quarta-feira, 29 de outubro de 2025
Origem da sinalética: quando o ser humano começou a comunicar no espaço
Sombra a Sombra
Sombra a Sombra
De Sombra a Sombra vejo
uma Sombra de cada vez.
É um verso da letra de uma música de Amália Rodrigues que dá nome ao álbum da artista Milhanas. E assim, um sentimento de quem se revê nas letras que ouve é descoberto. Este é o efeito que os temas do álbum Sombra a Sombra causam quando ecoam no nosso ouvido, no nosso corpo e até na nossa alma. Podia seguir-se uma descrição de letras e músicas que explicassem de forma literária o sensorial dos temas de Milhanas. Mas, não. Isso seria tirar o efeito sentimento expontâneo em quem quer que lesse este comentário e por curiosidade fosse ouvir o álbum. Envés disso, este comentário será ambíguo e, talvez, pouco revelador e misterioso, chegando até a ser confuso. O que são as Sombras a que Milhanas se refere? Certamente não serão aquelas regiões escuras formadas pela obstrução de luz por parte de um determinado obstáculo. Mas talvez sejam isso, obstáculos. Obstáculos que não se veem, no entanto, sem dúvida que se sentem com uma intensidade quase inexplicável. A verdade, é que todos temos este lado Sombra. Alguns mais visíveis que outros, mas todos o temos Lá. Lá nas catacumbas do nosso ser. Escondidas, ocultas, a tentar passar pelas frechas de dor que sentimos ao longo daquilo que chamamos de vida. E quando é que estas Sombras se veem? Quando é que aparecem os obstáculos? Talvez, os obstáculos sempre lá estiveram e apenas quando entra um pouco de luz em nós se formem as Sombras. Talvez aí as possamos ver e compreender o que são estas Sombras, todas as suas formas, e de onde vêm. Não é fácil, atenção, muitas vezes olhamos para elas, mas não as vemos tal como são. A luz muda e as Sombras tomam várias formas. É difícil e demora tempo até que percebamos as dimensões do obstáculo. No início, é assustador, a Sombra é, tal como o nome indica, sombria. É difícil confiarmos no que não vemos e no que vemos com várias formas. Mas a luz vai entrando. E quanto mais olhamos para a Sombra mais forte a luz incide e mais nítida a Sombra se torna. Talvez as Sombras não sejam o oposto da luz, mas o seu reflexo mais honesto e verdadeiro. E, talvez, as várias formas que tomam demonstrem todas as verdades que há nelas e em nós. Talvez existam apenas para nos lembrar que a claridade, quando chega, não vem sozinha — revela consigo o contorno do que ainda não compreendemos. O contorno do obstáculo que tentamos perceber. É neste espaço que muitas vezes nos encontramos e que Milhanas parece cantar. Um espaço intermédio onde a luz não cega, mas também onde já não temos medo do escuro. As Sombras de que fala e que todos temos são obstáculos humanos: são memórias, fragilidades, saudades, histórias que não aceitamos, partes de nós que tentamos esconder até de nós mesmos. Que insistem em permanecer escondidas, mas que também nos definem. Temos sempre esta tendência e necessidade de esconder aquilo o que em nós não gostamos. Sem nos apercebermos que quanto mais fugimos, mais a Sombra cresce e mais nos define. Ouvi-la é quase como um olhar para dentro do nosso ser — uma viagem pela matéria invisível das emoções, agora visível, definida pela Sombra. Parafraseando, "De sombra a Sombra vejo", vemos, as formas, reconhecemos a verdade e escolhemos, no lugar da Sombra, retirar o obstáculo e deixar a luz entrar. Dizem que a melhor arte vem dos lugares de maior sofrimento e dor e que os melhores artistas são os que mais sofrem. Não sei se será verdade. Para mim, esse tal lugar, pode ser uma Sombra. Não é necessariamente um lugar de dor, será se a deixarmos estar. Se não a quisermos ver e curar. Entretanto, se nos permitirmos olhá-la e aos seus contornos, pode ser que se torne na maior arte que alguma vez criámos. No fim, Sombra a Sombra é um convite a aceitar essa coexistência: o claro e o escuro, o que mostramos e o que escondemos, o que sentimos, o que reprimimos e deixamos por dizer. Entre a voz suave e a densidade das palavras, Milhanas constrói um espelho — e cada um de nós vê ali, no reflexo, o que consegue e suporta ver, de Sombra a Sombra, uma Sombra de cada vez.
