O confronto com o imaginário do artista João Tabarra é sempre uma experiência essencial de questionamento e auto-análise.
Biotope
De João Tabarra
Curadoria de Nicole Brenez
Colégio das Artes da Universidade de Coimbra
20-11-2015 a 22-01-2016 || 14h-18h (fecha sáb. e dom.) || Gratuito
Reconhecido criador de projectos com forte missão
reflexiva sobre o papel social e político do indivíduo, Tabarra,
no seu mais recente projecto, Biotope, impressiona pela dimensão física
já conhecida das imagens que dedica ao espectador, mas essencialmente pelo
tempo que a sua performance fotográfica exige do mesmo.
Biotope, parece evidenciar uma continuidade com o trabalho
apresentado na Galeria Filomena Soares, em Lisboa, em 2014, Discrepant, onde o artista aborda a
criação do universo em compassivo paradoxo com as ligações humanas. Em Biotope, Tabarra confronta-nos com o Homo
sapiens em completo estado de autismo com o facto definitivo de que partilha
um espaço comum com todas as outras espécies do reino Animalia.
A exposição com curadoria de Nicole Brenez, professora
e teórica de cinema, desdobra-se por 4 salas, inseridas no belíssimo edifício
claustral do colégio das Artes em Coimbra. Na primeira sala estão reunidas
imagens que nos remetem para uma reflexão sobre a nossa origem e o lapso evolutivo
que existe entre espécies. O desejo secreto de uma reflexão que nos deixe
prostrados perante o ‘outro’ (simbolizado pelo chimpanzé embalsamado) (Figura
1). Nós enquanto o ‘outro’ a caminhar pelo inóspito, consciente ou
inconscientemente, arquitectado (Figura 2). Este binómio do ‘eu’ e o ‘outro’
sempre presente no trabalho de Tabarra, e a inevitabilidade de nos obrigar a
experienciar o ‘outro’, de nos colocar na pele (corpo) desse mesmo ‘outro’.
Na segunda sala, a
subversão imagética de Tabarra leva-nos a questionar o lugar de cada espécie no
planeta, a inevitabilidade da morte e a necessidade utópica da coexistência equilibrada
do ‘eu’ com o ‘outro’ (Figuras 6, 7 e 8).
A ecoar por toda a exposição ouve-se uma voz no feminino e ao entrar na terceira sala percebe-se que se trata de uma instalação audiovisual em que a filósofa Elisabeth de Fontenay lê excertos do seu livro Le Silence des bêtes. La philosophie à l’épreuve de l’animalité, sobre a imagem permanente de um eclipse, subvertendo-se esse raro e curto momento em que nos é retirada a luz, ao perlongado tempo que as palavras demoram a ser lidas (Figura 9).
Por fim e depois de
ouvirmos Fontenay a questionar a razão pela qual não é considerado homicídio
premeditado o que fazemos às outras espécies, deparamo-nos com um espelho e
somos obrigados a olharmo-nos, no último tríptico fotográfico. Tabarra enquanto
nós próprios no corpo do ‘outro’, olha-se prolongadamente a um espelho e
denomina cada imagem de um estado de consciência: confiança, medo e desejo
(Figura 11).
Talvez envolto pelo
terceiro, o artista termina com a imagem que serve também de capa ao livro homónimo
(com edição da Arranha-Céus e lançado ao público aquando da inauguração da
exposição) e que mostra um reflexo humano em comunhão com a natureza (Figura
12).
Denuncia-se assim
Tabarra, “anarca participativo”1
e generoso, através da imagética das suas performances, enquanto espelho de uma
consciência perturbadoramente culpabilizante mas vital. Talvez valha ainda a
pena recuperar algumas das suas palavras, quase rudes mas não menos precisas,
durante a conferência que antecedeu a inauguração da exposição: "Dizemos que os nazis são bestas mas as bestas são
as vacas e os bois - e esses não fazem mal nenhum. Nós, os seres humanos, somos
outra coisa. (...) Por mês desaparecem mais de duas mil espécies e o homem
também vai desaparecer. Biotope é sobre a criação, mas também sobre a extinção.
Sejam boas pessoas e não ovelhas."
1 pelo próprio na entrevista com
Cláudia Marques Santos. Aqui: http://ifyouwalkthegalaxies.com/joao-tabarra/
Figura 1: Da esquerda para a direita: “Intégration du vivant, moment 1” 2015; “Intégration du vivant, moment 2” 2015; “Intégration du vivant” 2015. |
Figura 2: “Terroir, passage” 2015 (tríptico). |
Figura 3 - Em primeiro plano: “Intégration du vivant” 2015. Em segundo plano: “Question Politique” 2015. |
Figura 4 - “Intégration du vivant, moment 2” 2015. |
Figura 5 – Da esquerda para a direira: “Aceptation” 2015; “Masques sous camouflage” 2015. |
Figura 6 – “Aceptation” 2015. |
Figura 7 - “Masques sous camouflage” 2015 (díptico). |
Figura 8 - “Question Politique” 2015. |
Figura 9 – “Eclipse, Elisabeth de Fontenay, reads the silence of the beasts”, 2015 (frame do filme). |
Figura 10 – Da esquerda para a direita: “Peur” 2015 e “Desir” 2015. |
Figura 11 – Da esquerda para a direita: “Confiance” 2015; “Peur” 2015 e “Desir” 2015. |
Figura 12 - “Miroirs grotte” 2015. |
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