domingo, 22 de novembro de 2015

A Luz de Lisboa

Museu de Lisboa - Torreão Poente, Terreiro do Paço
Até 20 de dezembro de 2015
De 3ª a Domingo - 10h às 18h
Normal: 3€ / Família (4 pax.): 8€ / Estudantes e reformados: 2€

Quadros do vídeo em time-lapse, de Miguel Amaral (2015)

“Não te demores – o sol anda a deitar-se | sem pudor | em todos os telhados, e a luz esmorece” (Maria do Rosário Pedreira)

Celebrando o Ano Internacional da Luz, A Luz de Lisboa é a exposição que segue até o próximo dia 20 de dezembro no Museu de Lisboa - Torreão Poente do Terreiro do Paço e que se propõe a explicar cientificamente o fenómeno e a exibir o evento reproduzido em 45 obras de pintura, fotografia, publicidade, cinema, vídeo e literatura.





Vistas gerais da exposição que ocupa o 2º andar da Torre

Comissariada pela Professora Doutora Ana Eiró, professora de física e ex-diretora do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, e pelo diretor de fotografia no cinema português e estrangeiro, Acácio de Almeida, a exposição que ocupa todo o 2º andar da Torre nos leva a experimentar uma variada gama de elementos que têm relação com o facto.

No início da primeira parte da exposição, somos guiados por um sinuoso caminho de salas escuras onde, nas sombras, por meio de gráficos e dispositivos interativos, explicam-nos a natureza física da luz, seus caminhos através da atmosfera terrestre, suas características de refração e de propagação. 


Simulação da mudança da cor da luz do Sol, quando a camada de atmosfera
atravessada pelos raios solares varia. Os raios solares atravessam cerca de 800km de atmosfera
numa incidência rasante (pôr do sol) e apenas cerca de 50km numa incidência vertical (ao meio-dia)

Chegamos à luz lisboeta onde as salas iluminadas pelas janelas que dão diretamente para o Terreiro do Paço nos mostram todo o conjunto subtil de fatores que contribui para a ocorrência do fenómeno. A meteorologia nos conta que Lisboa tem as maiores médias europeias de horas de sol descoberto, 2.786h por ano (Paris, tem míseras 1.661h) e de 10h no mês de julho, e que os ventos do norte associados a massas de ar com características polares proporcionam condições de grande transparência atmosférica, originando dias muito luminosos com excecional visibilidade, favorecendo a reflexão do sol nas águas do Tejo e sua dispersão nas colinas e edifícios da cidade. A topografia da cidade, em forma de anfiteatro virada para o rio e para o sul, recolhe essa luz refletida concentrando-a nos vales. 

Além disso, Lisboa é construída com materiais claros que refletem e dispersam a luz tornando-a mais intensa aos nossos olhos. Calcários brancos, azulejos, pedras de lioz, o casario rosa, amarelo e ocre, sobre um chão onde a calçada portuguesa tem grande predominância. Esse conjunto de materiais diferente do das outras cidades da Europa, contribui para a luminosidade mundialmente reconhecida.


Em Lisboa os ventos sopram todo o ano e associados a massas de ar polares
proporcionam condições de grande transparência atmosférica

Na segunda parte da exposição, presta-se uma emotiva deferência a este ícone imaterial da cidade, que vem desde sempre encantando a moradores e turistas, a portugueses e estrangeiros, como eu.

Encontramos as características do fenómeno que a ciência não vê: o colorido, a atmosfera sedutora e o sentimento criativo. O registro das cenas urbanas, do Tejo e da gente. A contínua interpretação poética da cidade que em obras do início do século passado até a atualidade trazem-nos o sentir dos artistas. Há obras de Carlos Botelho, Nuno Cera, Jorge Martins, Vasco Graça Moura, entre outros. A montagem desta parte da exposição nos leva a um passeio constante entre as diversas formas artísticas que constam da exposição. Pelas salas, intercalam-se pinturas e fotografias, a Literatura está sempre presente com excertos de poemas e prosa afixados às paredes e alguns pontos onde podemos sentar-nos e com a ajuda de auscultadores, ouvir a declamação de poesias e textos. Há também uma sala de projeção onde pode-se assistir a trechos de filmes que tiveram a cidade por cenário como Os Verdes Anos, de Paulo Rocha (1963), Dans La Ville Blanche, de Alain Tanner (1983) e Lisbon Story, de Win Wenders (1994). Como obras inéditas da exposição, estão o documentário As Artes da Luz de Lisboa, produzido pela Videoteca de Lisboa e o vídeo Mensagens de Luz, de Acácio de Almeida.


A Peça, direção Bruno Canas – Curta-metragem (2015)
A história de amor entre um buraco negro e uma estrela dá uma nova dimensão à vida de Eduardo

Gostaria de destacar três obras. A Cidade, pintura a óleo de Fernando de Azevedo (1955-56), uma colorida abstração geométrica onde um jogo de tons e sombras nos dá uma impressionante dimensão de volumes, planos, reflexos e texturas nas quais imediatamente reconhecemos o espírito de Lisboa, convidando-nos a subir e descer pelas suas ladeiras e escadinhas (e quantas há!) em um vai-e-vem ritmado por brancos e cores que nos abraçam com seu calor e encantos. 


Fernando de Azevedo (1923-2002) - A Cidade, Óleo s/ tela (1955-56)
Museu Nacional de Arte Contemporânea

Rua da Rosa, óleo de Manuel Amado (1997), um dos quadros com as maiores dimensões do conjunto de obras e que nos atrai definitivamente para dentro de si, onde a composição da perspetiva atravessada por um feixe de luz horizontal que ilumina toda a obra, nos dá em uma dimensão pictórica a sensação de estarmos caminhando diretamente pela rua do Bairro Alto. 


Manuel Amado (1938-) - Rua da Rosa, Óleo s/ tela (1997)
Museu de Lisboa

E a série fotográfica The Mirror Suitcase Man, de Rui Calçada Bastos (2005), conjunto a preto e branco onde o autor combina o espaço urbano com a imagem fragmentada, ao retratar um homem que perambula por Lisboa tendo à mão uma mala com uma superfície espelhada. Temos pois, o “olhar da mala”, a simples criação reflexiva da luz que nos é mostrada quase de forma mecânica, revelando-nos algo que está além dos limites do enquadramento da foto. 


Rui Calçada Bastos (1971-) - The Mirror Suitcase Man, C-Print, Diasec (2005)
Série Lisboa, Edição 2/3 - Museu de Lisboa

Lembro-me da primeira vez que estivemos, eu e minha esposa, em Lisboa. Não foi a nossa primeira vez em Portugal, onde já estivéramos seis anos antes. Mas em março de 2011 foi a primeira oportunidade que tivemos de estar e sair às ruas da capital. E além daqueles que são pontos obrigatórios do turismo, e da inusitada sensação experimentada pelos brasileiros que se sentem ao mesmo tempo na Europa e no Brasil, a característica quase transcendente da luminosidade da cidade chamou-nos a atenção.

Retornamos à cidade anualmente, e agora moradores de Lisboa, comprovamos que esta característica não foi apenas uma impressão nesta feliz exposição sobre aquela que é a verdadeira “cidade-luz” europeia.


Um dos cartazes de promoção turística da exposição,
que utiliza o jogo do céu, luz e sombras características da cidade



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