quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Talhas de Beringel, Beja

   Após passar mais uma temporada na vila de Beringel, onde vive parte da minha família, tenho refletido sobre a perda de tradições e de identidade desta região em particular, sabendo que estes são problemas que se repetem um pouco por todo o interior do país.

   Beringel, é uma vila no Baixo Alentejo, perto de Beja, sempre foi conhecida como uma terra de barro e de oleiros. Durante séculos foi um dos centros oleiros mais importantes do Alentejo, onde esta atividade era o motor económico que empregava famílias inteiras, estruturava ofícios e mantinha viva uma identidade cultural muito própria. Os terrenos à volta da vila são também riquíssimos em argila vermelha e em muitos locais é até possível recolher esta argila sem a necessidade de escavar qualquer camada de terra. Até hoje, é ainda o único local da região reconhecido pela produção de grandes talhas cerâmicas, usadas tradicionalmente para a fermentação e armazenamento do vinho de talha, uma prática muito antiga na região. Infelizmente, atualmente existe apenas uma pessoa capaz de trabalhar o barro ao ponto de saber manejar a roda de oleiro para produzir estas talhas.



   À primeira vista, parece continuar a existir um grande orgulho em afirmar que Beringel é “terra de barro e oleiros”. Porém, percebe-se facilmente que, muitas vezes, esse orgulho serve apenas de bandeira, uma forma de exaltar a região mesmo que a tradição não se encontre verdadeiramente preservada. Assume-se a identidade, mas acredita-se que já não é possível reunir esforços para reanimar a tradição e transmitir o ofício às novas gerações.



   Desde a segunda metade do século XX começou a verificar-se um declínio significativo da produção oleira em Beringel. A industrialização e o aparecimento de materiais alternativos começaram a substituir o barro; os novos aprendizes tornaram-se escassos devido à exigência física do ofício e aos muitos anos de aprendizagem que este requer; e, além disso, muitos jovens migraram para as cidades. Com tudo isto, não houve uma passagem contínua de testemunho entre os antigos mestres e as novas gerações. Assim, com o envelhecimento ou falecimento dos últimos mestres de talha, muitos dos seus segredos técnicos (desde a colheita da argila aos métodos de secagem, das técnicas de produção às proporções certas do barro e às formas de cozedura) começam a correr o sério risco de se perder ou ficar incompletos.



   Como os antigos oleiros continuam entusiasmados em partilhar o seu conhecimento, e como a perda destes saberes pode tornar-se o ponto mais irreversível da dissipação desta cultura artesanal, há dois anos procurei os oleiros ainda vivos e trabalhei com alguns deles no sentido de reunir o máximo de informação tradicional artisanal possível. Reuni informação sobre várias técnicas de produção artesanal, assim como métodos de extração do barro, e, por fim, construí uma roda de oleiro artesanal com um dos mestres, planificando os materiais e todos os passos para a montar, criando assim um documento que qualquer pessoa pode consultar e utilizar para produzir a sua própria roda. Sinto que esforços como este são importantes para a preservação da tradição, mas é, sem dúvida, necessário que o Poder Local envolva a comunidade em projetos ligados à cerâmica. Para que a tradição oleira não desapareça, é crucial estimular o interesse pela cerâmica dentro da própria comunidade, especialmente entre os jovens, mas também atrair pessoas de fora: visitantes, artistas, investigadores e entusiastas que possam trazer novas ideias, novos olhares e novas formas de valorizar este património. Contudo, este movimento não pode depender apenas de iniciativas individuais, por mais dedicadas que sejam. É essencial que o Poder Local assuma um papel ativo e estratégico: promover programas educativos, criar espaços de formação, apoiar oficinas de artistas, dinamizar eventos ligados à cerâmica e valorizar os mestres ainda vivos como património humano. Só uma ação persistente poderá mobilizar vontades, renovar o orgulho local e garantir que a tradição oleira não apenas sobreviva, mas se desenvolva.