Piet Oudolf: The garden as a mirror of life
“O jardim é uma forma de dizer que há lugar para o sonho na terra.
É um espaço pequeno onde o homem recria o mundo, à sua medida, onde tenta corrigir a natureza, dar-lhe a ordem que ela não tem.
O jardim é o lugar onde o humano e o natural se encontram, onde a mão do homem não destrói, mas guia.
Talvez o paraíso seja apenas isto: um pedaço de terra onde tudo está em equilíbrio, onde o trabalho é também contemplação, e o tempo, finalmente, tem o tamanho de uma flor.”
- Deste mundo e do outro, José Saramago, 1971
A origem do jardim
A princípio, quando pensamos na palavra jardim, instintivamente podemos imaginar algo belo, agradável e até mesmo paradisíaco. Na verdade, este conceito cresce em nós muito subconscientemente, através de concepções ocidentais judaico-cristãs. Se recuarmos àquele que é considerado o início da criação, Adão e Eva vivem no jardim de Éden, um jardim divino, recheado de todo o tipo de árvores e frutos, banhados por um rio que os nutre. Éden, tal como o nome indica, deriva do Aramaico (língua semítica), que significa "frutífera e bem regada".
Este paraíso privativo nasce na Mesopotâmia (atual Iraque), berço dos primeiros jardins. Pensa-se que os mais antigos jardins sejam “Os jardins suspensos da babilônia”, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Embora não haja muitas informações concretas sobre a sua forma e dimensão, encontram-se vestígios arqueológicos de um poço construído para bombear água.
Pode-se dizer que, no geral, foram as antigas civilizações áridas, a Pérsia, Egito e China, onde se evidenciam os primeiros vestígios. O jardim surge como refúgio do clima quente e seco, onde a água mostra-se um recurso fundamental e os canais de irrigação uma criação mágica. Estes jardins eram compostos por árvores frutíferas que produziam sobra, mas também por plantas de uso ritual, organizadas sistematicamente em blocos ortogonais e geométricos.
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Podemos assim determinar que desde dos primórdios, o jardim materializa-se como uma expressão visual da necessidade Humana de controlar algo que é espontâneo. A natureza selvagem e imprevisível, é moldada através de uma tentativa de impor a forma de quem o idealiza. Ao traçar, delimitar, escolher o que irá ocupar aquele espaço, o Humano transforma o espaço natural numa extensão da sua cultura, é dessa forma um ecossistema único, uma junção entre o instinto e a razão. O jardim surge desta vontade de habitar num espaço indomável.
"God Almighty first planted a garden. And, indeed, it is the purest of human pleasure. It is the greatest refreshment to the spirits of man, without which, buildings and palaces are but gross handiworks. And a man shall ever see that when ages grow to civility and elegance, men come to build stately, sooner than to garden finely – as if gardening were the greater perfection."
- Of Gardens, Francis Bacon, 1625
Durante séculos, para além de um espaço de contemplação e interação com a natureza, foi também um símbolo de poder e de status social. A sua forma, dimensão e localização refletiam a posição do proprietário na hierarquia social e metaforicamente, o grau de domínio que este exercia sobre a natureza. No entanto, com a crescente consciência ecológica e a democratização deste espaço, o jardim deixou de ser um símbolo de posse, para poder ser um espaço de partilha e coexistência. É neste contexto que Piet Oudolf trabalha, revolucionário no cenário paisagístico contemporâneo.
“For me, garden design is not just about plants, it is about emotion, atmosphere, a sense of contemplation"
Oudolf, nascido em 1944 nos Países Baixos, garden designer e paisagista, propõe uma nova ética: o jardim como organismo vivo, em constante transformação, que celebra o passar das estações, o envelhecimento e a morte das plantas.
A sua abordagem é categorizada pelo movimento perennial (do qual é pioneiro), um estilo de plantação naturalista com um grande foco ecológico, direcionado para o planeamento específico do local e atento às características específicas das plantas que o integram, em todas as fases da sua vida. É, no seu todo, um projeto pensado para evoluir, crescer, transformar-se e interagir com o clima (e com o inesperado). A estética dos seus designs surge do movimento e da mutação, não da permanência.
