Em setembro de 2017, tive a oportunidade de conhecer a New York Art Book Fair, um dos maiores eventos do mundo sobre publicações independentes.
Promovido pela Printed Matter, com o apoio do MoMA (esta edição em questão aconteceu no MoMA PS1, instituição dedicada exclusivamente à arte contemporânea localizada no bairro do Queens), a edição da NYABF daquele ano contou com a participação de mais de 370 expositores, entre artistas, editoras independentes, colecionadores, livreiros, zineiros e instituições, vindos de 28 países. O público foi estimado em mais de 40.000 visitantes ao longo dos três dias de evento.
Entre os diversos estandes e mesas, conheci o trabalho do ilustrador e artista alemão Jan Buchczik, através da sua primeira zine Of Coursica, uma publicação de tamanho A5 com 32 páginas, impresso em 4 cores, em risografia, e publicado pela Tan and Loose Press (atual Caboose Press).
Jan conta que a ideia desta publicação é explorar paisagens e situações que aparecem na mente de alguém com jet-lag, quando o mundo parece estranho.
Algumas imagens tencionam os limites da relação entre o que é possível-mas-estranho e o absurdo-e-surreal: uma cegonha arremessando uma bola de basquete pelo cesto; uma grande onda saindo de uma banheira; flamingos dentro de copos de drinks... situações não completamente psicodélicas e surreais, mas que só apareceriam numa mente em seu estado menos pleno, afetada por alguma coisa, como o jet-lag e a estafa.
Os traços de Jan têm qualquer coisa de infantil, seja pela soma da simplicidade dos traços com as cores usadas (as três cores primárias que aprendemos no jardim da infância) ou pela imaginação fértil de uma criança, que também poderia facilmente imaginar ou vislumbrar as cenas acima, ao se deparar com esses objetos e cenários cotidianos.
Além de Of Coursica, o ilustrador já publicou outras duas zines, Floris e The One and The Many, que levam para um caminho ainda mais surreal, bizarro mas também fofo e delicado. Na primeira, flores de variados formatos brotam de todos os lugares da cabeça. Já na segunda, o corpo se distorce, retorce, aumenta e diminui para fazer alusão a situações comuns, mas que se tornam imagens surreais.
Essas características se aproximam do trabalho da ilustradora francesa Marion Fayolle: com um traço aparentemente infantil e simples, fazendo uso do lápis de cor e de cores suaves, mas para abordar de forma cômica e absurda as relações humanas, espaciais e eróticas.
Em seu livro Marotices (Les Coquins, no original em francês), Marion subverte todos os tipos de relações sexuais, transformando os órgãos e partes do corpo em coisas absurdas, tal qual a lesma e o pé de alface que aparece na capa, os seios que se transformam em balões, e o foguete-pênis em direção à bunda-lua, estabelecendo novas metáforas para o ato sexual em si.
O corpo (e não o sexo) é o tema central de seu trabalho. Em ilustrações para outros livros, cabeças flutuam no lugar de balões, um homem se dilui e vira um poço onde uma mulher mergulha, mães viram bóias para seus filhos... O corpo pode virar objeto, lugar e paisagem. O corpo pode transformar-se em suporte de objetos, ferramentas e utilidades diversas, que vão muito além do que o corpo real é capaz de performar.
Na obra dos dois jovens artistas (ambos são nascidos em 1988), as personagens parecem se alterar devido à exposição a essas diversas situações e interações, afetando-se diretamente por conta delas e somatizando as tensões em seu próprio corpo ou na visão. Estas ilustrações evidenciam o quanto podemos ser sensíveis e quantos cenários surreais podemos formar nas nossas cabeças a partir das nossas experiências.
https://www.itsnicethat.com/articles/jan-buchczik-illustration-world-mental-health-day-10
https://deusmelivro.com/critica/marotices-marion-fayolle-29-7-2015/#.YaeOBvHP0Wo
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