LUGAR COM TEMPO – VER, FAZER, SENTIR
A Casa da Cerca é um Centro de Arte Contemporânea, em Almada. Um espaço situado lá no alto, de terra, água, sol, ar puro, onde para além de poder visitar as exposições patentes, o visitante tem acesso a um Jardim Botânico – O Chão das Artes - e também uma vista sobre o rio Tejo e a cidade de Lisboa. Aqui, tranquilamente poderá ler um livro, escrever e desenhar, diria mesmo que se trata de um espaço que permite “conservação de saúde e expansão das competências do corpo” (Soares, 2016).
Este Centro de Arte Contemporânea tem como missão promover aproximação à arte, em especial, ao desenho, a mediação cultural, artística e educativa com os diversos públicos.
O Chão das Artes – Jardim Botânico é um lugar onde se investiga e divulga a coleção de plantas cujos componentes são matéria-prima para o fabrico de materiais utilizados nas artes plásticas. Na minha perspetiva, considero este conceito totalmente diferenciador, permitindo uma educação pela arte e pela natureza sobretudo num meio urbano em que se impõe uma nova proposta de educação.
Terminada a 10 de Abril de 2022, a exposição Aprendemos Juntos – Herbário Criativo, foi inaugurada na Galeria do Pátio, em dezembro de 2021, assinala este ano as comemorações dos 20 anos d ́O Chão das Artes – Jardim Botânico e os 25 anos do Serviço Educativo.
O Herbário Criativo é um laboratório gratuito de educação artística de enorme relevância na dinâmica do Serviço Educativo da Casa da Cerca, que mais tarde integra as experiências desenvolvidas na oferta regular da programação.
O objetivo desta exposição foi permitir a reflexão sobre as dez edições dos programas de férias de verão artísticas com crianças e jovens. Cerca de 400 participantes divididos por nove grupos com idades entre os 6 aos 9 anos, outros nove dos 10 aos 12, três dos 13 aos 15, um dos 15 aos 19 e dois dos 6 aos 15 anos com perturbações de desenvolvimento (défice de atenção/ hiperatividade e transtornos do espetro do autismo). Aqui, foram apresentadas as temáticas, as experiências desenvolvidas e os resultados obtidos em cada ano, revelando as fontes de inspiração e a planta selecionada do ano, um detalhe curioso e raro, que nem sempre é divulgado ao público em geral.
Na entrada da galeria, deparámo-nos com um esquema de um mapa na parede do Jardim Botânico – O Chão das Artes, onde se encontravam vários desenhos de plantas. Impossível ficar indiferente à diversidade de desenhos que aí se encontravam agrupados por géneros de plantas. Os traços eram orgânicos, finos e grossos, bruscos e delicados ou até com borrões de grafite. Seguindo, encontrámos uma mesa de luz e os desenhos científicos de tamanho A4, com papel e utensílios, onde erámos desafiados a colaborar num desenho coletivo: “Plantar um desenho n ́O chão das artes”. Acho desafiante esta interação, onde o público participa.
Avançámos para uma sala e observámos ao centro um painel que indicava os dez anos, sendo que cada ano estava referenciado com uma determinada cor, gerando uma paleta gradiente e harmoniosa. Nesse painel estavam indicados os nomes das pessoas envolvidas na oficina, desde a conceção e dinamização, à participação, apoio científico, assistência no jardim, estagiários, secretariado e investigadores.
Figura nº 3, vista central segunda sala.
(Créditos: Casa da Cerca)
Todos os herbários criativos são de um serviço público de excelência, bem documentados, estruturados e organizados. No entanto, destacarei três herbários criativos, começando pelo Herbário Criativo I – Ver, Fazer, Sentir, em 2009. Cada participante investigou uma planta sorteada d ́O chão das Artes – Jardim Botânico: desenhou-a, pintou-a no seu habitat e fotografou-a, serviu de pretexto para experiências artísticas e científicas. Tendo como inspiração as obras expostas de Fátima Pinto “Margens” e Vasco Araújo “Happy Days”. Também o livro “Casa com Jardim” de Emília Ferreira e Fernanda Fragateiro, serviu como referência para estudar as proporções das plantas.
