quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A humanidade de um livro e a doçura da sua história // Chivalry de Neil Gaiman e Colleen Doran



Chivalry é um livro de banda desenhada escrito por Neil Gaiman e desenhado por Colleen Doran, que conta a história de Mrs. Whitaker, uma senhora idosa do nosso contemporâneo, que encontra o Santo Graal numa loja de caridade e é visitada por Sir Galaad, cavaleiro da Távola Redonda.


A humanidade nas histórias de Gaiman não é novidade. Trata-se de um autor capaz de descrever os mais poderosos deuses, lendários heróis, criaturas celestes e demoníacas com tamanha compaixão, que por momentos nos esquecemos do poder icónico que essas figuras já tiveram no passado - a figura de Sir Galaad passa por esta humanização.


Aliás, nesta história parece que os papéis de figura fabulosa e de cidadão comum se invertem: pois a sabedoria e poder que Mrs. Whitaker tem sobre Galaad elevam-na do seu estatuto de cidadã sénior britânica para o de uma Circe bondosa que visita a amiga ao hospital e come torradas com queijo ao almoço; deixando ao cavaleiro lendário um papel de herói menor que ultrapassa os pequenos obstáculos quotidianos sem ser sequer a personagem principal.




Contudo, é a arte de Doran que dá a ver a humanidade desta história, e aquilo que me torna o livro tão querido. No entanto, apesar de as páginas serem desenhadas à mão; pintadas de tons claros, a aguarelas Daniel Smith, num caderno Strathmore 500; de incluir caligrafia e iluminuras incorporadas nos desenhos - aquilo que torna esta história tão doce transcende todo o processo manual.





Se assim fosse, podia-se saltar toda a história e dedicar o nosso tempo às notas finais e às imagens dos esboços de Doran, no fim do livro. Mesmo que seja sempre uma descoberta agradável, saber que se pode espreitar por detrás da cortina, não é isso a que me refiro.


Ainda que a casa de Mrs. Whitaker seja baseada numa casa existente, de o desenho da maioria das personagens ser baseado em pessoas reais próximas da artista - dois serviços de chá de Doran também têm uma aparência - o fator humano da história não é o seu realismo.


Para apanharmos um vislumbre desse je ne sais quois, é preciso abrandar o nosso olhar de modo a acompanhar o quotidiano de Mrs. Whitaker, aqueles pormenores da sua vida - aqueles que à primeira vista não são importantes para saber se a senhora sempre vai dar o Santo Graal ao pobre coitado do cavaleiro, ou não. É necessário ler a sua conversa com Mrs. Greenberg, pensar no quão apetitoso parece o seu bolo de groselha, apreciar o seu jardim e o seu humor. É preciso olhar para Galaad com os seus olhos e ver um moço simpático e bondoso que a ajuda a limpar o pó, deixa as crianças montar o seu cavalo, e que volta sempre com uma nova oferenda e o mesmo olhar maravilhado.





Resumidamente, hoje reli o livro para poder escrever este texto e posso afirmar que a doçura desta história põe-me sempre a sorrir quando acabo de ler - mesmo que tenha sido uma leitura rápida para tomar notas para este post.


ps: este post foi originalmente postado a 14 de dezembro de 2022, mas editado pela última vez a 20 de dezembro de 2022 para adicionar imagens do livro.


Sem comentários:

Enviar um comentário