Dentro dos diversos projetos aclamados em que já trabalhou, o mote é sempre o balanço entre a espontaneidade e o controlo, que consegue alcançar através do conhecimento extensivo que tem sobre o carácter de cada planta.
| Proposta de esquema visual para o Queen Elizabeth Olympic Park, em Londres |
| Proposta de esquema visual para o Oudolf field na Durslade Farm |
“To me, plants are personalities that I can use and arrange according to their appearance and behaviour. Each one “performs” in its own way, but in the end an interesting play needs to emerge from it”, diz Oudolf.
Aquilo que me cativa pessoalmente, é exatamente aquilo que o distingue dos demais. Apesar de todo o trabalho projetual expressivo que existe por detrás (motivo pelo qual o seu trabalho inicialmente me cativou) do seu aspeto visual, meticulosamente desenhado para jogar com as nossas concepções sociais daquilo que é considerado selvagem, no entanto os seus jardins são tudo menos selvagens, são um balanço entre composição e “comunidade”, como ele designa, entre diferentes tipos de plantas com fraquezas e forças distintas dependendo do seu período de floração e ciclo de vida. A beleza está neste encontro de espécies, que nos providenciam uma experiência sensorial ao longo de todo o ano, acentuando tanto a decadência como as fases de alta temporada da planta.
No filme “Five Seasons: the Gardens of Piet Oudolf” dirigido por Thomas Piper, somos convidados a entrar dentro do mundo pessoal e no backstage do trabalho de Oudolf. Aquele que inicialmente seria um breve documentário sobre a vida do designer, transformou-se num grande poema visual, dividindo a sua narrativa pelas estações do ano e as transformações daquele que é o seu meio de trabalho (plantas) e também uma extensão da sua vida.
Como diz no filme, “I think it’s the journey in your life to find out what real beauty is of course, but also to discover beauty in things that are, on the first sight, not beautiful.”, esta uma das grandes questões que me intriga no seu trabalho, Piet faz-nos questionar novas formas de olhar o belo, questionar o que é na verdade a ideia de beleza e direcionar o nosso olhar para o que sempre lá esteve, mas que nunca foi apreciado e visto verdadeiramente.
| WINTER, Five Seasons: The Gardens of Piet Oudolf |
“(...) Beauty in death, beauty in decay, beauty in the unexpected (...)”, diz Piet, é algo que nos deixa a pensar sobre a nossa visão do mundo, nos nossos estereótipos daquilo que é a natureza bela, daquilo que pode ou não ser bonito e numa extensão deste conceito, aquela que é a necessidade humana da beleza constante e previsível. Aquilo que o trabalho de Oudolf nos convida a pensar é uma visão da beleza, não como a ausência de imperfeição, mas a presença da vida em todas as suas fases, onde o decadente não é feio, mas sim, outra forma de existir.
| Oudolf Garden, Hummelo, Países Baixos |
Atualmente, Piet trabalha no seu estúdio privado em Hummelo, nos Países Baixos, onde vive com a sua esposa Anja e em conjunto trabalham no seu jardim privado e laboratório/ enfermería de todo o tipo de plantas (que esteve aberto ao público ao longo de 40 anos, encontra-se encerrado desde 2018). Aqui, foram feitos ao longo de 28 anos estudos das potencialidades das plantas que viriam a ser a assinatura pessoal de Piet. Hoje este espaço ocupa um “wild meadow”, um projeto onde ambos experienciam as potencialidades da combinação das plantas restantes da enfermaria com plantas gramíneas e ervas nativas cultivadas no espaço. É uma continuação natural do seu trabalho de design com uma abordagem exploratória entre a linha que separa o controle e a liberdade.
Piet Oudolf surge para mim como uma figura de grande interesse na minha prática artística (e não só), pela sua visão que destaca o momento efémero, a valorização da imperfeição e o encontro do sublime na transitoriedade, desse modo questionando esses mesmos conceitos. A estrutura e a forma ganham presença e são vistas como um todo, muito mais do que o momento único da floração, o jardim ganha uma profundidade temporal, preservando sempre o ciclo natural do ecossistema criado.
Existe neste olhar sobre as plantas algo intrinsecamente humano, o jardim resiste à passagem do frio, seca, floresce e renova-se. A passagem do tempo, a resistência e as fragilidades são um espelho da vida: onde se celebra tanto a juventude mas também o processo natural de envelhecimento. É um processo que nos leva a olhar para nós: a valorizar o momento presente, mas também a reconciliar-nos com a nossa própria finitude.
Piet e Anja Oudolf no seu jardim privado, Hummelo, Países Baixos
“O meu trabalho é sobre a vida e a morte, sobre aceitar que tudo muda.”— Piet Oudolf