quarta-feira, 18 de maio de 2022

Made in, Portugal

 Made in, Portugal


        No passado dia 11 de maio, por casualidade, acabei por ver a exposição “Um Cento de Cestos”, no Museu de Arte Popular, localizado junto ao rio, em Belém.
    Este edifício, que em tempos albergou a coleção de Arte Popular, e a propósito, mesmo a sua construção, foi em prol de reunir um coleção que falasse da vida e arte do povo português nos anos 50, surgiu da vontade de António Ferro ( ministro e dinamizador da política cultural do Estado Novo ). O objetivo era dar a conhecer a raiz da nossa arte, consequentemente raiz do nosso carácter, assim se reuniu  conjuntos de objetos diversos: mantas, barcos, loiças, cestos, trajes, brinquedos entre outros, tudo made in Portugal. Este museu retratou aquilo de que tanto nos orgulhamos, o Portugal dos grandes saberes populares, mas também, um retrato fidedigno da realidade do interior do pais.

    Voltando ao pretexto que me trouxe este comentário, a exposição de cestaria portuguesa, é importante contextualizar de que esta exposição concretiza uma estratégia de estudo, documentação e divulgação de coleções similares do Museu de Arte Popular e do Museu Nacional de Etnologia, o passado recente das técnicas de cestaria em Portugal, expresso na seleção de 246 objetos adquiridos para o Museu de Arte Popular nas décadas de 1940/1950 e para o Museu Nacional de Etnologia nas décadas de 1960/1970, numa única entidade museológica. Revela-se a complementaridade entre as duas coleções, e a diversidade de matérias-primas e de técnicas de confeção que os mesmos evidenciam.
Esta diversidade releva-se ao longo das três salas, todos os conjuntos de objetos que o homem realizou através da mão, e da tecnologia. É espantoso que cada objeto valha por si, pela individualidade, pela minúcia, pela sua complexidade…

                                                  


   



Esta visita é também uma viagem ao modo de como se vivia, numa época em que o homem se servia como forma de subsistência da agricultura e da pesca, e que se servia destes objetos para uso próprio como elo de ajuda, para armazenamento de peixe, de fruta ou de trigo...Cestos, esteiras, tapetes, utensílios, ferramentas, acessórios pessoais, alforges, e mais cestos...para todos os tamanhos, técnicas, gostos, funções e circunstâncias… Objetos que hoje foram substituídos por outros mais práticos, mais cómodos, mais qualquer coisa. Pensar que grande parte da população dormia numa fina esteira de vime, derivada da sua condição económica,  é algo impensável nos dias de hoje numa cultura Ocidental,... e não foi assim há tanto tempo, … um bem haja ao colchão e ao IKEA.

A última sala da exposição, transporta-nos para um tempo do aqui e do agora, pois dá visibilidade ao trabalhos realizados durante a Escola de Verão, Tecnologias de Cestaria Portuguesa, uma oficina para estudantes de diversos países que tiveram a oportunidade de desenvolver tais tecnologias em conjunto com mestres artesãos portugueses. Os resultados vitalizantes que se apresentam, e confirmaram a pertinência destas iniciativas. Nesta sala surge uma nova documentação fotográfica e fílmica, apresentando uma pesquisa de terreno por todo o pais dos artesãos portugueses, de modo perceber que eles ainda existem, a dar continuidade a esta arte. 


                                                      


Trata-se de uma estreita relação entre a mão do  homem e o utensílio, da união existente entre corpo e mente, como refere Focillion, o homem fez a mão; quero dizer que a desprendeu pouco a pouco do mundo animal, que a liberdade de uma antiga e natural servidão, mas a mão fez o homem. Permitiu-lhe certos contactos com o universo , que outros órgãos e partes do corpo lhe não asseguravam.
Aqui, a arte faz-se com as mão, são instrumento da criação, mas primeiro o órgão do conhecimento, e foi através das suas duas mão que por elas se modelou também a linguagem. Para os usos correntes da vida, os gestos da mão deram-lhes impulso, contribuiriam para articulá-la, para separar-lhe os elementos, para isolá-los num vasto secretismo sonoro. Desta mímica da palavra, destas trocas entre a voz e as mãos, fica qualquer coisa de oratória. Entre a mão e o utensílio, inicia-se uma amizade que não terá fim. Uma comunica à outra  o seu calor vivo e dá-lhe forma perpetuamente. Novo, o utensílio não está  « feito» é preciso que se estabeleça entre ele e os dedos que o seguram, esse acordo nascido duma posse progressiva, de gestos leves combinados, de hábitos mútuos e mesmo de um certo  uso, assim, tão o instrumento inerte transforma-se  em qualquer coisa que vive.


 

    Esta exposição é sobretudo de um gesto de sensibilização para a importância da preservação dos saberes-fazer tradicionais desenvolvidas ao longo das gerações, a sua adaptabilidade às exigências contemporâneas, numa visão de sustentabilidade e de preservação do meio ambiente, relativamente às práticas de consumo responsável e para a defesa do seu património imaterialÉ importante refletir-se sobre estas coisas insignificantes mas preciosas, num contexto de sociedades “modernas”, numa época em que vive no descartável, no imediato, no ímpeto do momento, difícil será reconfigurar a noção do tempo. Muito destas coisas, teriam desaparecido, teriam sido levadas numa onda de utilitarismo, de fabricação em série, que sacode o mundo, por essa uniformização de gestos das próprias sensações que tornaram as almas monocórdicas. Há que rever e reavaliar a forma de como o humano interage com o seu meio, interage com a natureza e consigo próprio… É um privilégio ter-nos sido dado a capacidade de tocar, de manusear, de sentir… de manifestar, de fazer arte.

 

Bibliografia

Exposição “Um Cento de Cestos”, https://museuartepopular.wordpress.com/sobre/exposicao-um-cento-de-cestos/

Brun, J., ( 1991), A Mão e o Espírito, Biblioteca de Filosofia Contemporânea, edições 70.

Ferro, A., (1948), Museu de Arte Popular, Política do espírito, edições SNI, Lisboa

Focillon, H.,(1889), O Mundo das Formas - O elogio da Mão-  VI capítulo, edições Sousa & Almeida, Lda

 

 

 

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