sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

"Kontrabando 1 produção Pirata"



À porta, no Porto, rua dos caldeireiros, de frente para “Uma certa falta de coerência”. Conhecido como Pirata assina El Pirata e a exposição foi “Kontrabando 1 produção Pirata”, de 04 a 25 de Novembro.

Pedro Pirata vive em condições precárias, é um recolector. Anda pela cidade. Vive do que angaria na rua, dos objectos que recolhe e transforma como acto de sobrevivência. O que faz inclui o vício. Vende o que reúne, para comprar  e suportar a vida nesse espaço, onde o fazer implica destruição. Habita num espaço possível. Convive com fragmentos de acasos que une para encontrar sentidos.

Os artistas André Sousa e Mauro Cerqueira responsáveis pelo espaço “Uma certa falta de coerência” desta vez, em simbiose com os feitos do Pirata, procuram encontrar sentido com esta proposta de exposição. Questionam a ideia de artista ou de comunidade artística e a forma como uma interroga a outra, propondo num movimento naif, uma orientação intelectualizada de retorno à génese do próprio espaço, à interrogação, ao auto-questionamento. Propõem o Pedro enquanto habitante do espaço, como lugar que o altera e pressupõe.

“Uma certa falta de coerência” é um espaço independente fundado neste modelo de teste às próprias condições do lugar e de quem o organiza. Embora num tempo sirva de abrigo ao Pirata, o questionamento entre quem faz e organiza e quem organiza e faz, prevalece a qualquer tipo de acção social. A exposição afirma-se como sendo pensada em prol desse questionamento e não de uma serventia. Sobre os que servem, André Sousa e Mauro Cerqueira, este espaço desloca-se para eles mesmos, são receptivos a  apoios exteriores mas  sobrevivem essencialmente num regime de auto-gestão, distantes das instituições que os albergam enquanto fazedores de arte.

“Kontrabando 1 produção Pirata” parece sugerir uma crítica à frenética condição de recurso a financiamentos exteriores justificada pelos que adequam o desígnio da atividade artística ao apelo de serviço à comunidade. O carácter aparentemente inclusivista desta exposição é efémero: surge como ressonância do pulsar dos tempos. O artificio de inclusão do El Pirata no elenco da programação de exposições é uma nota de eventual  dissonância  que poderá evidenciar o artificio de candidaturas a subsídios justificados por indicadores europeus. É um evento esporádico que parece “picar-nos” com a crueza da realidade social e da  condição de artista .

Lembro-me do cheiro proeminente da exposição. Senti a estranheza de mim pelo cheiro que se colava ao percorrer o que me era dado a observar. Tudo parecia possuir um cheiro que contribuía para um outro cheiro global. Quando estava de saída da exposição, o Pirata ofereceu desenhos. Aceitei um e senti que tinha acabado de contribuir para esta efemeridade de um  cheiro, que não é contínuo, que acontece, também ele, de forma esporádica.

O artista precisa tanto daquela casa como da exposição para habitar. Definitivamente  não se dão casas às pessoas e as pessoas tem que ter sítio para morar. O trabalho de Pirata parece residir na arte e engenho de abrigar o próprio corpo. Esta exposição evidencia questionamento em relação à interacção da arte com a comunidade, com o quotidiano das cidades e das pessoas que a habitam  mas parece não servir parte da comunidade questionada. Nesta exposição o espaço escolhido mostra-se fisicamente pela identidade com o trabalho do artista que o habita, de forma especifica, revelando a intencionalidade dos programadores / artistas.







Copos de vidro e garrafas penduradas, seringas, desenhos, frases, colagens, recortes, formas de alumínio pelo chão ou compostas pela parede, papeis, sprays e o cheiro. Percorri a exposição e na segunda sala à entrada estava um livro no chão entre a ombreira da porta e uma planta, “Princípios gerais de direito – uma perspectiva  politológica”  senti-lhe logo o cheiro. Esta sala precedia uma outra vazia, com o chão coberto de folhas. Estava escuro, Outono, as folhas caíram, foram coleccionadas e colocadas de forma a fazerem outro chão. O tempo passou como nós sobre o manto castanho amarelado do chão para outra das salas. Ali o rodapé era definido por garrafas de alumínio e tantas outras coisas pelo chão, no tecto, a pairar.

Persiste a interacção artista/ obra / público, fecha-se para reabilitar a obra como vida embora tanto a obra como a vida pareçam suspensas à espera do acaso, como previsibilidade.

Dia dois de Dezembro o artista Bruno Cidra procura abrigo com “uma certa falta de coerência”  e dá continuidade à programação do espaço número 7 da rua dos Caldeireiros.





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