A exposição Zineb Sedira: Cultura e Resistência, atualmente patente no Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian, propõe uma reflexão sobre memória, identidade e visualidade pós-colonial. A artista franco-argelina, a viver entre Paris e Londres, tem construído uma obra profundamente comprometida com a história das diásporas e com os modos como as imagens constroem, e contestam, narrativas hegemónicas.
No CAM, Sedira revisita o imaginário político e estético das décadas de 1960 e 1970, evocando o fervor dos movimentos de libertação africanos e o papel do cinema como instrumento de solidariedade internacional. O visitante é acolhido por uma sucessão de ambientes imersivos - salas repletas de cartazes, revistas, bobinas de filme e mobiliário da época - que recriam o espírito militante do Festival Panafricano de Argel de 1969 e do cinema pós-independência.
Sedira trabalha o arquivo não como simples depósito de documentos, mas como território de reimaginação. Inspirando-se em práticas de “contravisualidade” (Mirzoeff, 2011), a artista reinscreve imagens esquecidas de solidariedade afro-asiática e revolução cultural, transformando-as em matéria viva. O arquivo torna-se um espaço de resistência à amnésia coletiva, um lugar onde a história se reativa através do olhar contemporâneo.
Noutra peça, Way of Life (2023), a artista recria a sua sala-de-estar em Brixton, transformando o espaço doméstico num cenário de memória cultural. Discos de vinil, plantas, retratos e livros compõem um ambiente familiar que, no contexto museológico, adquire uma dimensão política. A casa torna-se o lugar onde a história das migrações e das resistências quotidianas se inscreve de forma sensorial. Esta estética desafia as fronteiras entre arte e vida, entre público e privado. Ao convidar o espectador a habitar este espaço, Sedira transforma a experiência visual num gesto de partilha.
Concluindo, a exposição de Zineb Sedira propõe uma cultura visual da resistência: uma prática que se constrói entre o arquivo e a performance, entre o documento e a ficção. As suas obras convocam o olhar crítico, pedindo que o espectador se torne participante num processo de reconstrução histórica.
Mais do que representar a memória, Sedira cria as condições para a sua reativação. No CAM, o passado das lutas anti-coloniais e das utopias pan-africanas é revisitado não como nostalgia, mas como possibilidade de futuro. Num tempo saturado de imagens, a artista recorda-nos que ver é, também, um ato político.