrigatoriamente” que esperar determinado tempo até que os portões se abram novamente. Enquanto dentro do recinto, uma panóplia de objectos estão à nossa mercê de manipulação, ainda que restritiva.

Podemos sentar-nos, deitar-nos, caminhar em torno, esperar, conversar ou permanecer em silêncio. Cada livro colorido corresponde a uma “zona” onde é possível criar uma situação de isolamento, ou pelo contrário, uma zona de diálogo e de contacto. 


O som desta obra é de apaziguador, ondas, sons que ligamos directamente à ondulação do mar… Dentro do recinto o jogo das percepções mantém-se até decidirmos que termina, mas é nesta transferência, da decisão de deambular ou permanecer quieto, que Dominique é mais eficaz; como na história original, estamos a ser “observados” não sabemos muito bem por quem… Pelos alienígenas que nos resgataram dos restantes, ou de nós mesmos, duplos, e daí ser o drama que este trabalho impõe: os estranhos, os verdadeiros extraterrestres, não seremos nós mesmos?

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