sábado, 12 de dezembro de 2015

Mercúrio, o planeta maior

“MERCÚRIO”, de António Júlio Duarte 
ZDB - GALERIA ZÉ DOS BOIS
De 4ª a Sáb, 18h-23h, até 28 de Novembro de 2015
Curadoria de Natxo Checa 


O percurso de António Júlio Duarte (1965) em Macau, começou em 1997 com o livro Deviation of the Sun” editado pela Pierre Von Kleist Editions.
Atraído pelo Oriente, nos últimos 10 anos, António Júlio Duarte  (AJD), continua recorrentemente a viajar em busca da indústria do lazer e entretenimento, onde fotografa sem imposições temáticas os seus hotéis, casinos e discotecas. Inebriado por este espírito, com uma câmara de médio formato e um flash, as suas imagens afiguram-se povoadas de universos surreais, insólitos, dúbios, cheios de um brilho decadente, resultando num novo livro “White Noise” editado consecutivamente pela Pierre Von Kleist Editions (Figuras 1 e 2).

    
Figura 1 - António Júlio Duarte, da série “White Noise”, 2011  

Figura 2 - António Júlio Duarte, da série “White Noise”, 2011

            
Destruindo todos os clichés e estéticas previsíveis, AJD convida a uma abordagem crítica em torno das marginalidades invisíveis das grandes metrópoles. O corpo de trabalho de AJD, resulta de uma deambulação por espaços urbanos, mas longe de uma construção racional e calculada dos mesmos. O autor trabalha antes com as relações, oposições, semelhanças e contradições.
O tom das imagens, a nitidez exata, os cenários metálicos e os grandes objetos decorativos, produzem interiores frios, impessoais, futuristas e delirantes. Num discurso intrigante e obscuro, AJD constrói-se partir de um sentimento de desconformidade.

Figura 3 - António Júlio Duarte, da série “Mercúrio”, 2015

“Mercúrio” (Figura 3) é o mais recente trabalho de AJD, produzido e apresentado pela Galeria Zé dos Bois, que assenta e aprofunda o mesmo universo e as questões abordadas em “White Noise” com os seus cenários construídos em Macau.
Ao contrário das inúmeras viagens realizadas para “White Noise”, “Mercúrio” resulta na sequência de uma residência de criação em Macau, de 19 dias entre AJD e Natxo Checa, curador da exposição.
Se por um lado, existe uma identidade comum entre estes dois projetos, “Mercúrio” também se distancia apresentando-se com um cariz anónimo, evocando imagens sem contextos referentes e geográficos (Figura 4).

Figura 4 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015

Figura 5 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015

À entrada da exposição, (Figura 5) uma densa mancha negra invade os seus visitantes e impele-os a entrar num outro mundo. Aqui não há caminhos, nem setas orientadoras, mas sim um labirinto de corredores sombrios que desaguam em pontos iluminados com imagens isoladas.

Figura 6 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015

Pelo fluir da montagem da exposição, o espectador apercebe-se da intencionalidade desta opção. A fuga ao “white cube” e a uma narrativa linear, confronta com “dark-room” e a ideia de fragmentação (Figura 6). Ao invés de conduzir, o autor desafia o espectador a criar sua própria narrativa.

Figura 7 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015

Figura 8 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015

Tateando sala após sala, o visitante percorre claustrofobicamente uma série de caminhos negros entrecruzados, onde AJD procura para além do documental, “mostrar imagens dentro de imagens” (Figuras 7 e 8).

Figura 9 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015

“Mercúrio”, deambula entre imagens desabitadas e abandonadas, entre pormenores e detalhes arquitetónicos, entre planos infernais (Figura 10) e naturezas peculiares, deixando um mistério no ar.
Imagéticas, transfiguram-se para um cenário quase cientifico, gélido, onde o humano é substituído por algo de escultórico, onde por entre escalas e enquadramentos, renascem novas configurações.

Figura 10 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015

A mutação dos espaços, o brilho das superfícies (Figura 11) e a ausência do ser, convocam um sentimento onírico, mas tal como o próprio nome da exposição revela, cheio de vapores tóxicos e corrosivos de uma civilização em queda. Como uma premonição AJD, revela-nos “Mercúrio” como um “envenenamento”, como um espelho tóxico de uma sociedade.

Figura 11 - António Júlio Duarte, da série Mercúrio”, 2015 

Como caminhantes num enredo labiríntico, AJD leva o visitante a uma experiência transcendental que vale a pena penetrar.


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