Apreciação e Apropriação Histórica
Adicionalmente, no design pós-modernista das capas de álbum destacou-se a apropriação de elementos do passado com uma abordagem relativamente inovadora para a sua época.
Para entender tal acontecimento é preciso realçar o antecessor/catalisador deste interesse pelo passado (sob contexto pós-modernista dos anos 80) no mundo de design de álbuns, o disco Die Mensch-Maschine do grupo de música eletrónica alemão Kraftwerk. A capa do álbum (nome traduz para Homem-Máquina) , projetada por Karl Kleefisch, transmitia imediatamente que tanto a música quanto o estilo visual eram uma diversão radical do mainstream.
O design utilizava linhas diagonais e tipografia geométrica e robusta, evocando o estilo do Construtivismo Russo dos anos 1920, especialmente a obra de El Lissitzky, um artista pioneiro de vanguarda. Embora o visual não fosse uma paródia direta, o design comunica duas ideias principais: uma noção que a música era "vanguardista", que desafia os limites da exploração artística e musical; e que também era "futurista", sugerindo um mundo inovador e diferente do que a antecedia.
Depara-se com uma possível contradição: enquanto a música era futurista e projetada para o futuro, os elementos visuais da capa remetiam ao passado, especificamente a um estilo associado aos Construtivistas Russos, movimento do início do século XX associado ao fracasso político e à declínio dos seus ideais fundamentais. Se a música do Kraftwerk era tão nova e progressista, por que escolheram representá-la com uma estética histórica ligada ao fracasso? Na capa do álbum destaca-se, assim, uma tensão entre a natureza visionária da música e as referências visuais ao passado, sugerindo uma relação complexa entre futuro e passado na identidade visual e musical do grupo.
A capa do Kraftwerk foi um dos primeiros indícios de uma tendência que o fenómeno pós-moderno adotaria. No design gráfico, isso era particularmente evidente no setor de design das capas de vinis que na altura estava em constante crescimento e era um campo que permitia a experimentação.
Contexto para o revivalismo
Estas manifestação criativa, foi considerada por Fredric Jameson (crítico literário e teórico que analisou o pós-modernismo e cultura contemporânea) um efeito da situação artístico-cultural da década de 1980, onde os artistas e criadores depararam-se com um esgotamento criativo, devido à sensação de que todos os estilos possíveis há haviam sido explorados, tal situação leva os artistas a apenas replicar ou imitar os já existentes, em vez de criar novos estilos.
Jameson destaca duas formas pelas quais essa ‘imitação’ ocorre: paródia e pastiche. A paródia copia um estilo, mas adiciona um elemento que o ridiculariza ou destaca as suas peculiaridades, sendo possivelmente uma peça que faz as pessoas rir ou pensar criticamente. O pastiche, por outro lado, também imita um estilo, mas sem humor ou crítica. Trata-se de uma homenagem sincera a um estilo do passado, imitando-o sem tentar fazer uma declaração.
Embora o design gráfico tradicional sempre tenha tirado inspiração de outras áreas, no pós-modernismo, esse empréstimo torna-se mais numa celebração dos estilos do passado, sem necessariamente tentar transmitir algo novo ou crítico sobre eles.
Barney Bubbles
No Reino Unido, no final dos anos 1970, Barney Bubbles foi uma figura fundamental no desenvolvimento do design gráfico pós-moderno. Já era uma influência para uma geração mais jovem de designers, devido ao seu trabalho anterior nas cenas psicadélica e punk dos anos 1970. A habilidade excepcional de Bubbles como criador de imagens da ‘new wave’ no período pós-punk logo se revelou na capa do álbum Music for Pleasure da banda The Damned (1977),assim como no caso de Kraftwerk, a capa não é exatamente uma paródia — é mais uma homenagem que abraça alegremente seu material de origem, com humor. Bubbles estava disposto a usar qualquer coisa que funcionasse. Há um propósito nesta capa – mas há simultaneamente um desejo embutido no seu design de que você talvez não perceba esse propósito.
