sábado, 1 de junho de 2024

Nos limites da cidade

Exposição Cerco de Lisboa

Arquivo Municipal de Lisboa / Fotográfico
4 dezembro a 2 março 2024

Artistas: Augusto Brázio, Lara Jacinto, Mag Rodrigues, Paulo Catrica, Pedro Letria, São Trindade e Valter Vinagre.

Curadoria: Alejandro Castellote.

Direção de Produção: Nuno Aníbal Figueiredo (Associação Número – Arte e Cultura).


A exposição "O Cerco de Lisboa" no Arquivo Municipal de Lisboa reuniu sete artistas que interpretaram de forma única e pessoal o conceito de cerco, utilizando a fotografia como meio de expressão.

Dividida em dois pisos, a exposição oferecia no primeiro andar as fotografias dos artistas, enquanto o segundo piso estava destinado a duas salas de vídeo. A primeira exibia um vídeo de Valter Vinagre, intitulado “Aro”, acompanhando a vida diária de um grupo de pessoas em situação de sem-abrigo, num armazém abandonado. Já a segunda sala apresentava um vídeo que continha depoimentos dos artistas sobre os seus processos criativos, escolhas e interpretações do tema. Penso que foi a primeira vez que vi esta dissecação do pensamento do artista na própria exposição. Acredito que a visualização deste vídeo tenha tornado a experiência mais enriquecedora.

Descendo ao piso inicial, o das fotografias, o espaço estava organizado como um labirinto, com cada secção dedicada a um artista. Embora cada fotógrafo tivesse o seu próprio espaço, havia uma conexão subtil entre os trabalhos, criando um fio narrativo e visual que unia todos os sete cantos da exposição. Quase como um puzzle.

Este puzzle e esta viagem começa com "Chegada" de Lara Jacinto, cujas fotografias formavam uma vista panorâmica e fragmentada de pessoas e lugares. As fotografias estavam dispostas como uma linha horizontal que segue, mas que nos fazia parar e olhar não só para os pormenores, mas também para o conjunto de fotos como um todo. Esta série evocava a sensação de uma viagem, como se estivéssemos a observar a vida a passar através de uma janela de um carro. Não estamos a viver ou conhecer melhor o espaço, mas estamos a passar por ele. Dá a sensação de um olhar superficial do lugar, que não se aprofunda.





Seguindo para "Poder" de Augusto Brázio, encontramos uma interpretação do cerco da cidade através da Assembleia da República. Ao contrário do resto da exposição, interpretamos esta ideia através de um lugar de poder. As fotografias, individualmente, parecem não dizer nada. Vemos representados detalhes dos murais da assembleia, pormenores de quadros, alguns bustos intercalados com retratos de pessoas comuns. No entanto, quando olhamos para elas como um todo, e não como imagens individuais, revela-se diante de nós um diálogo sobre o colonialismo e os seus vestígios na sociedade contemporânea.
 




Em “Dentro de ti” de Valter Vinagre, tal como na “Chegada” de Lara Jacinto, parece haver uma ligação nas imagens, uma paisagem feita de várias fotografias que se interligam. No entanto, o sentimento já não é o de viajante que passa. Acabei por sentir que me demorava mais em cada imagem, havia mais pormenor e mais intimidade com o espaço e as pessoas. Senti quase como uma intromissão na privacidade de alguém. Como quem entra na casa de alguém, sem convite. Neste caso, de pessoas que não têm acesso à habitação.

 



"A Cor da Luz" de Mag Rodrigues abordava questões de identidade e exclusão, retratando pessoas com albinismo nos seus ambientes cotidianos.

Em “Malabar”, Pedro Letria fotografa artistas de rua que fazem malabarismo como forma de subsistência. A disposição das imagens na parede é feita tal qual o malabarismo, como se as imagens fossem as próprias bolas no ar, em grupos de três. Vemos uma interpretação de “cerco” como alguém que te pára na estrada, como uma cancela na entrada da cidade. Alguém que também vive nos limites da sociedade, na precariedade.





"Dos Passos em Volta" de São Trindade trazia uma perspectiva de uma caminhante que explora Lisboa, sem rumo, sem destino fixo ou hora para chegar. Pareceu-me uma análise mais pessoal e introspectiva, ao contrário das outras respostas, que fotografaram o outro. Senti que acompanhei o deambular de alguém.





A exposição terminava com "There’s more to the Picture than meets the eye. Benfica 2022-23" de Paulo Catrica, que explorava os limites da cidade através das Portas de Benfica. Paulo foca-se também mais no espaço, do que propriamente nas pessoas. Estas imagens foram as que me pareciam ter menos narrativa associada.

O que mais me marcou talvez tenha sido o vídeo “Aro”, de Valter Vinagre. Senti-me como se fosse um espectador da miséria. Como se a miséria quisesse ser “bela” de alguma forma. Certas imagens e interações pareciam pouco genuínas, quase encenadas. Será que o eram? Saí com algumas questões. Como se retrataria esta comunidade se lhe fosse dado um lugar de fala e de auto-representação? Quão diferente seria disto que vejo aqui? De que forma é que estas imagens os ajudam? Têm de ajudar? Para que servem? O que estão a dizer? Têm de dizer alguma coisa? Porque sinto este desconforto? Será que o objetivo era mesmo eu sair daqui com estas questões todas?





Ao deixar a exposição, tudo o que aqui vi continuava a ressoar na minha cabeça. Do Martim Moniz ao Cais do Sodré, senti que existiam duas Lisboas diferentes. Senti que existem, de facto, muitos muros invisíveis à nossa volta.

Talvez o maior mérito desta exposição seja chamar-nos à atenção para eles.




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