https://open.spotify.com/intl-pt/album/0ozAQXRCGl3YchkCIvD9ib?si=xE3z3G_pRJqqa-kpRe-jbg
Azulejo Publicitário em Portugal
Ao passar por Porto de Lagos, há alguns meses atrás, deparei-me com um painel de azulejos no qual se encontrava representada uma paisagem composta por uma praia, uma chaminé típica do Algarve e flores. No centro, destacavam-se as palavras: “Algarve... e Schweppes”. Mais tarde, descobri que existem vários painéis publicitários em azulejo da mesma campanha, espalhados por diferentes locais do Algarve.
terça-feira, 28 de outubro de 2025
O Habitat do Jovem Artista - Espaços de Exposição Alternativos
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2. Vista da exposição "Nada Mais Que Isto", escrito "conteúdo <3" na porta do frigorífico.
3. João Marques, Sete dias, 2024
4.Mapa da exposição "Nada Mais Que Isto".
5. coletivo ssensível, conteúdo ssensível, 2025. livro de artista à venda na exposição.
6. André Carreiro Oliveira, Grifo, O Trampolim Vertical, 2025
7. Sarah Pripas, Deixei a luz e fiquei com o ponto, 2024
8. Mapa da exposição "Brincar É No Pátio"
9. Wesley Barros, na minha casa a água da sanita é bebível, 2025
10. João Salvador, Armadilha, 2025
11. Rita Fonseca, Sem Título, 2025
12. Mapa da exposição "Vogados"
segunda-feira, 27 de outubro de 2025
Gatafunhos, Garatujas e outros Rabiscos
A experiência de dar aulas de ilustração a alunos que, na sua maioria, têm uma aprendizagem muito reduzida na técnica do desenho faz-me frequentemente chocar com o facto de todos nós carregarmos preconceitos e expectativas acerca do que deve ser a “boa” arte ou o “bom” desenho (ou, às vezes, tão somente daquilo que deve contar como arte) que tendem a funcionar como elementos inibidores e paralisantes da criação e da criatividade.
Forçar estes alunos a desenharem apesar dos seus entraves, apesar dos seus critérios de perfeição, é quase sempre uma experiência inicialmente frustrante ou mesmo dolorosa. Mas quando o processo corre bem é quase sempre porque se deu uma reconciliação com o que o aluno via como um defeito, uma insuficiência. Como se a dado momento o desenhador se passasse a identificar com as suas imperfeições naturais e passasse a ver nas suas idiossincrasias e nos seus trejeitos naturais uma forma de expressão pela qual se pode responsabilizar e passar a cultivar. Neste processo eu acho que encontramos um acto figurativo de dar à luz, de fazer um objecto passar de um mundo a outro, passar de um mundo de objectos acidentais para o mundo dos objectos intencionalmente artísticos.
À maneira de método maiêutico do Sócrates de Platão, o papel do professor de desenho também tem qualquer coisa de parteira, ajudar o aluno a reconhecer os seus gestos e os seus traços no papel como sendo unicamente seus, criaturas suas, e transportá-los para o mundo dos objectos da arte.
O mundo está cheio de linhas e traços que foram deixados órfãos, que nunca ninguém perfilhou ou neles reconheceu um acto criativo, e nesse sentido é quase sempre encantador encontrarmos espalhados em cadernos e papéis soltos os rabiscos que a humanidade sempre produz quando está entediado numa sala de aula, a conversar ao telefone ou sentado numa mesa de um café à espera de alguém. São milhões de folhas e folhinhas, post-its e caderninhos, margens de jornal ou talões de supermercado, que acabam órfãos num qualquer caixote do lixo próximo. Mas quantos daqueles gatafunhos não conterão linhas e arranjos originais, modos de traçar, preencher e texturar que nunca ninguém tinha feito antes? Quantas dessas garatujas nas mãos do artista certo não teriam motivado movimentos estéticos e artísticos inteiros? Um mistério de estatística incerta.
Felizmente, alguns desses rabiscos são acidentalmente preservados por motivos insuspeitados e que nada têm que ver com o mundo da arte. É o caso dos rabiscos que se encontram no Arquivo Histórico do Banco de Nápoles e que adornam centenas de páginas de extratos contabilísticos e outros documentos bancários.
