De 23 de março
a 11 de junho de 2023, será possível explorar “Mater”, uma exposição coletiva,
que recolhe o trabalho de três artistas, Maja Escher, Marta Castelo e Virgínia
Fróis, no Pavilhão Branco, das Galerias Municipais de Lisboa. Conta com a
curadoria de João Rolaça e as Oficinas do Convento, sediadas em Montemor-o-Novo,
sendo estas um elo comum entre estas artistas, que partilham os princípios desta
associação.
Mater, do latim
mãe e matéria, convida a observar arte enquanto pedaço da Terra, conectando a
obra humana à mutabilidade do mundo, tanto no sentido físico quanto poético. Podem
ser observadas 15 obras inéditas, construídas a partir de matérias naturais
recolhidas pelas próprias artistas – terras, barros, pedras, plantas, galhos e
água – num ambiente de White-box, para o qual as obras foram especificamente elaboradas.
O doce fruto destas artistas, cresce num bloco consciente de barro, realçando a
importância da água e da terra, do território e da vida, enfatizando a relação
do homem com a Natureza.
Virgínia Fróis
(1954), ex-docente de cerâmica e escultura, da Faculdade de Belas Artes da
Universidade de Lisboa, mantém uma obra profundamente vinculada ao barro e à
sua natureza, as suas qualidades e aos locais de onde este é proveniente. Fundou
a Associação Cultural de Arte e Comunicação, Oficinas do Convento, em
Montemor-o-Novo, em 1996, coordenando atividades artísticas no Projeto do
Telheiro e também em Cabo Verde, no âmbito da etnocerâmica, no Centro de Artes
e Ofícios de Trás di Munti, entre 2006 e 2014.
Marta Castelo
(1980), atual docente de cerâmica, na Faculdade de Belas Artes da Universidade
de Lisboa, começou por realizar residências
artísticas na área da escultura e cerâmica, nas Oficinas do Convento em 2006,
tendo trabalhado em diversas instâncias como assistente de Virgínia Frois. A
sua obra foca-se regularmente no uso do barro em bloco, surgindo diversas vezes
instalações com tijolos alaranjados, que erguem espaços ou construções que
aludem à ideia de carreiros e paredes, como por exemplo a sua instalação
“Casa”, de 2018.
Maja Escher
(1990), leciona atualmente na Escola Artística António Arroio e é licenciada em
Audiovisuais, com mestrado em Arte Multimédia, na Faculdade de Belas Artes da
Universidade de Lisboa (2014). Pertence ao coletivo EDA, promovendo práticas
transdisciplinares de intervenção sociocultural, procurando sempre que possível,
soluções ecologicamente sustentáveis. A sua prática artística está ligada à sua terra, o Alentejo, onde explora cerâmica
no contexto da instalação, procurando a noção de abrigo, definindo um espaço
que remonta à ideia de lar. Revela também um fascínio pelo colecionismo e
ditados populares.
A exposição
está distribuída por dois pisos - a entrada tem seis obras de Virgínia Fróis; Maja Escher tem somente obras no
piso superior e Marta Castelo ocupa ambos os pisos, nas salas traseiras. A
distribuição das peças, permite caminhar pela exposição sempre com uma obra à
vista – quase não há espaço vazio, de deliberação. É particularmente árduo, apreciar uma peça sem poluição de outra que esteja perto, ou até de outros
visitantes, que não têm espaço para caminhar, especialmente numa inauguração,
onde se registou uma vasta adesão por parte do público lisboeta. Uma exposição
sobre matéria, que evoca a mãe Natureza, deverá apresentar menos obras, ou
procurar um espaço maior, talvez exterior, em comunhão com a terra, evitando
este inundar de obras, num espaço branco e sintético, porém tendo em conta o espaço envolvente, um jardim verde lotado com exuberantes pavões, o espaço é adequado, quando não está ameaçado pelo público.
Ao entrar na
exposição, defrontamo-nos com a obra “o chão que pisamos” de Virgínia Fróis:
duas plantações, uma composta de pedaços de terreno secos, e outra com terrenos
irrigados, através de um sistema gota a gota (ligado a um balde que se mantém suspenso
acima da obra), onde brotam pequenas plantas. Esta obra evidencia um contraste
tangível entre a vida e a morte, naquele que é o sistema mais complexo que
rodeia o ser humano, a Natureza. Esta demonstração da vanitas no seu
sentido mais orgânico, exemplifica o estado de transição e devir da terra, num
gesto sensível e simbólico, evidenciado o seu lado frágil, do qual o homem
tanto depende, incentivando o seu cuidado e valorização. Virgínia, convoca uma
imagem dura, conhecida a todos, roubando a realidade agrícola e transpondo essa
brutalidade para o espaço da arte, apelando à solidariedade, num gesto de
empatia e em sintonia com a Terra.
