Uma inauguração é um tempo-espaço estranho e viciante. Ninguém chega muito cedo, com medo de ser o primeiro, nem muito tarde, com medo de perder a exposição. Toda a energia vive, normalmente em cerca de duas ou três horas de conversas, bebidas e pausas de “vamos lá fora que aqui está calor”, acompanhadas por cigarros.
No meio de tudo isso vê-se arte e pondera-se os "comos" e os "porquês". São ambientes sociais e que, não fossem os locais e as obras sempre diferentes, se tornariam repetitivos rapidamente. Na pequena cidade de Lisboa a comunidade artística vai-se conhecendo muito facilmente ao frequentar este género de eventos, surgem os jovens artistas com sede de partilha. Nas grandes instituições estão os grandes artistas, e as inaugurações parecem algo muito elitista e pouco acessível, apesar de serem eventos populosos com entrada e comida gratuitos. Neste sentido, vão surgindo espaços alternativos de exposição, muitas vezes manipulados pelos artistas e não tanto por galeristas ou curadores, locais férteis de entreajuda onde as oportunidades se criam a elas mesmas.
Um destes eventos foi, por exemplo, a exposição “Nada Mais Que Isto”, que ocorreu dia 23 de agosto. Tomás Saraiva é um jovem artista que frequenta neste momento o mestrado de curadoria em Coimbra. O seu amigo Jaime Martins-Barata mudou de casa em agosto, e portanto, entre fins e inícios de contrato, com uma casa vazia, ainda por sofrer mudanças, surgiu a ideia de fazer uma exposição. A partir do texto “Contra a Interpretação” de Susan Sontag, numa exposição que durou apenas o tempo da inauguração, surgiu algo equilibrado e extremamente forte. A folha de sala, feita por Margarida Leal, tem de ser lida por um espelho, e pelas paredes da pequena casa íamos encontrando frases que remetiam a esta ideia da necessidade (ou não) de interpretação de um texto ou objeto artístico. Com artistas em estados de carreira distintos e um ambiente acolhedor, passou-se uma noite bonita sem grandes barreiras.
No dia 19 de setembro inaugurou a exposição “Brincar É No Pátio!”. João Marques e Tatyana Cristina, ambos ex-alunos da Faculdade de Belas-Artes, abriram as portas do seu atelier conjunto em Carnaxide e deram a oportunidade a colegas e amigos de mostrarem as suas obras. Participaram mais de trinta pessoas nesta exposição que decorreu ao longo de três dias (19, 20 e 21 de setembro). A inauguração começou às 18h e estendeu-se até às 4h da manhã, com dj’s e músicos pela noite dentro que participavam também na exposição. Peças de parede, pinturas, fotografias, esculturas, objetos, livros e vídeos. Havia uma secção só com diários gráficos para consulta; obras que se adaptavam ao espaço, cerâmicas num tanque cheio de rãs que acompanhavam os dj’s; uma secção de mostra de videoarte ao ar livre; e hambúrgueres vegetarianos na grelha.
A razão de ter decidido escrever sobre este tema foi uma inauguração que se passou na última sexta-feira, dia 24 de outubro. O coletivo W.A.S.P. é formado por um conjunto de estudantes de diferentes áreas, Odete Lopes (design), Tiago Verdasca (arquitetura) e Tiago Boto (pintura) e tem como objetivo a organização de eventos para integração numa comunidade artística, dando palco às mais diversas práticas. Esta última exposição tinha como título “Vogados” e passou-se num antigo escritório de advogados, tendo sido possível visitar nos dias 24, 25 e 26. Através de convite e open call, vinte e nove artistas apresentaram o seu trabalho. Organizado por salas, achei curioso o facto de cada uma ter uma atmosfera diferente, quase como se pertencessem a pequenos universos. Talvez porque a iluminação também variava de sala para sala, visto que não tinham acesso a eletricidade, a improvisação ganhou espaço através de fios que vinham do andar de cima e se ligavam a abajures de diferentes formas espalhados pelos escritórios.
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Estes espaços e eventos são o que fazem os jovens artistas sobreviver em Portugal. Iniciativas autopropostas, que alimentam a vontade de criação. Improvisos que dinamizam espaços e reestrutram o modo de pensar uma exposição. São as nascentes do que mais tarde chega às grandes massas e se considera “boa arte”, lugares de uma beleza imensa, onde tudo flui e comunica.
2. Vista da exposição "Nada Mais Que Isto", escrito "conteúdo <3" na porta do frigorífico.
3. João Marques, Sete dias, 2024
4.Mapa da exposição "Nada Mais Que Isto".
5. coletivo ssensível, conteúdo ssensível, 2025. livro de artista à venda na exposição.
6. André Carreiro Oliveira, Grifo, O Trampolim Vertical, 2025
7. Sarah Pripas, Deixei a luz e fiquei com o ponto, 2024
8. Mapa da exposição "Brincar É No Pátio"
9. Wesley Barros, na minha casa a água da sanita é bebível, 2025
10. João Salvador, Armadilha, 2025
11. Rita Fonseca, Sem Título, 2025
12. Mapa da exposição "Vogados"