Os chamados scarabocchi (a expressão inglesa doodles é já quase universalmente reconhecida para nomear estas marcas no papel) deixados pelos contabilistas e guarda-livros dos séculos XVII e XVIII, encontram-se por todo o lado nestes documentos, entalados entre colunas de números, nas guardas das capas, nas margens das folhas.
Estes rabiscos não nasceram de um impulso artístico no seu sentido convencional, nasceram antes da monotonia e do aborrecimento. Os escriturários e contabilistas dos banco públicos de Nápoles - funcionários destacados com a função de registar e copiar as mesmas transacções dia após dia - viviam um universo de tédio e de repetição. E, aqui, os desenhos parecem exercer uma função de libertação, de mergulho parcial num qualquer outro mundo que comunica com a nossa rotina trivial sem darmos por isso.
Não é minha pretensão convencer ninguém que leia este modesto texto de que os arquivos escondem grandes e geniais obras de arte. Provavelmente nem uma. O meu objectivo é antes apontar para a ténue membrana que pode separar a intenção de produzir arte do fluir espontâneo e desinteressado da nossa mão. Essa membrana é ténue de facto e, para ser rompida, não precisa de muito mais que um acto voluntário nosso de tomarmos responsabilidade pelo que surgiu acidentalmente e cultivarmos como nossas as descobertas que daí seguem.
(Infelizmente não consegui reunir muitas imagens significativas para ilustrar este texto. O que aqui figura é, na sua maioria, tirado do livro de Giuseppe Zevola, Piaceri de Noia, publicado em Milão em 1991.)
Piet Oudolf: The garden as a mirror of life
Piet Oudolf: The garden as a mirror of life
“O jardim é uma forma de dizer que há lugar para o sonho na terra.
É um espaço pequeno onde o homem recria o mundo, à sua medida, onde tenta corrigir a natureza, dar-lhe a ordem que ela não tem.
O jardim é o lugar onde o humano e o natural se encontram, onde a mão do homem não destrói, mas guia.
Talvez o paraíso seja apenas isto: um pedaço de terra onde tudo está em equilíbrio, onde o trabalho é também contemplação, e o tempo, finalmente, tem o tamanho de uma flor.”
- Deste mundo e do outro, José Saramago, 1971
A origem do jardim
A princípio, quando pensamos na palavra jardim, instintivamente podemos imaginar algo belo, agradável e até mesmo paradisíaco. Na verdade, este conceito cresce em nós muito subconscientemente, através de concepções ocidentais judaico-cristãs. Se recuarmos àquele que é considerado o início da criação, Adão e Eva vivem no jardim de Éden, um jardim divino, recheado de todo o tipo de árvores e frutos, banhados por um rio que os nutre. Éden, tal como o nome indica, deriva do Aramaico (língua semítica), que significa "frutífera e bem regada".
Este paraíso privativo nasce na Mesopotâmia (atual Iraque), berço dos primeiros jardins. Pensa-se que os mais antigos jardins sejam “Os jardins suspensos da babilônia”, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Embora não haja muitas informações concretas sobre a sua forma e dimensão, encontram-se vestígios arqueológicos de um poço construído para bombear água.
Pode-se dizer que, no geral, foram as antigas civilizações áridas, a Pérsia, Egito e China, onde se evidenciam os primeiros vestígios. O jardim surge como refúgio do clima quente e seco, onde a água mostra-se um recurso fundamental e os canais de irrigação uma criação mágica. Estes jardins eram compostos por árvores frutíferas que produziam sobra, mas também por plantas de uso ritual, organizadas sistematicamente em blocos ortogonais e geométricos.
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Podemos assim determinar que desde dos primórdios, o jardim materializa-se como uma expressão visual da necessidade Humana de controlar algo que é espontâneo. A natureza selvagem e imprevisível, é moldada através de uma tentativa de impor a forma de quem o idealiza. Ao traçar, delimitar, escolher o que irá ocupar aquele espaço, o Humano transforma o espaço natural numa extensão da sua cultura, é dessa forma um ecossistema único, uma junção entre o instinto e a razão. O jardim surge desta vontade de habitar num espaço indomável.
"God Almighty first planted a garden. And, indeed, it is the purest of human pleasure. It is the greatest refreshment to the spirits of man, without which, buildings and palaces are but gross handiworks. And a man shall ever see that when ages grow to civility and elegance, men come to build stately, sooner than to garden finely – as if gardening were the greater perfection."
