Introdução – Sobre o que ou quem é a exposição:
Trata-se de uma retrospetiva dedicada ao fotógrafo norte-americano William Klein (Nova Iorque, 1926 – Paris, 2022), considerado um dos artistas mais influentes do século XX. De espírito multidisciplinar, Klein revolucionou géneros como a fotografia de moda e de rua, quebrando convenções estéticas e temáticas da sua época.
A sua experiência na Europa começou quando se alistou no exército, o que o levou a viajar primeiro pela Alemanha e, mais tarde, para França. Após a desmobilização, acabou por se estabelecer em Paris. Em 1948 matriculou-se na Sorbonne e, posteriormente, estudou com o pintor cubista Jules-Fernand-Henri Léger, o que influenciou a sua abordagem visual e conceptual.
Com 26 anos, Klein regressa aos Estados Unidos e cria um diário gráfico da cidade de Nova Iorque. Esse trabalho deu origem ao seu primeiro livro, "Life is Good and Good for You in New York: Trance Witness Revels" (1956), que viria a tornar-se um marco na história da fotografia. Rejeitado inicialmente nos EUA, o livro foi publicado em França e, em 1957, recebeu o Prémio Nadar.
Uma das imagens mais emblemáticas desse projeto é Gun 1, New York (1954), onde uma criança aponta uma arma de brincar diretamente para a câmara, criando uma sensação de ameaça que se transfere para o espectador. O olhar da criança é duro, quase violento – um exemplo claro da audácia de Klein, presente em todo o seu trabalho. Para além do domínio técnico da composição, luz e enquadramento, Klein acrescenta sempre uma provocação temática e formal que desafiava as expectativas da época.
O tema da cidade e da vida pulsante nos grandes centros urbanos tornou-se um traço marcante no seu portfólio. Depois do sucesso do primeiro livro, Klein expandiu o seu registo para outras cidades: Roma (1959), Moscovo (1964), Tóquio (1964) e Paris (2002), sempre com uma abordagem livre e pessoal.
Em 1958, mergulha noutra linguagem artística: o cinema. Começa com a curta-metragem Broadway by Light, e segue-se o filme Qui êtes-vous, Polly Maggoo? (1966), que lhe valeu o Prémio Jean Vigo em 1967. Em 1969, realiza Mister Freedom, um projeto mais independente, marcado por cenas de ação e um forte posicionamento político.
O reconhecimento institucional à sua obra também se fez sentir. Em 2005, o Centre Pompidou, em Paris, dedicou-lhe uma grande retrospetiva, seguida pela Tate Modern, em Londres, em 2012. Ao longo dos anos, diferentes facetas da sua
obra foram exibidas em cidades como Amesterdão, Barcelona, Berlim, Bruxelas, Chengdu, Madrid, Milão, Rouen, Seul, entre outras.
A Exposição
A exposição “William Klein – O Mundo Inteiro é um Palco” está organizada em diversos espaços expositivos, cada um dedicado a diferentes temas fotográficos e vertentes artísticas que Klein explorou ao longo da sua carreira. Logo à entrada do Museu da Eletricidade, onde a mostra teve lugar, deparamo-nos com uma parede onde se lê o nome do autor e o título dado à exposição pelo curador David Campany. Nessa mesma parede estão disponíveis panfletos informativos, em português e inglês, que nos contextualizam um pouco sobre a vida e obra de Klein.
Avançando, encontramos uma parede com uma compilação de imagens consideradas “highlights” da carreira do artista, segundo o olhar do curador. Embora os espaços aparentem estar divididos por temas, a quem conhece a obra de Klein, a sensação que se impõe é de certa confusão. As imagens estão demasiado próximas, o que impede que respirem e tira-lhes parte do impacto. Algumas mereciam uma parede só para si, permitindo uma contemplação mais pausada e valorizando melhor o seu conteúdo.
