Diariamente, milhões de pessoas utilizam os transportes públicos, seja a caminho do trabalho, em momentos de lazer ou durante as férias. Este ato, ancorado nas nossas rotinas, esconde um conjunto de pormenores que frequentemente passam despercebidos. Entre eles destaca-se talvez um dos elementos mais emblemáticos, históricos e, consequentemente, mais negligenciados do design: os assentos, ou melhor, os moquettes.
O termo francês moquette, refere-se
a um tecido denso e resistente, tradicionalmente fabricado com lã, utilizado no
revestimento dos assentos dos meios de transporte, como metros, autocarros,
comboios, barcos e aviões. Em Londres, no início do século XX, desenvolveram-se
as moquettes com o intuito de resistir ao desgaste do quotidiano, disfarçando
as manchas e sujidade. Contudo, o seu valor ultrapassa o carácter meramente funcional e tornando-se elementos
centrais no design têxtil e na ornamentação das carruagens. Os seus diversos e complexos
padrões, refletem a cultura e a história de cada época, atuando como camadas de
tempo que testemunham décadas de deslocações urbanas.
Foi neste contexto, que em 2014, Julien
Potart, criou uma conta de instagram @idontgiveaseat, que hoje já conta com
mais de 145 mil seguidores. O projeto nasceu da vontade de devolver o
protagonismo a estas superfícies tantas vezes ignoradas e resignificá-las não
como meros assentos, mas como expressões de arte e design. O projeto reúne registos
fotográficos das variadas moquettes disseminadas pelo mundo, revelando não só o
padrão e a cor, mas também fragmentos de uma identidade cultural e memória
urbana de cada país. Mais do que um simples arquivo visual, o projeto questiona
o nosso olhar perante o design que nos rodeia, transformando o que à partida é
banal num objeto de contemplação, reforçando que a arte não existe apenas nos
museus e galerias, mas nos detalhes utilitários que moldam o nosso quotidiano.
A ironia presente no nome “I don’t give a seat”, contrasta com a atenção meticulosa que o projeto presta a cada detalhe. Ou melhor, o contraste revela uma crítica subtil à indiferença contemporânea perante o design público. O gesto de documentar torna-se, assim, numa forma de resistência à ignorância do olhar: um exercício de desaceleração num mundo que raramente pára para observar.
Históricamente, os moquettes apresentavam
padrões geométricos e cores escuras, como o castanho, azul, verde e azul escuro,
concebidos para dissimular a sujidade em tempos em que a higiene era escassa. A
partir da década de 1920, os designers foram instruídos a explorar composições
mais complexas ou até mesmo figurativas, introduzindo elementos florais, animais
e paisagístico, assim como uma maior liberdade cromática. Julien diz: “É
fascinante ver as semelhanças e diferenças no design dos assentos de países
completamente distintos”. Ele reforça. “Por instantes os padrões dos
transportes franceses assemelham-se aos da Austrália, embora sejam completamente
diferentes dos Alemães”.
O valor projeto reside precisamente nesse gesto de resgate e arquivo, num momento em que, por razões económicas e higiénicas, gradualmente as moquettes têm vindo a ser substituídas por assentos de plástico moldado. A partir da década de 1980, instaurou-se este novo paradigma onde o conforto têxtil deu lugar à eficiência industrial. O plástico oferece vantagens inegáveis na sua higienização, durabilidade e custo de manutenção, mas consequentemente, também trouxe consigo uma uniformização estética que reduziu e empobreceu a expressividade visual dos interiores, tornando-se num design pensado para resistir ao uso e não necessariamente para ser lembrado.
Carolina Graça