Figura nº 4, Herbário Criativo I.
Em 2010 - Herbário Criativo II – Processo e Transfiguração partiu da exposição “Processo e transfiguração”, onde várias artistas apresentavam diversos processos. Assim conheceram as plantas ao prensar, desenhar e pintar (a lápis de cera, lápis aguarelavél e pastel de óleo) e posteriormente tiravam fotografia analógica e digital. Também da série “Pinocchio” de Jorge Molder serviu de inspiração para trabalharem os fósseis de cada planta, usando o seu molde em barro para obter um contramolde. Das plantas também extraíram pigmentos e aglutinantes com o látex da figueira, óleo do linho e a goma da cerejeira, ameixoeira e amendoeira. Na minha opinião, acho esta atividade muito completa e divertida que permite à criança ou jovem explorar os materiais naturais e suas potencialidades para as artes plásticas, assim como, compreender os diferentes processos de transformação dos materiais e equipamentos podendo desenvolver também, a motricidade.
Figura nº 5, Herbário Criativo II.
Em 2014 - Herbário Criativo V – Desenhos do Vestir, as fontes de inspiração foram “O Desenho está na Moda”, exposição na Casa e os temas no jardim: Jardim dos Pintores “Os Jardins de William Morris” e na estufa os “Os Padrões de William Morris”.
Aqui, os jovens estudaram o desenho aplicado à indústria celebrando os 180 anos do nascimento de William Morris, fundador do movimento Arts & Crafts. O lírio foi a planta estudada nesse ano, desta vez já não houve planta sorteada. N ́O Chão das Artes, as crianças observaram a morfologia da planta e a sua aplicação nas artes, enquanto matéria-prima para obtenção de corantes, pigmentos e produção de papel. Criaram-se desenhos de módulos e padrões, ornamentando peças de vestuário já usadas, promovendo assim a consciência ambiental e o desenvolvimento sustentável. Destaco esta atividade pela originalidade, pela iminência do tema, pelo diálogo, abordagem de uma problemática do nosso dia-a-dia incutindo a reflexão e espírito critico nas novas gerações, podendo esta atuar de uma maneira mais consciente.
Figura nº 6, Herbário Criativo V.
Enquanto aluna do Mestrado de Educação Artística da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, considero a exposição e respectivo catálogo, um trabalho de excelência que une a Arte e a Ciência. A coerência visual, quer ao nível da temática, a Natureza, (mostrando que não se esgotam ideias e possibilidades de construir produtos e ideias, conceitos, neste ambiente), quer ao nível da apresentação, são um aspeto a destacar. Outro aspeto fundamental, é a preocupação que este Serviço Educativo tem em alertar as novas gerações para o impacto das atividades humanas no planeta. Ainda no catálogo, num texto de Ana Taipas, “Construímos Juntos”, esta alerta para o grande desafio da “produção cultural artística, em especial aquela que depende maioritariamente de recursos materiais, enquanto suportes físicos para a criação e/ou apresentação”, no âmbito da sustentabilidade, e explica também a conceção das oficinas, recorrendo à reutilização e reciclagem de materiais. Assumem assim, um compromisso de desperdício mínimo e de aproveitamento máximo de recursos existentes, “talvez seja mais do que nunca o tempo de plantar” (Mendonça, 2017, p.45), plantar tempo na educação das crianças e jovens.
Para mais informações:
https://issuu.com/cmalmada/docs/catalogo_hc_miolo_capa_digital https://www.cm-almada.pt/index.php/casa-da-cerca-centro-de-arte-contemporanea
Bibliografia:
Soares, C. L. (2016). Uma educação pela Natureza a vida ao ar livre, o corpo e a ordem
urbana. Autores Associados.
Mendonça, J. T. (2017) O pequeno caminho das grandes preguntas. Quetzal.
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