quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

“O segundo sexo” 
vol. 1 Os factos e os mitos

por Simone de Beauvoir. 2ª edição, Quetzal Editores


HONESTIDADE é preciso para falar deste ensaio feito por Simone de Beauvoir – com mais de quatrocentas páginas e com sessenta e sete anos de vida – porque ao tentar lembrar a mulher na história percebe-se, sem muitas reflecções, invisibilidade. Sim, aquela sensação ou efeito que nos provoca o silêncio da que “não existe” até que repara-se na presença mesma, mas parece não estar clara, e por tanto, nega-se duas vezes. É essa negação que volta sempre e cobra o seu território, logo se apaga e retorna para ficar num inconfortável segredo.




Publicado pela primeira vez em 1949, na língua francesa e em seu titulo original: Le Deuxiéme Sexe, se apresenta em Paris, sob o seio editorial Gallimard numa França de pós-guerra. Este é o contexto é no qual esta peça se vê desenvolver : um século atingido por uma das maiores revoluções do pensamento em todos os campos da questão humana.


Beauvoir pensa e escreve, junto de seus colegas contemporâneos, sobre os paradigmas do indivíduo, que tremem como os sucessos a correr, colocando o seu juízo e a força dos deus pensamentos sobre “o rol” da mulher no passado e no presente num estudo transversal, como nunca antes tinha ninguém desenvolvido. 





Em O segundo sexo, vol. 1 a autora começa por fazer questão do facto de ser mulher - que é uma mulher? – quebrando já nesses simples facto o peso de uma sociedade paradigmática, ao fazer questão sobre uma enraizada percepção geral que descansa acima da cega crença heteronormativa e patriarcal que determina a atividade dos indivíduos pelo género.

É assim, que a autora primeiramente reflete sobre a sua própria condição e consequentemente da sua incomodidade, percebendo que existe uma resistência que também torna-se ainda mais forte com o seu desconforto.
Pensa acerca disso para chegar ao ponto de descobrir o mistério que supõe ser uma mulher: Porquê é assim?, Do onde é que vem?,  É físico?, É psicológico?, Por acaso pode ser político?, É um nível cultural?, Tem um limite? É anacrónico? Está sujeito a mudanças? Portanto, convém dizer que ser mulher realmente é como nós achamos o que é? É a individualidade uma característica própria e finita que faz parte, e nasce, só do nosso sexo? A quem pertence o corpo da mulher?

- Há um principio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um principio mau que criou o caos, as trevas e a mulher - Pitágoras

(extracto da introdução de “O Segundo Sexo, vol. 1”)

O que ela faz nessa edição é tentar apresentar as  dimensões que são necessárias para fazer uma descrição completa do género feminino: perceber a profundidade, pesquizar os estudos feitos em cada uma delas – biologia, história, psicologia, economia, política, mitologia –e depois desmascarar os conceitos estabelecidos, sob um processo intelectual altamente critico de todo o que os homens têm escrito e dito acerca da mulher.

- Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, pois eles são, ao mesmo tempo, juiz e parte - Poulain de La Barre.

(extracto da introdução de “O Segundo Sexo, vol. 1”)


Primeira parte : Destino
Simone de Beauvoir  tenta encontrar as contradições que se geram nos discursos sociais ao longo do tempo para apresentar o cenário da sua atualidade (1948-1949). Para isso mostra os dados biológicos presentes de várias espécies, tanto ao nível celular, vegetal e animal para tentar compreender o comportamento deste tipo de “sociedades” e o papel da reprodução na sua estrutura, para logo fazer uma comparação com o ser humano.

- Não é a natureza que define a mulher: esta é que se define, retomando a natureza em sua afectividade -  

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Primeira Parte: Destino.

No mesmo capítulo, ela mostra o ponto de vista psicanalítico com a intenção não de criticá-lo no seu conjunto, mas sim examinar a sua contribuição ao estudo da mulher. No entanto, o modo com que esses artigos estão expostos, fazem-lhe analisar a construção do contexto empírico em que foram feitos, para ver o que há por trás dos que parecem estudos “completos” sobre o sujeito feminino.

Segunda parte : História
Ao passar pela história, Beauvoir contempla, num primeiro olhar, a relação de pertença que existe entre os factos históricos do mundo e a linha paralela desta que marca a mulher e a suas vivências nos percursos da mesma - para além do que se percebe como registo histórico universal - deixando claramente exposta a divisão dos privilégios que supõem a evolução da humanidade; demostra o como a realidade histórica é também uma ligação ao poder de uns sobre outros.

- O mundo sempre pertenceu aos machos. (…) Já verificamos que, quando duas categorias humanas se acham em presença, cada uma delas quer impor à outra a sua soberania (…)

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Segunda Parte: Historia

Terceira parte : Mitos
A característica do conceito de Outro, olhada de maneira mais aprofundada, faz parte das análises deste capítulo, onde a autora pensa no mito que implica ser uma mulher; as personagens colocadas pelos homens – a prostituta, a mãe, a freira, a filha, a irmã, a esposa- e interpretados pelas mulheres ao longo da história, numa grande estrutura no lugar do indivíduo feminino. Ela descobre como a invidualidade da mulher parece escondida por trás dum véu e é tal porque a dominação se justifica também no campo da procura do sentido, do ser e a transcendência.

-Todo o mito implica um Sujeito que projecta as suas esperanças e temores num céu transcendente-

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Terceira Parte: Os Mitos

- A representação do mundo, como próprio mundo, é operação dos homens; eles descrevem-no do ponto de vista que lhes é peculiar, e que confundem com a verdade absoluta -

Simone de Beauvoir, O segundo Sexo vol.1, Terceira Parte: Os Mitos

É nesta reflecção em que Beauvoir determina um ponto chave para defender a apreensão de poder que tem afastado as dimensões do individuo feminino das do individuo masculino, ao perceber que o pensamento da identidade mora, come e respira no facto da falta de desenvolvimento na responsabilidade do próprio destino do individuo.

Assim o Outro persiste ainda hoje, o tratamento desse amolda-se na relação aos novos acontecimentos, e para além disso a urgência do tempo a correr faz com que o estabelecido não seja suficiente para, entre outras coisas, as necessidades negadas. Claramente o alcançado não chega para ser elementar, na passagem do tempo ainda pendem conceitos que não foram apanhados, mas o ensaio de “O segundo sexo” existe, e habita em algures numa memória esquecida, ou simplesmente é privilégio dos que sentem aquele desconforto, onde se escondem as negações das quais fazemos parte. 

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