sábado, 8 de novembro de 2025

Jazz Kissa: os cafés japoneses onde ouvir música é um ritual

 No Japão, existem cafés muito diferentes daqueles a que estamos habituados. São os jazz kissa (ジャズ喫茶), espaços dedicados exclusivamente à escuta de jazz, onde cada detalhe, desde o sistema de som até à iluminação, é pensado para criar uma experiência sonora única. Nestes cafés, a música não é apenas pano de fundo, é protagonista e o silêncio faz parte essencial da experiência. Surgidos por volta da década de 1950 e 60, os jazz kissa nasceram como refúgios para ouvintes que procuravam discos importados e raros. Ao contrário de bares ou cafés comuns, nestes espaços o ambiente é cuidadosamente projetado para uma escuta atenta, com iluminação baixa, mobiliário simples orientado para a fonte sonora e sistemas de som vintage, ajustados com precisão quase artesanal.



“There is no doubt that the existence of jazz kissa was extremely important for the spread of jazz in Japan. Japanese musicians who couldn't afford to buy records because they rarely heard live American jazz performances studied jazz at these kissa.”- Katsumasa Kusunose













O que torna estes cafés únicos é a cultura da escuta. Nos jazz kissa, conversar alto ou usar o telemóvel é quase um sacrílego, e os clientes aprendem a ouvir de forma deliberada, quase meditativa. Cada café, cada vinil tocado e cada nota fazem parte de um ritual em que o tempo desacelera, e o ouvinte se torna totalmente presente. Esta filosofia contrasta fortemente com a forma como consumimos música atualmente, muitas vezes em segundo plano, entre notificações e multitarefas. Para os frequentadores destes cafés, ouvir música é um acto consciente, quase sagrado.


O olhar de Kusunose

O fotógrafo japonês Katsumasa Kusunose dedicou mais de 15 anos a documentar estes espaços no seu livro “Jazz Kissa: The Soul of Japanese Listening Culture”. Com 336 páginas de fotografias, Kusunose explora os detalhes que tornam cada café singular, incluindo as colunas antigas, os amplificadores cuidadosamente ajustados, a iluminação suave, o mobiliário e, acima de tudo, os ouvintes absorvendo cada nota. O livro vai além da estética e transforma-se numa reflexão sobre como o design do espaço e a tecnologia sonora moldam a experiência musical, mostrando que um jazz kissa é mais do que um café, é um ambiente cuidadosamente orquestrado, em que cada elemento contribui para a experiência da música.



Embora tenham surgido há décadas, os jazz kissa continuam a inspirar músicos, designers e amantes da música em todo o mundo. São um contraponto à cultura digital acelerada, lembrando que ouvir música pode ser um ritual de atenção plena. A sua influência ultrapassa o Japão, com novos cafés de escuta, movimentos de revival do vinil e a valorização de experiências analógicas que refletem a relevância contemporânea desta filosofia. Filmes, fotografias e publicações como o livro de Kusunose captam a aura destes espaços, transformando-os em símbolos de intimidade, silêncio e dedicação à música.

Os jazz kissa mostram que, quando o ambiente é pensado com cuidado e a música é tratada como arte, a experiência de escuta torna-se memorável e profundamente transformadora, ensinando-nos algo precioso: ouvir é também um acto de presença.