Em Nova Iorque, a paisagem vertical é um símbolo de poder e desejo. As torres de vidro e aço que se erguem sobre Manhattan são mais do que edifícios, são expressões materiais do capital global, da exclusividade e da desigualdade urbana. Um universo fechado e inacessível à grande maioria da população mas com impacto.
O projeto Private Views: A High-Rise Panorama of Manhattan (2020), da artista e arquiteta húngara Andi Schmied, movida pela curiosidade de perceber como eram as vistas destes grandes arranha-céus, tornou-se numa grande investigação crítica sobre o mercado imobiliário de luxo em Nova Iorque e o seu impacto na cidade. Através de uma personagem fictícia, onde se passava por uma potencial compradora milionária, e com uma representação cuidadosamente pensada, a artista conseguiu aceder a um conjunto de apartamentos situados em alguns dos prédios mais exclusivos de Manhattan.
Toda a investigação materializou-se numa exposição e objeto editorial, que problematizam a forma como a vista, enquanto elemento principal, se torna uma mercadoria reservada à elite. Num momento histórico em que a verticalização da habitação afeta o imaginário urbano, Private Views oferece uma perspetiva crítica sobre a relação entre a altura, a visibilidade e o poder, revelando as implicações políticas e estéticas que esta elite tem sobre o contexto da cidade contemporânea.
O projeto Private Views: A High-Rise Panorama of Manhattan (2020), da artista e arquiteta húngara Andi Schmied, movida pela curiosidade de perceber como eram as vistas destes grandes arranha-céus, tornou-se numa grande investigação crítica sobre o mercado imobiliário de luxo em Nova Iorque e o seu impacto na cidade. Através de uma personagem fictícia, onde se passava por uma potencial compradora milionária, e com uma representação cuidadosamente pensada, a artista conseguiu aceder a um conjunto de apartamentos situados em alguns dos prédios mais exclusivos de Manhattan.
Toda a investigação materializou-se numa exposição e objeto editorial, que problematizam a forma como a vista, enquanto elemento principal, se torna uma mercadoria reservada à elite. Num momento histórico em que a verticalização da habitação afeta o imaginário urbano, Private Views oferece uma perspetiva crítica sobre a relação entre a altura, a visibilidade e o poder, revelando as implicações políticas e estéticas que esta elite tem sobre o contexto da cidade contemporânea.
Encenação, infiltração e observação
A artista construiu uma persona, dá pelo nome de Gabriella, mulher húngara abastada à procura de um apartamento em Manhattan.
Este processo performativo permitiu-lhe atravessar as fronteiras deste sistema altamente protegido, onde o capital económico leva ao capital visual. Visitou apartamentos avaliados entre 10 e 85 milhões, ação que colocou em evidência a teatralidade do mercado imobiliário de elite, onde cada visita torna-se numa encenação cuidadosamente coreografada pelo agente imobiliário para atrair os magnatas a adquirir o imóvel. Desde os agentes que mostravam apenas a área até aos que elaboraram um discurso cativante, no livro são incluídas algumas das conversas com estes agentes, onde realçam sempre os mesmos aspectos. Desde a exclusividade do imóvel até às vistas “sem preço”, dos mármores raros aos acabamentos “bespoke” (feitos à medida). São sempre citados os materiais de luxo utilizados e os nomes dos designers por detrás de toda a obra.
Também ficou claro neste discurso a diferença de tratamento quando se dirigiam ao seu marido. Andi visitava a maioria dos apartamentos sozinha e o discurso era sempre direcionado para que ela tentasse convencer o seu marido a comprar, quando o trazia, ela tornava-se completamente invisível, já que o homem é sempre visto como a pessoa com capital para comprar este tipo de imóveis.
A artista transforma estas interações em material de análise, expondo a forma como o discurso do luxo opera como narrativa ideológica.