- Of Gardens, Francis Bacon, 1625
Durante séculos, para além de um espaço de contemplação e interação com a natureza, foi também um símbolo de poder e de status social. A sua forma, dimensão e localização refletiam a posição do proprietário na hierarquia social e metaforicamente, o grau de domínio que este exercia sobre a natureza. No entanto, com a crescente consciência ecológica e a democratização deste espaço, o jardim deixou de ser um símbolo de posse, para poder ser um espaço de partilha e coexistência. É neste contexto que Piet Oudolf trabalha, revolucionário no cenário paisagístico contemporâneo.
“For me, garden design is not just about plants, it is about emotion, atmosphere, a sense of contemplation"
Oudolf, nascido em 1944 nos Países Baixos, garden designer e paisagista, propõe uma nova ética: o jardim como organismo vivo, em constante transformação, que celebra o passar das estações, o envelhecimento e a morte das plantas.
A sua abordagem é categorizada pelo movimento perennial (do qual é pioneiro), um estilo de plantação naturalista com um grande foco ecológico, direcionado para o planeamento específico do local e atento às características específicas das plantas que o integram, em todas as fases da sua vida. É, no seu todo, um projeto pensado para evoluir, crescer, transformar-se e interagir com o clima (e com o inesperado). A estética dos seus designs surge do movimento e da mutação, não da permanência.
Dentro dos diversos projetos aclamados em que já trabalhou, o mote é sempre o balanço entre a espontaneidade e o controlo, que consegue alcançar através do conhecimento extensivo que tem sobre o carácter de cada planta.
| Proposta de esquema visual para o Queen Elizabeth Olympic Park, em Londres |
| Proposta de esquema visual para o Oudolf field na Durslade Farm |
“To me, plants are personalities that I can use and arrange according to their appearance and behaviour. Each one “performs” in its own way, but in the end an interesting play needs to emerge from it”, diz Oudolf.
Aquilo que me cativa pessoalmente, é exatamente aquilo que o distingue dos demais. Apesar de todo o trabalho projetual expressivo que existe por detrás (motivo pelo qual o seu trabalho inicialmente me cativou) do seu aspeto visual, meticulosamente desenhado para jogar com as nossas concepções sociais daquilo que é considerado selvagem, no entanto os seus jardins são tudo menos selvagens, são um balanço entre composição e “comunidade”, como ele designa, entre diferentes tipos de plantas com fraquezas e forças distintas dependendo do seu período de floração e ciclo de vida. A beleza está neste encontro de espécies, que nos providenciam uma experiência sensorial ao longo de todo o ano, acentuando tanto a decadência como as fases de alta temporada da planta.
No filme “Five Seasons: the Gardens of Piet Oudolf” dirigido por Thomas Piper, somos convidados a entrar dentro do mundo pessoal e no backstage do trabalho de Oudolf. Aquele que inicialmente seria um breve documentário sobre a vida do designer, transformou-se num grande poema visual, dividindo a sua narrativa pelas estações do ano e as transformações daquele que é o seu meio de trabalho (plantas) e também uma extensão da sua vida.
Como diz no filme, “I think it’s the journey in your life to find out what real beauty is of course, but also to discover beauty in things that are, on the first sight, not beautiful.”, esta uma das grandes questões que me intriga no seu trabalho, Piet faz-nos questionar novas formas de olhar o belo, questionar o que é na verdade a ideia de beleza e direcionar o nosso olhar para o que sempre lá esteve, mas que nunca foi apreciado e visto verdadeiramente.
| WINTER, Five Seasons: The Gardens of Piet Oudolf |
“(...) Beauty in death, beauty in decay, beauty in the unexpected (...)”, diz Piet, é algo que nos deixa a pensar sobre a nossa visão do mundo, nos nossos estereótipos daquilo que é a natureza bela, daquilo que pode ou não ser bonito e numa extensão deste conceito, aquela que é a necessidade humana da beleza constante e previsível. Aquilo que o trabalho de Oudolf nos convida a pensar é uma visão da beleza, não como a ausência de imperfeição, mas a presença da vida em todas as suas fases, onde o decadente não é feio, mas sim, outra forma de existir.