Frente e verso da capa Music for Pleasure, The Damned, 1977, by Barney Bubbles- uma composição semi-abstrata, reminiscentemente de Kandinsky, construída com linhas, ziguezagues, semi-círculos, símbolos e planos de cor misturados numa composição vibrante de energia cinética. O nome da banda e os retratos dos membros estão camuflados na confusão visual. A brusca mistura de influências artísticas: o bloco oriental (o suprematismo de Malevich, o estilo eclético Bauhaus de Klee, o construtivismo de El Lissitzky, as improvisações de Kandinsky, os cartazes revolucionários russos, etc.) encontra o bloco ocidental (ácido, day-glo, logotipos de produtos dos anos 50, desenhos animados da Warner Bros., etc.). Em vez de ser exibida como um exercício intelectual, a cruzada de referências e mutações selvagens é colocada a serviço das piadas visuais autodestrutivas da capa (a tipografia ilegível e as caricaturas faciais escondidas).
Saville, Garrett e Brody’s abordagem de álbum design
Malcolm Garrett e Neville Brody, dois designers britânicos influentes, ficaram impactados com o trabalho de Bubbles. No entanto, eles, juntamente com Peter Saville, encontraram ainda mais inspiração nos movimentos artísticos e de design do início do século XX, como o modernismo, o livro Pioneers of Modern Typography (1969), de Herbert Spencer, que introduziu-lhes trabalhos como os futuristas, os dadaístas, Lissitzky e Tschichold.
Brody diferencia as abordagens de simplesmente copiar esses estilos antecedentes e de aprender com eles. Considerava importante analisar as ideias centrais e os motivos por trás desses movimentos, em vez de replicá-los diretamente. Brody fazia-o ao aproveitar o seu senso de energia, foco humanista e disposição para desafiar as regras convencionais. Com esse entendimento, os designers poderiam criar algo novo com base nesses princípios.
Em 1990, Malcolm Garrett criou o termo "Retrievalismo"(retrievalism) para descrever o seu processo criativo, resumido como "Toda arte é roubo". Essa ideia sugere que, em vez de criar algo totalmente novo, os artistas extraem de um vasto repertório de estilos e ideias do passado. Garrett acreditava que a verdadeira invenção é um mito, e que os artistas inevitavelmente reutilizam e transformam materiais existentes para criar algo para o presente e futuro. O "Retrievalismo" respeita o passado, mas evita a nostalgia, buscando reimaginar seus elementos para construir uma cultura nova e voltada para o futuro.
Acreditava que, embora a inovação estilística genuína fosse difícil, a recombinação de elementos históricos ainda poderia gerar criações relevantes. No entanto, o seu método pode vir a reduzir o significado original dos elementos do passado a meros elementos decorativos, perdendo o seu impacto e contexto.
O efeito do trabalho e obra de Saville não residia apenas nas suas apropriações precisas, quase forenses, mas também na maneira como esses designs conectavam-se com a música e a identidade da banda. Os seus designs tornaram-se uma parte integrante da imagem da banda New Order e da gravadora Factory Records, contribuindo para a mística e a visão artística associadas lhes era associada. Esses designs eram mais do que simples objetos gráficos; estavam profundamente ligados às ideias e ao ethos da música e ao contexto cultural mais amplo em que foram criados.
A capa de Procession foi diretamente influenciada por Depero, baseada numa publicação futurista de 1933. A única mudança notável foi a remoção do título "Dinamo Futurista." Embora alguns possam argumentar que os designs de Saville não fossem uma cópia direta, eles representavam uma forma de "apropriação" pós-moderna, uma tendência no início dos anos 1980, onde artistas contemporâneos pegavam obras antigas e as recontextualizavam em novas criações. Esse método era semelhante ao que ocorria no mundo da arte, onde as obras de artistas anteriores eram usadas como fontes para novas criações reinterpretadas. Saville explicou que achava mais "honesto" e intelectualmente satisfatório citar o Futurismo diretamente, em vez de tentar uma paródia mal feita. Ele considerava essa abordagem literal mais genuína, e ficou surpreso que as pessoas assumissem que havia inventado o design por completo.
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