O primeiro espaço expositivo, particularmente, causou-me algum desconforto. Esperava mais cuidado com a apresentação da obra de um fotógrafo tão marcante, especialmente nas áreas da fotografia de rua e de moda. Em vez disso, somos confrontados com uma espécie de "mixórdia" de imagens de várias vertentes e temas — todas numa só parede. Fotografias feitas na Europa, dentro da abordagem street, estão misturadas com dípticos de moda, sem qualquer separação temática evidente. Apesar das salas serem amplas e permitirem a circulação confortável, a disposição densa das obras provocava uma sensação de claustrofobia. Parecia informação a mais para tão pouco espaço.
Logo a seguir, há uma sala escura onde são projetados pequenos trechos dos filmes realizados por Klein. As imagens são projetadas em duas paredes sincronizadas, com o mesmo áudio, mas legendadas em português e francês, respetivamente. O espaço é confortável e bem pensado — tem bancos voltados para cada ecrã, permitindo uma experiência imersiva e tranquila.
Alguns corredores de passagem acolhem obras aparentemente consideradas de menor relevância — nomeadamente os retratos de celebridades ou fotografias captadas com câmaras digitais. A forma como estas foram colocadas transmite a
sensação de que foram secundarizadas, o que pode não refletir com justiça a amplitude e importância da produção de Klein nestes campos.
Logo após a sala dos filmes, encontramos uma pequena sala escura com imagens feitas no Japão. Este momento da exposição parece finalmente respirar. As fotografias estão bem distribuídas, com o devido espaço entre si, o que valoriza a experiência do visitante. Nota-se aqui uma seleção cuidada, talvez por estarem associadas ao livro Tokyo (1961), dando a ideia de que cada imagem é uma página isolada, com tempo para ser lida. No entanto, persiste um problema que se arrasta ao longo da exposição: o brilho do vidro das molduras e a iluminação excessiva dificultam a apreciação plena das obras, prejudicando o impacto visual.
Segue-se então o espaço dedicado às experiências de Klein com light painting, jogos de espelhos e os seus trabalhos enquanto designer gráfico e pintor. Este espaço está mais escondido, no piso superior, acessível apenas por uma longa escadaria, o que poderá ser uma limitação para alguns visitantes. Apesar de pequeno, o espaço está bem organizado. Há ecrãs com conteúdos multimédia explicativos e, ao centro, uma mesa expositiva com obras de design gráfico protegidas por vidro.
Por fim, entramos no último espaço da exposição, onde estão algumas das imagens mais icónicas de Klein — fotografias disruptivas tanto no universo da street photography como da fotografia de moda. Entre elas, destaca-se o famoso retrato do rapaz a apontar uma arma para a câmara (que quase dispara sobre o espectador); a imagem que nos coloca no meio de uma multidão, com o rosto desfocado de uma senhora em primeiro plano; ou aquela em que parece haver um retrato de gerações familiares, com uma rapariga à frente, seguida por um homem e uma senhora mais velha ao fundo. Também aqui está presente a emblemática fotografia de moda Isabella + Opera + Blank Faces, Paris, VOGUE, 1963, onde a modelo está de frente para a câmara, rodeada por figuras com os rostos apagados.
Bibliografia
Campany, D. (n.d.). About. David Campany. Recuperado em 22 de abril de 2025, de https://davidcampany.com/about/
Connaissance des Arts. (2022, 13 de setembro). Mort du photographe William Klein, l’oeil féroce de la pop culture. Recuperado de https://www.connaissancedesarts.com/depeches-art/deces/mort-du-photographe-william-klein-loeil-feroce-de-la-pop-culture-11176719/
Varsity. (n.d.). William Klein: The photographer who broke all the rules. Recuperado em 22 de abril de 2025, de https://www.varsity.co.uk/culture/5357
Jones, J. (2022, 13 de setembro). High-octane visions: Blurred, distorted genius photographer William Klein. The Guardian. Recuperado de https://www.theguardian.com/culture/2022/sep/13/high-octane-visions-blurred-distorted-genius-photographer-william-klein