| Oudolf Garden, Hummelo, Países Baixos |
Atualmente, Piet trabalha no seu estúdio privado em Hummelo, nos Países Baixos, onde vive com a sua esposa Anja e em conjunto trabalham no seu jardim privado e laboratório/ enfermería de todo o tipo de plantas (que esteve aberto ao público ao longo de 40 anos, encontra-se encerrado desde 2018). Aqui, foram feitos ao longo de 28 anos estudos das potencialidades das plantas que viriam a ser a assinatura pessoal de Piet. Hoje este espaço ocupa um “wild meadow”, um projeto onde ambos experienciam as potencialidades da combinação das plantas restantes da enfermaria com plantas gramíneas e ervas nativas cultivadas no espaço. É uma continuação natural do seu trabalho de design com uma abordagem exploratória entre a linha que separa o controle e a liberdade.
Piet Oudolf surge para mim como uma figura de grande interesse na minha prática artística (e não só), pela sua visão que destaca o momento efémero, a valorização da imperfeição e o encontro do sublime na transitoriedade, desse modo questionando esses mesmos conceitos. A estrutura e a forma ganham presença e são vistas como um todo, muito mais do que o momento único da floração, o jardim ganha uma profundidade temporal, preservando sempre o ciclo natural do ecossistema criado.
Existe neste olhar sobre as plantas algo intrinsecamente humano, o jardim resiste à passagem do frio, seca, floresce e renova-se. A passagem do tempo, a resistência e as fragilidades são um espelho da vida: onde se celebra tanto a juventude mas também o processo natural de envelhecimento. É um processo que nos leva a olhar para nós: a valorizar o momento presente, mas também a reconciliar-nos com a nossa própria finitude.
Piet e Anja Oudolf no seu jardim privado, Hummelo, Países Baixos
“O meu trabalho é sobre a vida e a morte, sobre aceitar que tudo muda.”— Piet Oudolf
links de interesse:
domingo, 26 de outubro de 2025
Cultura e Resistência Visual: Zineb Sedira
A exposição Zineb Sedira: Cultura e Resistência, atualmente patente no Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian, propõe uma reflexão sobre memória, identidade e visualidade pós-colonial. A artista franco-argelina, a viver entre Paris e Londres, tem construído uma obra profundamente comprometida com a história das diásporas e com os modos como as imagens constroem, e contestam, narrativas hegemónicas.
No CAM, Sedira revisita o imaginário político e estético das décadas de 1960 e 1970, evocando o fervor dos movimentos de libertação africanos e o papel do cinema como instrumento de solidariedade internacional. O visitante é acolhido por uma sucessão de ambientes imersivos - salas repletas de cartazes, revistas, bobinas de filme e mobiliário da época - que recriam o espírito militante do Festival Panafricano de Argel de 1969 e do cinema pós-independência.
Sedira trabalha o arquivo não como simples depósito de documentos, mas como território de reimaginação. Inspirando-se em práticas de “contravisualidade” (Mirzoeff, 2011), a artista reinscreve imagens esquecidas de solidariedade afro-asiática e revolução cultural, transformando-as em matéria viva. O arquivo torna-se um espaço de resistência à amnésia coletiva, um lugar onde a história se reativa através do olhar contemporâneo.
Noutra peça, Way of Life (2023), a artista recria a sua sala-de-estar em Brixton, transformando o espaço doméstico num cenário de memória cultural. Discos de vinil, plantas, retratos e livros compõem um ambiente familiar que, no contexto museológico, adquire uma dimensão política. A casa torna-se o lugar onde a história das migrações e das resistências quotidianas se inscreve de forma sensorial. Esta estética desafia as fronteiras entre arte e vida, entre público e privado. Ao convidar o espectador a habitar este espaço, Sedira transforma a experiência visual num gesto de partilha.
Concluindo, a exposição de Zineb Sedira propõe uma cultura visual da resistência: uma prática que se constrói entre o arquivo e a performance, entre o documento e a ficção. As suas obras convocam o olhar crítico, pedindo que o espectador se torne participante num processo de reconstrução histórica.
Mais do que representar a memória, Sedira cria as condições para a sua reativação. No CAM, o passado das lutas anti-coloniais e das utopias pan-africanas é revisitado não como nostalgia, mas como possibilidade de futuro. Num tempo saturado de imagens, a artista recorda-nos que ver é, também, um ato político.




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