Noutra sala,
Marta Castelo, ergue a “escrita da cidade”, elevando pequenos muros, feitos de
tijolos de barro, criando construções que se assemelham a chaminés de fornos,
carreiros, pilares, escadas e também um tanque/reservatório. Trata-se de uma
instalação ampla, expande-se por toda a sala, por onde os observadores podem
caminhar, apreciando detalhes específicos que quebram a imagem repetitiva do
tijolo, que relembra uma civilização ancestral. O ponto em destaque, é o singular reservatório, este caminho pluvial,
que combina a matéria geométrica e a matéria orgânica - água fica retida no
tanque de barro preto, que lentamente se desfaz, pois não foi chacotado. Esta
cativante transição das matérias, é estimulante ao observador, que não está
habituado a uma obra que parece estar a destruir-se, com a simples introdução
da água neste pequeno espaço. Num olhar
afetivo, a obra marca a violenta interação do homem com a Natureza, uma alteração
que permite remodelar os caminhos da água em prol da necessidade humana,
realçando o papel da humanidade e a sua força construtiva, mas também
destruidora, face à vulnerabilidade do natural.
No piso
superior, Maja Escher, apresenta “submerso/percolação da água”, onde dispõe ao
longo de uma parede cheia de janelas, diversos tecidos de algodão, de variadas
dimensões, tangidos com as cores da terra e do barro, castanhos, vermelhos e ocres. Estes
grandes panos, estão suspensos com a ajuda de galhos de eucalipto e de
aveleira, juncos e cordas de algodão e linho. Alguns destes tecidos mostram
linhas ondulantes, formas irregulares, frases repetidas e textos escritos, que
conectam a obra à água, mais propriamente ao Rio Mira. Estas mensagens, pedem
ao rio para continuar a correr, perguntando quantas vezes este dorme e
encorajando para que este vá cheio. A disposição atípica e a extensa dimensão
da obra/instalação, leva o observador a focar o olhar nas simples mensagens - as escrituras em forma de manifesto, revelam um breve e sensível protesto, que pretende
evocar o papel fulcral da água para o território do Baixo Alentejo. O manchar de tecidos à mão, o ato
de escrever e desenhar nos panos e as próprias mensagens, constroem uma
dimensão primitiva, ritualista e profundamente ligada aos antepassados, onde o
Homem tinha uma pegada muito menor na Natureza – o valor da vida, presente num ecossistema
partilhado e respeitado.
Juntamente com
o flyer da exposição, vem inscrito um QR Code, que permite o acesso a
três áudios, cada um ditado por uma das artistas, sobre uma das suas obras,
enriquecendo a dimensão da exposição, onde se destaca a canção de Maja Escher.
“Quantas vezes dorme a água?”, encanta com um breve coro acapela, onde várias
vozes femininas repetem o título da obra, de uma forma mística e solene, que
remete para um mundo talássico, no qual as vibrações das vozes, transportam o
ouvinte para debaixo de água, onde este adormece ao sabor da canção.
Com uma
estética semelhante, obtida através da partilha dos mesmos materiais, três
artistas, de gerações diferentes, mas com um amor comum, partilham um mesmo
espaço para contar uma mesma estória, respeitando a história do local, da terra. Erguido à mão, com um gesto humano,
moldado no frio e endurecido ao calor, é pela arte da cerâmica e das matérias
da terra, que se valoriza a Terra. Com um largo conjunto de obras, é claro o
valor dado à água, à matéria e ao território. Mater incide sensivelmente, no
contexto da sustentabilidade, por realmente mostrar obras que são parte da
terra, não caindo na estética conceptual e moderna, que usa plásticos ou outros
materiais sintéticos que na verdade vão contra essa preocupação. É uma
exposição sobre matéria, com um olhar terreno sobre obras terrosas, com uma
grande dimensão simbólica e conceptual.
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Áudios Mater
http://www.oficinasdoconvento.com/?p=18177
Maja Escher
https://www.artistas.ars-id.org/category/maja-escher/
Marta Castelo
http://marta-castelo.blogspot.com/
Mater
http://www.oficinasdoconvento.com/?p=18172
Virgínia Fróis
https://vicarte.org/virginia-frois/
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