A descoberta de um novo museu é quase sempre um prazeroso desafio que acontece entre o momento que nos preparamos para a visita, a visita em si e o impacto que ela tem sobre nós. No último 15 de maio, “Noite Europeia dos Museus”, pude acompanhar a visita guiada ao Museu da Farmácia de Lisboa, realizada pelo diretor deste museu, o historiador João Neto.
O Museu da Farmácia é um museu privado, inaugurado em 1996, a partir do desejo das Farmácias Portuguesas em preservar a sua história. Grande parte do acervo advém de doações, sendo adquiridas sobretudo peças internacionais. Em Lisboa, são 2 pisos visitáveis, o primeiro ligado à história portuguesa das farmácias, e o segundo, ao que seria a história universal da saúde. Trata-se de um museu que abrange uma história que data de 3.500 mil anos a.C e chega até os dias atuais, colocando-se como um museu de história universal, em que a história é contada por meio de um espaço de luz difusa e um corredor de objetos de arte e design, artefatos que nos dão uma visão prioritariamente cronológica dessa história.
Algumas obras presentes nesse percurso guiado são marcantes: o sarcófago egípcio é uma das estrelas. E ao falar da motivação da pintura dos olhos, das perucas banhadas com óleos essenciais e fazer um paralelo entre isso e a função dos óculos de sol e a do protetor solar na atualidade, o diretor nos instiga e continua… São mostrados a todos vasos esculpidos, nos quais podemos perceber as partes internas do corpo, e fala-se de um xamã que é capaz de usar este vaso para ver dentro do corpo doente e curar a doença, demonstrando-nos uma prévia do que seria o desejo humano de criar algo que seja capaz de ver dentro do corpo – o raio-X seria criado apenas séculos mais tarde. Também nos são mostrados vasos italianos coloridos com imagens de santos que, pintados de azul – simbolizando o manto de Nossa Senhora –, carregaram ali um remédio santo, um belo exemplo de comunicação e marketing usado pela Igreja Católica no período da Peste Negra. Na tendência de ligar a história dos artefatos ao contemporâneo, não poderia faltar um exemplo de fake news, que se dá a partir de uma peça que seria supostamente o que foi chamado de “cintos de castidade”, uma história criada pelo Iluminismo para demonstrar o quanto nos tempos anteriores havia todos os tipos de coisas terríveis, em oposição às luzes do movimento, mas que, na realidade, eram instrumentos usados como forma de punição e não como proteção de abusos.
Poderia continuar aqui a falar de tantos outros inúmeros objetos que nos foram mostrados e que poderiam muito bem ser vistos em outros museus, como o de Arte Antiga, o de Etnologia ou de Tecnologia. No entanto, o interessante aqui é o contexto dado às peças. Durante toda a visita, João Neto fala desse contexto o qual tais objetos foram produzidos, assim como os conecta com o presente. Tal fato torna a visita (e o museu em si) muito apelativa, pois não parece um espaço parado no tempo, ao contrário, está sempre a falar-nos sobre o presente. Apesar de termos em mostra uma coleção de objetos estáticos, a visita é dinâmica, apostando em objetos específicos e nas ligações destes com a contemporaneidade, uma forma muito inteligente de nos manter interessados; qr-codes estão espalhados por diversas partes do percurso e vão nos dando informação adicional, por meio de vídeos hospedados no canal do Youtube do museu.
A única ressalva que fica é: será que sem a visita guiada, o museu teria o mesmo impacto no visitante? Não se trata de um museu muito interativo, o não tocar aqui é soberano, então, questiono-me se, sozinha, o impacto teria sido o mesmo. É importante aqui sinalizar que o museu tem uma programação educativa muito rica: são vários os percursos propostos, dentre os mais recentes, percursos inspirados nos livros de Sherlock Holmes e Agatha Christie; há também caças ao tesouro, clubes de leitura, oficinas e workshops, dentre outras atividades. A presença online também é interessante, entretanto, divergente entre conteúdos nos quais se vê uma criação adequada para determinada plataforma, como os vídeos do Youtube ou a página do Instagram e Facebook, ao mesmo tempo deixando a desejar em outras frentes, quando propõe ao visitante na bilheteria de fazer o download de um guia em pdf, nada adaptado para a leitura, a partir de um ecrã, como o do telemóvel, ou quando propõe, mediante o seu site, fazer o download de desenhos dos mascotes do museu para pintar.
A reflexão é necessária, porém não posso deixar de aconselhar vivamente uma visita, caro leitor, para que com os seus olhos possa ver e tirar as suas conclusões. Tendo a minha experiência sido aquela de uma visita guiada, que te instiga a pensar para além do óbvio, com ritmo e duração justos, com uma coleção apelativa, aqui deixo a sugestão de fazer, talvez, a visita presencial, primeiramente, antes de aventurar-se pelo site do museu, pois creio que será mais cativante. Ir até o museu, vivê-lo, experimentá-lo por meio dos seus espaços e dos seus profissionais, é, sobretudo no momento em que vivemos, valorizar a sua existência e contribuir tanto para a preservação dos espaços museais, quanto para a permanência daqueles que mantêm preservada uma parte importante da história universal.
Serviço:
Museu da Farmácia Lisboa
Rua Marechal Saldanha 1
1249-069 Lisboa
Marcações:
Tel.: (+351) 213 400 688
E-mail: museudafarmacia@anf.pt
10h00-18h00, dias úteis (última entrada: 17h30)
10h00-13h00 | 14h00-18h00, sábados (última entrada: 12h30 | 17h30)
24 de dezembro, 10h00-13h00 (última entrada: 12h30)
31 de dezembro, 10h00-13h00 (última entrada: 12h30)
Encerrado: domingos, 25 de dezembro e 1 de janeiro
Visitas em grupo: público e escolas, por marcação prévia
(Sujeito a alterações consoante as medidas sanitárias em vigor).
Entrada Adulto (+18 anos): 6.00 €
Entrada Estudante: 4.00 €
Entrada Sénior (+65 anos): 4.00 €
Entrada Familiar (2 adultos + 2 crianças): 16.00 €
Crianças 0-5 anos: gratuito
Lisboa Card: -20% em qualquer tipo de bilhete
(Grupos, percursos guiados e atividades do museu, favor conferir por meio das redes sociais ou entrando em contato diretamente com o Museu).
Facebook @museufarmacia
Instagram @museudafarmacia_pt
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