Made in, Portugal
Este edifício, que em tempos albergou a coleção de Arte Popular, e a propósito, mesmo a sua construção, foi em prol de reunir um coleção que falasse da vida e arte do povo português nos anos 50, surgiu da vontade de António Ferro ( ministro e dinamizador da política cultural do Estado Novo ). O objetivo era dar a conhecer a raiz da nossa arte, consequentemente raiz do nosso carácter, assim se reuniu conjuntos de objetos diversos: mantas, barcos, loiças, cestos, trajes, brinquedos entre outros, tudo made in Portugal. Este museu retratou aquilo de que tanto nos orgulhamos, o Portugal dos grandes saberes populares, mas também, um retrato fidedigno da realidade do interior do pais.
Voltando ao pretexto que me trouxe este comentário, a exposição de cestaria portuguesa, é importante contextualizar de que esta exposição concretiza uma estratégia de estudo, documentação e divulgação de coleções similares do Museu de Arte Popular e do Museu Nacional de Etnologia, o passado recente das técnicas de cestaria em Portugal, expresso na seleção de 246 objetos adquiridos para o Museu de Arte Popular nas décadas de 1940/1950 e para o Museu Nacional de Etnologia nas décadas de 1960/1970, numa única entidade museológica. Revela-se a complementaridade entre as duas coleções, e a diversidade de matérias-primas e de técnicas de confeção que os mesmos evidenciam.
Esta diversidade releva-se ao longo das três salas, todos os conjuntos de objetos que o homem realizou através da mão, e da tecnologia. É espantoso que cada objeto valha por si, pela individualidade, pela minúcia, pela sua complexidade…
A última sala da exposição, transporta-nos para um tempo do aqui e do agora, pois dá visibilidade ao trabalhos realizados durante a Escola de Verão, Tecnologias de Cestaria Portuguesa, uma oficina para estudantes de diversos países que tiveram a oportunidade de desenvolver tais tecnologias em conjunto com mestres artesãos portugueses. Os resultados vitalizantes que se apresentam, e confirmaram a pertinência destas iniciativas. Nesta sala surge uma nova documentação fotográfica e fílmica, apresentando uma pesquisa de terreno por todo o pais dos artesãos portugueses, de modo perceber que eles ainda existem, a dar continuidade a esta arte.
Trata-se de uma estreita relação entre a mão do homem e o utensílio, da união existente entre corpo e mente, como refere Focillion, o homem fez a mão; quero dizer que a desprendeu pouco a pouco do mundo animal, que a liberdade de uma antiga e natural servidão, mas a mão fez o homem. Permitiu-lhe certos contactos com o universo , que outros órgãos e partes do corpo lhe não asseguravam.
Aqui, a arte faz-se com as mão, são instrumento da criação, mas primeiro o órgão do conhecimento, e foi através das suas duas mão que por elas se modelou também a linguagem. Para os usos correntes da vida, os gestos da mão deram-lhes impulso, contribuiriam para articulá-la, para separar-lhe os elementos, para isolá-los num vasto secretismo sonoro. Desta mímica da palavra, destas trocas entre a voz e as mãos, fica qualquer coisa de oratória. Entre a mão e o utensílio, inicia-se uma amizade que não terá fim. Uma comunica à outra o seu calor vivo e dá-lhe forma perpetuamente. Novo, o utensílio não está « feito» é preciso que se estabeleça entre ele e os dedos que o seguram, esse acordo nascido duma posse progressiva, de gestos leves combinados, de hábitos mútuos e mesmo de um certo uso, assim, tão o instrumento inerte transforma-se em qualquer coisa que vive.
Esta exposição é sobretudo de um gesto de sensibilização para a importância da preservação dos saberes-fazer tradicionais desenvolvidas ao longo das gerações, a sua adaptabilidade às exigências contemporâneas, numa visão de sustentabilidade e de preservação do meio ambiente, relativamente às práticas de consumo responsável e para a defesa do seu património imaterial. É importante refletir-se sobre estas coisas insignificantes mas preciosas, num contexto de sociedades “modernas”, numa época em que vive no descartável, no imediato, no ímpeto do momento, difícil será reconfigurar a noção do tempo. Muito destas coisas, teriam desaparecido, teriam sido levadas numa onda de utilitarismo, de fabricação em série, que sacode o mundo, por essa uniformização de gestos das próprias sensações que tornaram as almas monocórdicas. Há que rever e reavaliar a forma de como o humano interage com o seu meio, interage com a natureza e consigo próprio… É um privilégio ter-nos sido dado a capacidade de tocar, de manusear, de sentir… de manifestar, de fazer arte.
Bibliografia
Exposição “Um Cento de Cestos”, https://museuartepopular.wordpress.com/sobre/exposicao-um-cento-de-cestos/
Brun, J., ( 1991), A Mão e o Espírito, Biblioteca de Filosofia Contemporânea, edições 70.
Ferro, A., (1948), Museu de Arte Popular, Política do espírito, edições SNI, Lisboa
Focillon, H.,(1889), O Mundo das Formas - O elogio da Mão- VI capítulo, edições Sousa & Almeida, Lda
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