The Face of Another - João Henriques
João Henriques - The Face of Another
Oficina da Cultura
13 a 29 de Novembro 2015
Inserido no Mês da Fotografia
ImaginArte Almada 2015
“A luta contra a ambivalência é, portanto, tanto autodestrutiva como autopropulsora”
Zygmunt Bauman, Modernidade e ambivalência,
Chegar à entrada de uma exposição de um artista emergente numa cidade periférica em relação a Lisboa e ver gente à porta. Fila para entrar. É sabido o empenho que os municípios da margem sul têm na promoção e divulgação da cultura, mas não deixa de ser surpreendente.
Aproximo-me um pouco mais e oiço música. Noto que vem, também, da exposição.
Lá dentro atua uma tuna universitária. Há uma plateia construída para a ocasião e há gente a ouvir. Gente de todas as idades. Gente sentada, gente de pé, tudo gente alegre e cerimoniosamente distante das imagens na parede.
Depois do concerto, o discurso do presidente da Câmara. É dia de inauguração da iluminação de Natal e o município escolheu aquele espaço para assinalar a efeméride.
Resolvo continuar a ver a exposição. O convite diz “…Neste trabalho de João Henriques, onde a realidade surge como um lugar complexo, mediado por sucessivos véus, em que se teoriza a máscara como espaço transitivo entre a realidade e a ficção, o indivíduo e a sociedade, o íntimo e o público, é também da assertiva e rigorosa construção da imagem enquanto cena que se trata.”
João Henriques começou a trabalhar sobre a relação entre máscara e identidade a partir de um conjunto de retratos de homens que se disfarçam de mulheres no carnaval de Torres Vedras, feito entre 2009 e 2012.
Esta exposição apresenta um conjunto desses retratos do carnaval de torres vedras, aos quais são acrescentados outros retratos e paisagens urbanas.
O que resulta é uma espécie de jogo entre identidade e alteridade. E se se tratasse apenas dos retratos, seria suficiente dizer isto. Trazer a relação do hábito e da necessidade de sair dele, de sair dos hábitos que nos definem os dias e procurar na alteridade uma fuga desse eu que os dias ao mesmo tempo confirmam e desgastam.
No entanto, a adição dos elementos de paisagem urbana traz a questão desta relação entre identidade e alteridade para um outro nível. Lembramo-nos que a fotografia nos aproximou de tal modo da imagem do que tínhamos por realidade, que acabou por no-la mostrar como ilusão ou como montagem e essa ideia da montagem faz-nos olhar novamente para os retratos.
Ao trazer a realidade para este jogo entre realidade e alteridade, a questão transforma-se e transporta-nos para um espaço onde nenhum deste elementos tem, necessariamente, aplicação. A conjugação destas imagens, retratos, retratos de máscaras e retratos de espaços de alteridade na paisagem, leva-nos, a pouco e pouco, a olhar a identidade da paisagem como uma construção; faz-nos ver o real como algo mais que se acrescentou, como mais uma máscara e, de repente, convida-nos a olhar as máscaras de outra forma: o que é que, em toda esta dança do ser e do parecer, é?
Entre os retratos do jogo identidade alteridade, as imagens da paisagem urbana contemporânea vão-nos deixando pistas para a ideia do jogo que se desenvolve entre os retratos. Vemos signos da construção e da propaganda e vemos essas caixinhas mágicas, essas caixinhas negras do processo de informação, tanto para a identidade, como para a alteridade. É neste jogo que o processo se desenvolve. Há como que um discurso, um ensaio, já não sobre a realidade nem sobre a identidade nem sobre a alteridade, mas sobre o jogo de processos que é tudo isto, assente numa contínua movimentação e transformação da informação que nos encontra nela, criando-a e sendo criados por ela.
Volto ao folheto, à saída da exposição: “à semelhança com a máscara, a imagem fotográfica é também ela uma aparência, um dispositivo que representa ambiguamente a realidade, que duplica o real e que o transfigura…”. Já na rua, noto uma dessas caixas negras, como na foto. Está junto a um muro com um mural representando os prédios da cidade e, de certo modo, confunde-se com estes.
Os azuis do céu no mural fazem-me olhar novamente para a imagem do convite, também ela com azul ao fundo, numa pintura de um cenário campestre: uma casa, também pintada num muro, e uma nuvem, azul, como nos desenhos das crianças. Ao lado há um pomar. A parte desse muro que não está pintada denota alguns sinais de abandono. Em frente, uma mulher está sentada com uma máscara de uma vaca, braços e pernas cruzados.
Sigo pela rua, divertido, prolongando esse jogo entre realidade e alteridade e aparência e identidade, e noto que o mesmo grupo se encontra na praça.
As luzes de natal acendem-se e em todos paira esse bem estar dos dias de festa.
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