Este processo performativo permitiu-lhe atravessar as fronteiras deste sistema altamente protegido, onde o capital económico leva ao capital visual. Visitou apartamentos avaliados entre 10 e 85 milhões, ação que colocou em evidência a teatralidade do mercado imobiliário de elite, onde cada visita torna-se numa encenação cuidadosamente coreografada pelo agente imobiliário para atrair os magnatas a adquirir o imóvel. Desde os agentes que mostravam apenas a área até aos que elaboraram um discurso cativante, no livro são incluídas algumas das conversas com estes agentes, onde realçam sempre os mesmos aspectos. Desde a exclusividade do imóvel até às vistas “sem preço”, dos mármores raros aos acabamentos “bespoke” (feitos à medida). São sempre citados os materiais de luxo utilizados e os nomes dos designers por detrás de toda a obra.
Também ficou claro neste discurso a diferença de tratamento quando se dirigiam ao seu marido. Andi visitava a maioria dos apartamentos sozinha e o discurso era sempre direcionado para que ela tentasse convencer o seu marido a comprar, quando o trazia, ela tornava-se completamente invisível, já que o homem é sempre visto como a pessoa com capital para comprar este tipo de imóveis.
A artista transforma estas interações em material de análise, expondo a forma como o discurso do luxo opera como narrativa ideológica.
A vista como principal ponto atrativo
Em Manhattan, a “vista” tem um valor comercial. As janelas panorâmicas sobre a cidade funcionam como um mecanismo que divide o observador privilegiado do espaço coletivo da cidade mais embaixo. A artista capta este fenómeno através da sua lente. Preocupada que parecesse estranha a utilização de uma câmera profissional para fotografar os apartamentos, rapidamente percebeu que os agentes não se importavam com as suas ações estranhas. Concluiu que se agisse de forma estranha mais convincente era a sua personagem, isso significaria que tem muito dinheiro e não se preocupa com a forma como se apresenta.
Arquitetura e poder
Quem obtém estes edifícios não usufrui das regalias e do estatuto associados a eles. Estes edifícios encontram-se, na sua maioria, totalmente vazios. Servem apenas como investimento seguro para grandes empresários locais e internacionais que, por vezes, já são proprietários de diversos imóveis na mesma zona. Estes apartamentos são utilizados para alugar ou para futuramente vender por um valor mais alto.
A inserção de Andi Schmied no universo do imobiliário de luxo não é apenas uma manobra artística, mas também uma análise arquitetónica e social. Os edifícios que documenta como o 432 Park Avenue, o One57, o Trump Tower ou o Central Park Tower, representam a materialização arquitetónica de um sistema económico baseado na acumulação e na desigualdade.
Estes grandes edifícios criam diretamente problemas na cidade. As sombras criadas por eles recaem sobre outros edifícios, parques e ruas, criando a escuridão em plena luz do dia. Esta ação modifica toda a fauna e flora da cidade, além de afetar a vida do cidadão comum.
A inserção de Andi Schmied no universo do imobiliário de luxo não é apenas uma manobra artística, mas também uma análise arquitetónica e social. Os edifícios que documenta como o 432 Park Avenue, o One57, o Trump Tower ou o Central Park Tower, representam a materialização arquitetónica de um sistema económico baseado na acumulação e na desigualdade.
Estes grandes edifícios criam diretamente problemas na cidade. As sombras criadas por eles recaem sobre outros edifícios, parques e ruas, criando a escuridão em plena luz do dia. Esta ação modifica toda a fauna e flora da cidade, além de afetar a vida do cidadão comum.
Mais do que um simples levantamento fotográfico, o projeto funciona como um atlas das desigualdades que caracterizam as metrópoles contemporâneas. Ao apropriar-se da linguagem, estética e encenação, a artista devolve-as sob a forma de ironia e crítica.
Mais do que criticar quem tem o direito à vista, o trabalho questiona quem tem o direito à cidade. A partir da observação das alturas, Private Views revela as profundezas da desigualdade urbana e convida-nos a reconsiderar a própria ideia de “panorama”, como metáfora do distanciamento social e económico que define o espaço urbano do século XXI.
Os dois vídeos que despertaram o meu interesse para este projeto