domingo, 5 de junho de 2022

O Poder da Palavra III

A terceira edição do projeto O Poder da Palavra tem como tema Mulheres: navegando entre a presença e a ausência e é uma intervenção expositiva patente na Galeria do Oriente islâmico do Museu Calouste Gulbenkian, entre 24 de junho de 2021 e 27 de junho 2022. Disponível a visitas de quarta-feira a segunda-feira, das 10h às 18h, o projeto visa descobrir onde estão as mulheres nesta galeria. O Poder da Palavra III procura assim ser um espaço de reflexão e de encontro com histórias pessoais de mulheres, estendendo-se do Egito até à Índia e do século XII até aos dias de hoje.

 

Sendo um projeto curatorial participativo que envolve um grupo de mulheres residentes em Lisboa, falantes de árabe, persa, turco e português, esta exposição conta também com a equipa curatorial e educativa e com investigadoras convidadas no estudo da coleção de arte do Médio Oriente. Cada participante trouxe a sua própria narrativa a esta exposição e as suas conversas a cerca das suas experiências foram registadas num podcast especial, que é acompanhado por uma plataforma interativa online que inclui textos académicos pessoais e imaginários. 

 

Ao entrar na Galeria do Oriente islâmico, a primeira coisa com que nos deparamos é com uma enorme sala onde estão dispostas taças, tigelas, jarros, pratos, garrafas, azulejos, tapetes, nichos de oração e lâmpadas de Mesquita. Sob que formas existem então as mulheres neste espaço e nestes objetos? Num painel dedicado a responder a esta questão, destaco em primeiro lugar um Mostruário de pontos de bordado e padrões em linho e fio de seda policroma, que remonta ao Império otomano do século XIX. 




À semelhança da maioria dos objetos na Galeria, estas peças não têm assinatura que identifiquem o seu criador. No entanto, foram claramente executadas por uma (jovem) mulher talentosa capaz de realizar diversos pontos, motivos curvilíneos e padrões geométricos mais abstratos. Em tempos mais recentes, esta arte tornou-se num espaço em que a mulher frequentemente escolhe subverter, convertendo o bordado numa ferramenta de resistência usada para contar, em linguagem críptica, as suas histórias pessoais. Esta obra causou uma dicotomia dentro de mim. Se por um lado a mulher só tem à sua disposição uma forma de cifra, isto é, uma linguagem de código, através da qual se expressa, por outro, é através do seu artesanato, da sua arte, que esta se emancipa. 

 

Através dos seus corpos, as mulheres têm procurado criar um espaço político de resistência e mudança. A Toalha de banho (havlu) em algodão, fio de seda policroma e fio de prata laminado e enrolado, é outro exemplo de bordado que carrega memórias dos corpos que nele se limparam. Era como que um espaço privado dedicado às abluções das mulheres, sendo por isso também lugar de partilha de histórias e palavras sem limites sociais impostos sobre o corpo. Do final do século XVIII esta toalha chega da Turquia ao Ocidente com uma simbologia que nos questiona sobre a liberdade com que a mulher narra, sonha e resiste através do seu corpo. 



As mulheres europeias constataram que as mulheres otomanas usufruíam de maiores liberdades em relação à lei e ao seu corpo. Assim, a partir de 1850 começaram a adotar a forma de vestir “à turca”, ou “calças tipo harém”, o que se tornou num símbolo de emancipação e dos direitos das mulheres. É exemplo deste estilo o seguinte Bordado para calças em algodão e seda frouxa policroma da Turquia (século XIX).



Estes três exemplos de bordados meticulosamente criados pela mão da mulher e utilizados como forma da sua linguagem, marcaram-me particularmente ao visitar esta exposição. No entanto, são muitos os objetos e formas artísticas que podemos apreciar. 


Não tenho a menor dúvida de que esta exposição representa uma excelente amostra da “arte do Oriente islâmico”. Nela podemos observar enormes tapeçarias em lã, seda e veludo, variadíssimas peças de loiça com formas extraordinárias e tantas vezes pintadas com paisagens naturais, um vasto leque de lâmpadas de Mesquita e nichos de oração que nos transportam para formas de orar tão diferentes do Ocidente. 

 

Foi só depois de visitar a exposição que ouvi o podcast deste projeto curatorial. Ouvir as participantes do projeto foi tão emocionante quanto visitar a própria exposição. O trabalho que elas desenvolveram foi absolutamente extraordinário, desde poemas, a investigações além-fronteiras, a recriação artística, a leituras da vida pessoal de cada uma, culminando na procura de uma palavra-chave para toda esta experiência, de onde resultaram palavras absolutamente inspiradoras. Tanto assim é que dei comigo a pensar em qual seria a minha palavra-chave e encontrei “Mistério”. 

 

Mistério porque cada obra encerra em si múltiplas questões: Quem terá sido a autora? Qual o significado desta peça? De que forma é me toca de maneira pessoal?

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