A obra Pynchon Park, da artista francesa Dominique
Gonzalez-Foerster, foi lançada pelo diretor do MAAT, Pedro Gadanho, com um
convite à artista, especificamente para a inauguração do novo edifício do Museu
de Arte, Arquitetura e Tecnologia em outubro de 2016. A ideia da artista seria conceber uma intervenção
que falasse por si mesma, e que pudesse ser experienciada pelo visitante num
espaço calmo e de partilha.
Na galeria oval do novo edifício do museu somos
primeiramente confrontados com a vastidão do espaço e por jogos de luzes, ora
através de focos projectados de cores distintas, ora pela alternância da
luminosidade da totalidade do espaço – passamos da escuridão para a luz e
vice-versa ao longo de períodos de tempo específicos.
A partir deste dispositivo a sensação é de estarmos
dentro de um cenário ou de um recinto no qual qualquer coisa se irá passar, mas
do qual temos pouca informação. A ênfase colocada no movimento da luz, quer nas
paredes da galeria, quer no próprio espaço/recinto mais em baixo, desafia a
nossa noção de observadores – estamos a assistir a algo mas, e ao mesmo tempo,
somos parte integrante do jogo.
Este aparato na utilização da luz, um elemento
essencial também ao filme e à experiência do cinema, reside literalmente no
próprio imaginário que temos de cenários do tipo ficção científica de série B
ou mesmo de últimas produções de Hollywood, sendo que Dominique arrasta estas
nossas memórias para uma situação nova, num espaço público como o museu,
tornando estas luzes (e também a sua ausência) numa tipo de “película” ou
“camada” do trabalho que antecede a sua própria visualização.
Num olhar mais atento, descendo a rampa de acesso ao
piso inferior, vamos percebendo outros detalhes: existe uma série de objectos
exteriormente reconhecíveis (bolas e tapetes) e também a presença de outros
corpos além dos nossos que observam, outras “figuras”. Esta empatia através de
um palco aqui criado reintroduz a presença projectiva do
observador-participante, não apenas documentando uma situação mas criando uma
situação/espaço, que de forma explícita nos coloca mentalmente no centro das
atenções.
Este foco de atenção não se deseja voyeurístico, como
refere a própria artista, mas antes relacional no sentido interior e exterior,
espaço público e espaço privado, numa troca de olhares e de posturas que se
prende com a nossa própria condição de visitantes. É neste preciso momento que a noção de participação é
estilhaçada pela proposta, distinguindo temporalidades e colapsando, ou desconstruindo,
a noção limite que temos da obra de arte contemporânea.
Como diversas vezes Dominique afirmou, Pynchon Park
reabre a questão sobre o conceito de lugar: Este aspeto crítico é de capital
interesse para a artista e parece estar também na agenda do mundo de hoje, nas
definições de fronteira, na criação de barreiras e muros, no fluxo de gentes
anónimas obrigadas a deslocar-se entre geografias, ou mesmo a geopolítica do
terrorismo. É nesta estranheza e neste limite entre o material utilizado para a
construção de uma situação e o assunto em si mesmo que Pynchon Park produz o
seu maior efeito.
Quando nos
aproximamos de um dos portões somos confrontados com uma escolha: entrar ou
permanecer a olhar de fora para dentro. Uma vez dentro do recinto, temos “obrigatoriamente”
que esperar determinado tempo até que os portões se abram novamente. Enquanto
dentro do recinto, uma panóplia de objectos estão à nossa mercê de manipulação,
ainda que restritiva.
Podemos
sentar-nos, deitar-nos, caminhar em torno, esperar, conversar ou permanecer em
silêncio. Cada livro colorido corresponde a uma “zona” onde é possível criar
uma situação de isolamento, ou pelo contrário, uma zona de diálogo e de
contacto.
O som desta obra é de apaziguador, ondas, sons que ligamos directamente
à ondulação do mar… Dentro do recinto o jogo das percepções mantém-se até
decidirmos que termina, mas é nesta transferência, da decisão de deambular ou
permanecer quieto, que Dominique é mais eficaz; como na história original,
estamos a ser “observados” não sabemos muito bem por quem… Pelos alienígenas
que nos resgataram dos restantes, ou de nós mesmos, duplos, e daí ser o drama
que este trabalho impõe: os estranhos, os verdadeiros extraterrestres, não
seremos nós mesmos?
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